Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista
Mostrando postagens com marcador arabia saudita. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador arabia saudita. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

De insanidade, basta a dos terroristas do “Estado Islâmico”

reload

Qualquer pessoa de bom senso sabe que não é por falta de bomba que Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Líbano, Iêmem e uma série de nações árabes estão mergulhadas em conflitos sectários. Afinal, o Ocidente está jogando bombas, foguetes, mísseis, drones e tudo o quanto mais se dispõe de tecnologia há mais de uma década. Ninguém de  boa-fé e juízo acredita que bombardear o Estado Islâmico (ISIS) resolverá o problema da violência fundamentalista no Oriente Médio.


A “onda” que a imprensa brasileira, com sua notória imparcialidade, faz em cima do assunto  se desmancha com um simples parágrafo da entrevista da presidenta em Nova York:
“Dilma também defendeu que os conflitos sejam resolvidos dentro dos marcos legais internacionais. “Quais são eles? É o Direito Internacional e o fato de qualquer ação ter de se submeter ao acordo do Conselho de Segurança da ONU.”

A posição brasileira é mais do que clara e se expressa muito bem nas palavras do embaixador Paulo Sergio Pinheiro, presidente da comissão da ONU que investiga as violações de direitos humanos na Síria, em entrevista que deu à Istoé, no dia 23, antes, portanto, da manifestação de Dilma:
ISTOÉ – E quem financia esse grupo terrorista?

Pinheiro – Há vários financiadores. Eu não posso citar os países, mas, basicamente, quem banca o EI são as monarquias do Golfo, que são sunitas e têm interesses muito antigos na Síria. A Síria sempre foi um polo independente na luta contra Israel e hoje é ligada ao Irã. Essas monarquias do Golfo querem que a Síria se desligue do Irã. É um conflito muito regional. Quem domina a Síria é uma vertente dos xiitas, que são os alauítas, minoria à qual pertence o presidente Assad. E os membros do EI são todos sunitas. No início, o conflito na Síria não era uma luta tão sectária. Mas hoje a presença do EI é o ápice de uma luta entre sunitas e o governo, que é xiita. Isso posto, o próprio EI tem recursos extraordinários. Eles saqueiam bancos e exploram e contrabandeiam petróleo. Têm recursos, armas e experiência em combate, e até pagam salários aos combatentes.

ISTOÉ – Qual é a responsabilidade de países como os Estados Unidos e os membros da União Europeia na ascensão do Estado Islâmico?

Pinheiro – Os EUA e a Europa, assim como o Qatar, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Turquia, em determinado momento, apoiaram os grupos armados contrários ao governo de Assad. Em 2011, o início desses movimentos na Síria parecia uma vertente da Primavera Árabe, mas que logo foi militarizada. Se no começo esses grupos eram moderados, hoje são todos militarizados. Nenhum tem um projeto claro de democracia. Os desejos nutridos no berço dessa revolução síria se perderam. O objetivo do EI hoje é a restauração do califado, algo que terminou com o fim do Império Otomano. Eles querem criar uma autoridade que irá confrontar diretamente a Arábia Saudita, atual guardiã de Meca e de lugares sagrados para os islâmicos. Os membros do grupo terrorista contestam essa autoridade. Isso é curioso, já que muitos combatentes sauditas estavam na origem desses grupos radicais na Síria.
Precisa ser mais claro para dizer que esta monstruosidade de hoje é filha do intervencionismo ocidental, ou pró-ocidental?
Antes do bombardeio americano, o embaixador Pinheiro elogiava, inclusive, a prudência de Barack Obama:

ISTOÉ – O presidente Barack Obama tem sido criticado por não combater militarmente o EI. O que o sr. acha disso?

Pinheiro – O presidente Obama está hesitante, mas, a meu ver, ele está agindo certo. Atacar o EI com bombardeios afetaria muito a população civil. Sem um acordo com o governo Assad, qualquer ação militar estrangeira na Síria seria muito complicada e limitada. Por enquanto não há indicação de que o governo americano irá de fato despachar tropas terrestres para a Síria. Oficialmente, a posição dos EUA continua sendo a de não enviar soldados para lá. E o EI é uma bomba de efeito retardado. Na medida em que forem atacados no Iraque, irão voltar para a Síria. Se forem atacados no Iraque e na Síria, os combatentes voltarão para os países de origem, especialmente europeus, o que fatalmente irá ocorrer, já que a identificação e o controle desses indivíduos são muito difíceis.

