Foi com satisfação que recebi carta do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) enviada em réplica à carta aberta ao candidato desse partido a prefeito de São Paulo, Carlos Giannazi, que escrevi há alguns dias. Quem assina a resposta é Maurício Costa de Carvalho, presidente do PSOL paulistano.
Quando menos, os termos em que os dois textos foram escritos constituem salutar exercício de debate político em alto nível, tão escasso nesta época de ataques rasteiros, maledicências, xingamentos, calúnias e tudo mais que vem degradando a política brasileira.
É sob tal espírito que este Blog publica – e treplica – a réplica do PSOL a considerações que fez não apenas sobre a (excelente) candidatura do professor e deputado estadual Carlos Giannazi – que só faz engrandecer a disputa pelo cargo de prefeito da capital paulista –, mas sobre o próprio partido.
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É possível mudar São Paulo sendo coerente
Caro Eduardo Guimarães,
Há alguns dias, após um debate promovido pela revista Fórum, você escreveu uma “carta aberta” ao candidato a prefeito do PSOL em São Paulo Carlos Giannazi. Embora teça elogios pessoais ao psolista, sentimos que a ideia da “carta” é mais um esforço de tentar colar em Giannazi a pecha de “bom político, mas incapaz de governar” e assim indiretamente ocultar as imensas contradições da candidatura Haddad que você defende.
Carlos Giannazi, a quem você tece elogios sinceros por sua trajetória irreparável de luta e coerência, não poderia ser candidato a prefeito nem estar em outro partido. O mesmo pode ser dito de Plínio de Arruda Sampaio, Marcelo Freixo, Luciana Genro, Heloísa Helena e tantos outros, muitos que saíram ou “foram saídos” do PT justamente pelo mais importante de suas histórias: a coerência com suas bases sociais e a convicção de que é possível fazer política sem se vender.
Por tudo isso faço questão de responder em nome do PSOL e de maneira respeitosa e franca a sua carta. Em respeito também àqueles moradores de São Paulo que acreditam na necessidade histórica de superar os seguidos desgovernos da direita elitista representada pelo PSDB, queremos discutir a necessidade de fortalecer uma alternativa que infelizmente o PT de Haddad não representa, precisamente porque fez a opção de moldar sua política na fôrma que tucanos forjaram.
Vamos aos pontos.
O preço das alianças
A afirmação de que o PSOL não faz alianças não é verdadeira e foi prontamente respondida por Giannazi durante a entrevista (aos 39min15s). O PSOL faz alianças, mas com limites e princípios. Vejamos o caso de Maluf. Maior corrupto brasileiro, criminoso procurado pela Interpol, já foi preso, teve seus bens bloqueados, foi condenado a devolver R$ 716 mi aos cofres públicos do estado e ainda deve outras dezenas de milhões que roubou da cidade de São Paulo em suas desastrosas gestões com Pitta e Kassab.
Esse sujeito e seu partido são entulhos da ditadura militar. Maluf construiu o Cemitério de Perus para abrigar as ossadas dos desaparecidos políticos e regularizou o centro de tortura do DOI-CODI. Estamos opostos a Maluf em termos humanitários, políticos, administrativos, éticos, morais… Como então nos aliarmos para um projeto de cidade? Para o PSOL é impossível, para o PT de Haddad não.
As alianças são muito mais do que divisões por tempo de TV. A de Lula com Maluf concedeu ao PP o Ministério das Cidades, terceiro maior orçamento da esplanada, responsável pelas obras da Copa e pela construção de metrôs nas cidades. Hoje é um duto de corrupção do pior tipo, em consórcio com as empreiteiras. Não por acaso as obras da Copa são um desastre e “falta verba” para o metrô em São Paulo. Fico me perguntando qual a secretaria ocupada por Maluf em um hipotético governo Haddad. Das finança$? Das obras? Da segurança, para colocar “a Rota na rua”? Ou da educação, para quem “professora não é mal paga, é mal casada”?
Na esteira da chapa petista a vereadores desse ano está gente como Wadih Mutran, com imensa coleção de escândalos na cidade, tendo “milagrosamente” dobrado seu patrimônio milionário em 4 anos. Qual a diferença entre eleger “a direita demo-tucana e seus satélites” e Mutran? Contando que a maioria dos vereadores da atual legislatura – inclusive vários do PT – são financiados por empreiteiras e construtoras que transformaram a prefeitura e a câmara em reféns, como fazer para mudar esse quadro? Nenhum vereador – do PSDB, do PT ou do PSD – teve coragem de lutar por uma CPI contra a Máfia dos Imóveis de Kassab. Por que será?