ISTOÉ – E como o sr. vê a posição do Brasil nessa questão?

Pinheiro – É muito clara a posição do governo brasileiro de que não há solução militar para o conflito na Síria. O Brasil compartilha com a visão da Comissão de que a negociação política tem de recomeçar. Todas as propostas de derrubada do governo Assad foram equivocadas. Três anos depois ele ainda está no poder. Se nada for feito, essa guerra pode continuar por dez anos, e aí a Síria seria destruída. 

malafaia

Mas Aécio Neves e o porta-voz religioso do
marinismo, Silas Malafaia,  querem transformar isso em “dialogar com assassinos” – assassinos, aliás, em alguma época armados e pagos pelo Ocidente – numa pobreza mental e num oportunismo sem par, procurando assustar as pessoas menos informadas e, se depender da imprensa, sempre mal informadas.

Quer dizer, então, que ser contra a invasão do Afeganistão e do Iraque seria “dialogar com terroristas que explodem prédios com aviões”?

Que proveito se tira em dizer o óbvio, que é chocante e repugnante fazer execuções e espalhar suas imagens pela internet, no que o embaixador chamou de “pornografia do terror”?

O que cabe a chefes de Estado ou a quem pretenda sê-lo é romper este círculo de morte e barbárie que parece interminável.

Não é nenhum site esquerdista, mas a conservadoríssima The Economist quem compara hoje as ações unilaterais de Barack Obama com as de George Bush após o 11 de Setembro.

O triste deste primarismo é bem retratado numa mensagem de  twitter reproduzida pelo Brasilpost, alguns dias atrás: ““A Primeira Guerra do Golfo gerou a Al Qaeda. A segunda, o ISIS. Mal posso esperar para ver os horrores que nos esperam depois da terceira!”

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Guerra de mentiras

Já se viu no Oriente Médio uma guerra em que impera tamanha hipocrisia? Uma guerra de tamanha covardia, de moral malvada, com tamanha falsa retórica e vergonha pública? Não me refiro às vítimas físicas da tragédia na Síria. Refiro-me às mentiras e à falsidade dos nossos governantes e da nossa opinião pública – tanto no Oriente como no Ocidente –, em ambos os casos dignas de risos: não são senão uma horrível pantomima mais característica de uma sátira de Swift do que de Tolstói ou de Shakespeare. O artigo é de Robert Fisk.

(*) Publicado originalmente em português no IHU Online.

Enquanto Qatar e Arábia Saudita armam e financiam os rebeldes sírios para derrubar a ditadura alauíta-baazista-xiíta de Bashar al-Assad, Washington não faz nenhuma crítica contra essas nações. O presidente Barack Obama e a sua secretária de Estado, Hillary Clinton, dizem que querem democracia para a Síria, mas o Qatar é uma autocracia, e a Arábia Saudita está entre os mais perniciosos califados ditatoriais do mundo árabe. Os governantes de ambos os Estados herdam o poder de suas famílias, assim como fez Bashar, e a Arábia Saudita é uma aliada dos opositores salafistas waabitas da Síria da mesma forma que foi uma fervorosa defensora do Talibã medieval durante as épocas obscurantistas do Afeganistão.

Certamente, 15 dos 19 sequestradores e assassinos em massa do 11 de setembro de 2001 eram sauditas, razão pela qual, é claro, bombardeamos o Afeganistão. Os sauditas reprimem a sua minoria xiita da mesma forma que hoje desejam destruir a minoria alauíta-xiita da Síria. E assim acreditamos que a Arábia Saudita quer democracia para a Síria?

Depois, temos o Hezbollah xiíta, milícia-partido no Líbano, mão direita xiita do Irã e simpatizante do regime de al-Assad. Durante 30 anos, o Hezbollah defendeu os xiitas oprimidos do sul do Líbano contra as agressões de Israel. Apresentaram-se como defensores dos direitos dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza, mas agora que enfrentam o lento colapso do seu inescrupuloso aliado na Síria roubaram a sua língua. Nem eles, nem o seu principesco líder, Sayed Hassan Nasrallah, disseram uma palavra sobre as violações e os assassinatos em massa de sírios pelas mãos dos soldados de Bashar e da milícia shabiha.

Também temos os heróis dos Estados Unidos: Clinton, a secretária de Defesa, Leon Panetta e o próprio Obama. Clinton lançou uma enérgica advertência a Assad. Panetta, o mesmo que mentiu várias vezes para as últimas forças norte-americanas no Iraque sobre a velha história sobre o nexo entre Saddam e o 11 de setembro, anuncia que as coisas se precipitam e estão fora de controle na Síria. Essa foi a situação durante ao menos seis meses. Só agora estão se dando conta? Obama disse na semana passada que, dado o arsenal de armas nucleares que o regime tem, continuaremos deixando claro para Assad que o mundo o está observando.

Pois bem, não foi um jornalzinho chamado A Águia Siberiana que, temeroso do que a Rússia poderia fazer na China, declarou que estava observando o czar da Rússia? Agora chegou a vez de Obama enfatizar a ínfima influência que ele tem sobre os conflitos do mundo. Bashar al-Assad deve estar tremendo de terror dentro de suas botas.

Na realidade, será que o governo norte-americano irá querer abrir os arquivos das atrocidades de al-Assad para vê-los em plena luz do dia? Há poucos anos, o governo Bush enviava muçulmanos a Damasco para que os torturadores de Bashar al-Assad arrancassem as unhas para obter informações, e os mantinha presos a pedido de Washington no mesmo buraco inferno que os rebeldes fizeram voar aos pedaços na semana passada. As embaixadas ocidentais, com muito rigor, enviavam a esses torturadores perguntas para serem feitas nos interrogatórios das vítimas. Assad, vocês sabem, era o nosso bebê.

Também há essa nação vizinha que nos deve tanta gratidão: o Iraque. Na semana passada, perpetraram-se, em um dia, 29 ataques com bomba em 19 cidades, com um saldo de 111 civis mortos e 235 feridos. No mesmo dia, o banho de sangue sírio se consumou com mais ou menos o mesmo número de baixas inocentes. Mas o Iraque já está muito abaixo no plano em que se dá prioridade à Síria. Uma democracia jeffersoniana etc., etc. Então, essa matança ocorrida ao leste da Síria teve pouco impacto, certo? Nada do que fizemos em 2003 tem a ver com o atual sofrimento no Iraque, certo?

E depois estamos nós, os amados progressistas que rapidamente lotamos as ruas de Londres para protestar contra os massacres israelenses de palestinos, com muita razão, é claro. Quando os nossos líderes políticos se comprazem em condenar os árabes pelas suas selvagerias, mas são muito tímidos para dizer uma palavra de crítica morna quando o Exército israelense comete crimes contra a humanidade, ou assiste aos seus aliados fazerem o mesmo no Líbano, as pessoas comuns devem lembrar ao mundo que não são tão covardes quanto os seus políticos. Mas quando a contagem de mortes na Síria alcança 15 mil ou 19 mil, talvez 14 vezes o número de fatalidades decorrentes do feroz ataque de Israel em Gaza em 2008 e 2009, com exceção dos sírios expatriados, apenas um único manifestante sai às ruas para condenar esses crimes contra a humanidade.

Todo esse tempo nos esquecemos da grande verdade: que tudo isso é uma tentativa de esmagar a ditadura síria, não pelo nosso amor aos sírios, nem pelo nosso ódio ao nosso outrora amigo al-Assad, nem pela nossa indignação contra a Rússia, cujo lugar no templo dedicado aos hipócritas está claro quando vemos como ela reage frente a todos os pequenos Stalingrados que existem por toda a Síria.

Não, tudo isso tem a ver com o Irã e o nosso desejo de destruir a república islâmica e os seus infernais planos nucleares – se é que existem –, o que não tem nada a ver com os direitos humanos ou com o direito à vida ou à morte dos bebês sírios. Quelle horreur!

(*) Publicada no jornal Página/12, 31-07-2012. Tradução de Moisés Sbardelotto.

terça-feira, 15 de março de 2011

BAHREIN IMPÕE LEI MARCIAL



 O rei do Bahrein, Hamad Bin Isa Al Khalifa, acaba de decretar estado de emergência por três meses.  O regime delegou plenos poderes  ao comando militar para reprimir manifestantes que exigem a abertura democrática e fim da monarquia ditatorial. O decreto-lei marcial - lido na televisão estatal do Bahrein - veio se somar à ocupação do país pelas tropas da Arabia Saudita para combater  manifestações que a monarquia já não consegue mais conter. Os choques prosseguem. Um sargento saudita das tropas de ocupação, Ahmed al-Raddadi, teria sido morto a tiros hoje na capital do Bahrein, Manama. A lei marcial  militariza completamente o país que serve de estacionamento para a 5º Frota norte-americana e funciona como sentinela avançada do petróleo saudita --uma das principais fontes de abastecimento do Ocidente. Horas antes do anúncio da lei marcial, a capital ficou deserta. Escolas e estabelecimentos comerciais foram fechados; as rodovias, bloqueadas. Desde Bush, os EUA consideram Bahrein seu principal aliado fora da OTAN.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tunísia, Egito, Marrocos...Essas “ditaduras amigas”