Para quem se administra?
Caro Eduardo, nossas diferenças com o PT não são administrativas, como você sugere, são estratégicas, de projeto. Você afirma em sua carta que a redução de gastos da educação em 6% e a criação de taxas que oneravam diretamente os pobres e os trabalhadores no governo petista seriam “medidas administrativas inevitáveis”. Tal visão reproduz uma velha máxima da direita tucana: distribuir as sobras do orçamento para os pobres quando a maré vai bem e retirar direitos dos mesmos – o elo mais fraco da corrente – quando vai mal.
Por que a prefeitura petista não engordou os cofres com a cobrança da imensa dívida ativa de grandes empresas e especuladores? Por que não taxou transações financeiras do município e as grandes fortunas paulistanas? Por que não atacou os corruptos? Diga-se de passagem, a redução de verbas da educação e a criação das taxas do lixo, da luz, etc. foram construídas por Haddad enquanto ele era chefe de gabinete de João Sayad, ex-secretário de Serra, ex-ministro de Sarney e o responsável no governo tucano de hoje por promover o desmonte que a TV Cultura vem passando.
É possível fazer mudanças reais com coerência
Como Haddad poderá ser o novo de São Paulo se recebe R$ 90 milhões na campanha das mesmas construtoras, empreiteiras, bancos e multinacionais que financiam Serra? Ser “factível, racional, prevendo todas as dificuldades” é saber especialmente o preço que se paga pelas opções e compromissos na política.
É justamente por sabermos o preço das alianças e das opções que são feitas na política que optamos por outro caminho, criterioso e coerente. O PSOL é o partido mais bem avaliado do Congresso não só porque tem excelentes quadros, parlamentares, com experiência parlamentar e administrativa como Chico Alencar, Ivan Valente, Jean Wyllys e Randolfe Rodrigues. Nossa virtude é que não abandonamos o que há de vivo na política: a organização independente da sociedade e o compromisso com o povo.
Aliás, foi fundamentalmente assim que Edmilson Rodrigues, atual candidato a prefeito de Belém pelo PSOL com 47% das intenções de voto, governou a cidade em uma experiência que muitos petistas abandonaram. Vale conhecer a história do Congresso da Cidade, da mobilização e dos enfrentamentos feitos por Edmilson que o tornaram a grande liderança popular na cidade. E, por favor, isso nada tem a ver com “um projeto autocrático sob discurso de que um prefeito pode fazer tudo o que quiser coagindo o Legislativo com grupos de pressão”. Essa “reginaduartização” da política não ajuda nem um pouco no debate.
Greve das federais: um exemplo
Cito outro caso que ilustra bastante nosso debate: a atual greve das universidades federais. São quase 100 dias de greve contra um modelo construído por Haddad que se iguala ao projeto educacional do PSDB no governo paulista na expansão precarizada da educação e no arrocho salarial dos profissionais de educação. Ainda pior: como na USP PSDBista, o PT mandou reprimir os estudantes e ainda propôs o corte de ponto dos grevistas. “Modernidade administrativa” você diria? “O pior do modelo de direita da criminalização das lutas sociais”, diríamos nós.
Aliás, pela gravidade do tema, aproveito para fazer um apelo. Nesse momento onde a mídia corporativa simplesmente se calou diante de uma das maiores greves universitárias da história, não consegui achar no seu blog da cidadania nenhuma linha de apoio, de solidariedade, de crítica ao governo por nem ao menos ter sentado para negociar com os professores e trabalhadores das universidades em meses.
A mudança que São Paulo quer
Por fim Eduardo, quero deixar claro que coincidimos em um ponto: São Paulo precisa de mudança e do fim da velha política de PSDB e satélites. Contudo é impossível ser “o novo” que a cidade precisa reproduzindo a essência dessa velha política no financiamento de campanha milionário, nas alianças, na política econômica, nas práticas corruptas, nos candidatos impostos desrespeitando a base partidária e a história do partido, como faz o PT.
A mudança que São Paulo precisa não pode ser pincelar um verniz do “novo” em uma estrutura devorada pelos cupins. E política não é guerra de torcidas, não é competição de marketing nem de quem tem mais tecnocratas. É disputa de projetos, de opções.
E nós acreditamos que é possível, caminhando com os pés firmes no chão, construir uma nova rota em direção a uma vida onde a justiça social e a liberdade não sejam mera fraseologia. Para tanto é necessário que as contradições do deserto do real sejam enfrentadas com independência, firmeza e coerência, o que falta à miséria da política que vemos hoje.