Os nossos meios de comunicação e jornalistas não insistiram durante décadas que esses dois “países amigos”, Tunísia e Egito, eram “Estados moderados”? A horrível palavra “ditadura” não estava exclusivamente reservada no mundo árabe muçulmano (depois da destruição da “espantosa tirania” de Saddam Hussein no Iraque) ao regime iraniano? Como? Havia então outras ditaduras na região? E isso foi ocultado pelos meios de comunicação de nossa exemplar democracia? O artigo é Ignacio Ramonet.
Uma ditadura na Tunísia? No Egito, uma ditadura? Vendo os meios de comunicação se esbaldarem com a palavra “ditadura” aplicada a Tunísia de Bem Alí e ao Egito de Moubarak, os franceses devem estar se perguntando se entenderam ou leram bem. Esses mesmos meios de comunicação e esses mesmos jornalistas não insistiram durante décadas que esses dois “países amigos” eram “Estados moderados”? A horrível palavra “ditadura” não estava exclusivamente reservada no mundo árabe muçulmano (depois da destruição da “espantosa tirania” de Saddam Hussein no Iraque) ao regime iraniano? Como? Havia então outras ditaduras na região? E isso foi ocultado pelos meios de comunicação de nossa exemplar democracia? Eis aqui, em todo caso, um primeiro abrir de olhos que devemos ao rebelde povo da Tunísia. Sua prodigiosa vitória liberou os europeus da “retórica hipócrita de ocultamento” em vigor em nossas chancelarias e em nossa mídia. Obrigados a tirar a máscara, simulam descobrir o que sabíamos há algum tempo (1), a saber, que as “ditaduras amigas” não são mais do que isso: regimes de opressão. 

Sobre esse assunto, os meios de comunicação não têm feito outra coisa do que seguir a “linha oficial”: fechar os olhos ou olhar para o outro lado confirmando a ideia de que a imprensa só é livre em relação aos fracos e aos povos isolados. Por acaso Nicolás Sarkozy não teve a altivez de assegurar que na Tunísia “havia uma desesperança, um sofrimento, um sentimento de angústia que, precisamos reconhecer, não havíamos apreciado em sua justa medida”, ao se referir ao sistema mafioso do clã Ben Alí-Trabelsi?

“Não havíamos apreciado em sua justa medida...” Em 23 anos...Apesar de contar, neste país, com serviços diplomáticos mais prolíficos que os de qualquer outro país...Apesar da colaboração em todos os setores da segurança (polícia, inteligência...) (2). Apesar das estâncias regulares de altos responsáveis políticos e midiáticos que estabeleciam ali descomplexadamente seus locais de veraneio...Apesar da existência na França de dirigentes exilados da oposição tunisiana, mantidos marginalizados como pesteados pelas autoridades francesas e com acesso proibido durante décadas aos grandes meios de comunicação... Democracia ruinosa...

Na realidade, esses regimes autoritários foram (e seguem sendo) protegidos de modo complacente pelas democracias europeias, que desprezaram seus próprios valores sob o pretexto de que constituíam baluartes contra o islamismo radical (3). O mesmo argumento cínico usado pelo Ocidente durante a Guerra Fria para apoiar ditaduras militares na Europa (Espanha, Portugal, Grécia e Turquia) e na América Latina, pretendendo impedir a chegada do comunismo ao poder.

Que formidável lição das sociedades árabes revolucionárias aqueles que, na Europa, os descreviam em termos maniqueístas, ou seja, como massas dóceis submetidas a tiranos orientais corruptos ou como multidões histéricas possuídas pelo fanatismo religioso. E agora, de repente, elas surgem nas telas de nossos computadores e televisores (conferir o admirável trabalho da Al-Jazeera), preocupadas com o progresso social, não obcecadas pela questão religiosa, sedentas de liberdade, cansadas da corrupção, detestando as desigualdades e reclamando democracia para todos, sem exclusões.

Longes das caricaturas binárias, esses povos não constituem de modo algum uma espécie de “exceção árabe”, mas sim se assemelham em suas aspirações políticas ao resto das ilustradas sociedades urbanas modernas. Um terço dos tunisianos e quase um quarto dos egípcios navegam regularmente pela internet. Como afirma Moulay Hicham El Alaoui: “Os novos movimentos já não estão marcados pelos velhos antagonismos como anti-imperialismo, anticolonialismo ou antisecularismo. As manifestações na Tunísia e no Egito são, até aqui, desprovidas de todo simbolismo religioso. Constituem uma ruptura geracional que refuta a tese do excepcionalismo árabe. Além disso, esses movimentos são animados pelas novas metodologias de comunicação da internet. Eles propõem uma nova versão da sociedade civil, onde o rechaço ao autoritarismo anda de mãos dadas com o rechaço à corrupção” (4).

Especialmente graças às redes sociais digitais, as sociedades da Tunísia e do Egito se mobilizaram com grande rapidez e puderam desestabilizar o poder em tempo recorde. Ainda antes de os movimentos terem a oportunidade de “amadurecer” e favorecer a emergência de novos dirigentes entre eles. É uma das raras ocasiões onde, sem líderes, sem organizações dirigentes e sem programa, a simples dinâmica da exasperação das massas bastou para conseguir o triunfo da revolução. Trata-se de um momento frágil e, sem dúvida, as grandes potências já estão trabalhando, especialmente no Egito, para que “tudo mude sem que nada mude”, segundo o velho adágio de O Leopardo. Esses povos que conquistaram sua liberdade devem lembrar a advertência de Balzac: “Se matará a imprensa assim como se mata um povo, outorgando-lhe a liberdade” (5). Nas “democracias vigiadas” é muito mais fácil domesticar legitimamente um povo do que nas antigas ditaduras. Mas isso não justifica sua manutenção. Nem deve ofuscar o ardor de derrubar uma tirania.

A derrocada da ditadura na Tunísia foi tão veloz que os demais povos magrebinos e árabes chegaram à conclusão de que essas autocracias – as mais velhas do mundo – estavam na verdade profundamente corroídas e não eram, portanto, mais do que “tigres de papel”. Esta demonstração está ocorrendo também no Egito.

Daí esse impressionante levante dos povos árabes, que leva a pensar inevitavelmente no grande florescimento das revoluções europeias de 1848, na Jordânia, Iêmen, Argélia, Síria, Arábia Saudita, Sudão e também no Marrocos.

Neste último país, uma monarquia absoluta, na qual o resultado das “eleições” (sempre viciado) é decidido pelo soberano, que designa segundo sua vontade os chamados ministros “da soberania”, algumas dezenas de famílias próximas ao trono continuam controlando a maioria das riquezas (6). Os telegramas divulgados por Wikileaks revelaram que a corrupção chega a níveis de indecência descomunal, maiores que os encontrados na Tunísia de Ben Alí, e que as redes mafiosas teriam todas como origem o Palácio. Trata-se de um país onde a prática da tortura está generalizada e o amordaçamento da imprensa é permanente.

No entanto, como na Tunísia de Ben Alí, esta “ditadura amiga” se beneficia da grande indulgência dos meios de comunicação e da maior parte de nossos responsáveis políticos (7), os quais minimizam os sinais do começo de um “contágio” da rebelião. Quatro pessoas se imolaram, incendiando suas próprias vestes. Produziram-se manifestações de solidariedade com os rebeldes da Tunísia e do Egito em Tânger, Fez e Rabat (8). Acossadas pelo medo, as autoridades decidiram subvencionar preventivamente os artigos de primeira necessidade para evitar as “rebeliões do pão”. Importantes contingentes de tropas do Saara Ocidental teriam sido deslocados aceleradamente para Rabat e Casablanca. O rei Mohamed VI e alguns colaboradores teriam viajado a França no dia 29 de janeiro para consultar especialistas em ordem pública do Ministério do Interior francês (9).

Ainda que as autoridades desmintam as duas últimas informações, está claro que a sociedade marroquina está seguindo os acontecimentos da Tunísia e do Egito, com excitação. Preparados para unir-se ao impulso de fervor revolucionário e quebrar de uma vez por todas as travas feudais. E para cobrar todos aqueles que, na Europa, foram cúmplices durante décadas dessas “ditaduras amigas”.

NOTAS

(1) Ler, por exemplo, de Jacqueline Boucher "La société tunisienne privée de parole" e de Ignacio Ramonet "Main de fer en Tunisie", Le Monde Diplomatique, de fevereiro de 1996 e de julho de 1996, respectivamente. 

(2) Quando Mohamed Bouazizi se imolou incendiando-se em 17 de dezembro de 2010, quando a insurreição ganhava todo o país e dezenas de tunisianos rebeldes continuavam caindo sob as balas da repressão, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoé, e a ministra de Relações Exteriores, Michèle Alliot-Marie consideravam absolutamente normal ir festejar alegremente em Tunis.

(3) Ao mesmo tempo, Washington e seus aliados europeus, sem aparentemente medir as contradições, apoiam o regime teocrático e tirânico da Arábia Saudita, principal sede do islamismo mais obscurantista e mais expansionista.

(4) http://www.medelu.org/spip.php?article711 

(5) Honoré de Balzac, Monographie de la presse parisienne, Paris, 1843. 

(6) Ler Ignacio Ramonet, "La poudrière Maroc", Mémoire des luttes, setembro 2008. http://www.medelu.org/spip.php?article111 

(7) Desde Nicolas Sarkozy até Ségolène Royal, passando por Dominique Strauss-Kahn, que possui um “ryad” em Marrakesh, os dirigentes políticos franceses não têm o menor escrúpulo em passar suas férias de inverno entre estas “ditaduras amigas”.

(8) El País, 30 de janeiro de 2011-http://www.elpais.com/../Manifestaciones/Tanger/Rabat 

(9) Ler El País, 30 de janeiro de 2011http://www.elpais.com/..Mohamed/VI/va/vacaciones y Pierre Haski, "Le discret voyage du roi du Maroc dans son château de l´Oise", Rue89, 29 de janeiro de 2011. http://www.rue89.com/..le-roi-du-maroc-en-voyage-discret...188096
http://www.elpais.com/../Manifestaciones/Tanger/Rabat 

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Os pesos e as medidas da “pax” americana



No último debate, o candidato José Serra tentou fazer uma provocação – e se deu mal, aliás – com Dilma Rousseff intrigando o fato de o Brasil ter relações político comerciais com o Irã, um país que condena mulheres à pena de morte. Não vai aqui nenhuma defesa da aplicação de uma pena capital, da qual discordo seja para homens ou mulheres, seja por que método for.

Mas há uma notícia ontem, nos jornais de todo o mundo – não a li nos brasileiros – que expõe muito bem a contradição da política ocidental em relação ao mundo árabe e evidencia que este caso do Irã só tem uma diferença de outros: o país não ser um aliado dos EUA.

Querem ver? Ontem, o Wall Street Journal noticiou que o Governo dos EUA vai enviar ao Congresso a proposta de um acordo para vender à Arábia Saudita nada menos que US$ 60 bilhões em armamento, incluindo helicópteros de ataque Apache(foto), de assalto Black Hawk e caças F-15. Será a maior venda de armas alguma vez realizada e as informações é que o “pacote” será ampliado com ofertas a outros aliados americanos no Oriente Médio, como o Kuwait, Omã e Emirados Árabes.

Mas a Arábia Saudita é uma democracia? Não. É uma monarquia onde, ao contrário do Irã, não há partidos políticos nem eleições, ou melhor, só eleições municipais e , assim mesmo, pela primeira vez em 2005 e sob intensas denúncias de fraude.

E a Arábia Saudita respeita os direitos humanos? Não, ela não apenas tem e aplica a pena de morte, como possui um sistema legal saudita prescreve pena de morte ou castigo físico, incluindo amputação das mãos e dos pés para certos crimes, como assassinato, roubo, estupro, contrabando de drogas, atividade homossexual e adultério.

Em 2008, uma mulher, Fawza Falih, foi condenada à morte por “bruxaria” e o caso foi parar até na Folha de S. Paulo.

Infelizmente, a imprensa brasileira e, até, a mundial, não achou isso escandaloso. Como Serra e a mídia brasileira acham normal – e é – que a Arábia Saudita seja um dos maiores parceiros comerciais do Brasil no mundo árabe.

E acham normal, numa região conflagrada e belicosa como o Oriente Médio, uma operação de venda de armas, dez vezes maior que o nosso programa de reequipampento aéreo, podendo chegar a muito mais que isso se considerados os demais “aliados” dos EUA na região?

Não temos nada a ver com as relações entre dois estados soberanos, como os EUA e a Arábia Saudita. Mas temos tudo a ver, no cenário mundial, com um programa de paz que seja equilibrado, sem exigir que um lado se desarme enquanto o outro é cevado com armamento pesado, embora de 2ª geração, porque o melhor, mesmo, os EUA não dão, não vendem e não emprestam.