Como disse ao Rovai, espero uma nova oportunidade de debate sobre os projetos de Giannazi e do PSOL para São Paulo.
Saudações ensolaradas,
Maurício Costa de Carvalho
Professor, geógrafo e presidente do PSOL na cidade de São Paulo.
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Tréplica do Blog ao PSOL de São Paulo
Caro Maurício,
Devo iniciar refutando vossos sentimentos (do PSOL, imagino) sobre a natureza da carta aberta que escrevi ao deputado Carlos Giannazi: não fiz esforço algum para tentar colar coisa alguma nele, até porque o desempenho eleitoral do PSOL, desde a sua criação, mostra que a “pecha” de partido com bons políticos, mas incapazes de governar, já está colada nele.
Não é por outra razão que o PSOL não tem um único vereador na capital paulista. A população de São Paulo, com efeito, ainda não sentiu confiança no partido para lhe dar sequer um assento no Legislativo, situação que se espraia pelo país, onde o PSOL tem uma representação para lá de diminuta, tendo apenas três deputados federais e um senador.
Tampouco defendo qualquer “contradição” da candidatura Fernando Haddad; apenas simpatizo com ela. No máximo, então, posso estar enganado quanto ao candidato no qual pretendo votar. Atribuir-me “defesa de contradições” de quem quer que seja é uma forma de desqualificar meus argumentos relativos a Giannazi e ao PSOL.
Sobre as “contradições” que o seu grupo vê na candidatura Haddad, Maurício, que, obviamente, referem-se ao desempenho do ex-ministro à frente da pasta que pilotou ao longo do mandato de Lula e durante o período inicial do atual governo do Brasil, discordo delas.
Em minha opinião, o desempenho de Haddad como ministro foi excelente. Destaco as cotas para negros e pobres nas universidades públicas, o Prouni e o Enem, políticas aprovadas por maioria esmagadora dos brasileiros e que estão produzindo um fenômeno que a sociedade já começa a perceber: os eternos excluídos do ensino superior finalmente estão chegando a ele.
Só esse ponto da obra de Haddad à frente do Ministério da Educação já mostra que não é verdadeira a sua premissa de que o PT “fez a opção de moldar sua política na fôrma que tucanos forjaram”, haja vista que estes combatem ferozmente as políticas afirmativas petistas que estão levando centenas de milhares de jovens pobres e negros à universidade.
Sobre o “preço das alianças”, em primeiro lugar há que dizer que foi inútil expor a este blogueiro quem é Paulo Maluf e tudo o que pesa contra ele, pois, afinal, estou entre aqueles que mais combateram esse político ao longo de mais de trinta anos. Isso sem falar que fui o primeiro a criticar a aliança entre o PP e o PT paulistanos, tendo, inclusive, feito denúncia contra Maluf um dia antes de ser formalizada a aliança com seu partido.
Apesar de concordar com você, Maurício, que essa aliança foi um erro porque agregará muito pouco benefício ao grande desgaste que gerou inclusive no próprio PT – o que mostra que o partido mantém sua coerência –, penso que o discurso do PSOL sobre alianças políticas é representativo da falta de visão do partido sobre a natureza da democracia representativa.
Vale registrar que é conversa que o PP ganhou o Ministério das Cidades por ter se aliado ao PT na capital paulista; esse ministério foi entregue ao PP muito antes de sua aliança com o PT ser formalizada.
Sobre alianças, há Malufs em quase todos os grandes partidos, menos no PT – aponte-me um só político como ele filiado ao PT, se puder. Se não puderem ser feitas alianças com os grandes partidos porque o povo decidiu eleger alguns desses Malufs a eles filiados, não sei como qualquer sigla governará qualquer coisa no Brasil…
Aliás, a quase inexistente experiência administrativa do PSOL desde a sua criação mostra exatamente isso, que, sem alianças, o máximo que um partido pode fazer é ficar gritando e acusando sem realizar nada.
Sem alianças, o Brasil não seria o que é hoje, em que pese tudo de descomunal que ainda resta fazer neste país. Preciso dizer quanto o Brasil mudou porque o PT aprendeu a fazer alianças? Não preciso, o povo brasileiro e o mundo, em maioria avassaladora, reconhecem o que foi feito. Se o PSOL não reconhece – assim como o PSDB, o DEM e a mídia –, paciência.
A democracia representativa, porém, obriga a classe política a respeitar mandatos concedidos pelo povo. Se o povo vota “errado”, é outra história. Maluf – bem como seus congêneres – foi brindado com mandato popular, ou seja, representa um setor da sociedade. Há que reconhecer esse fato e a Constituição brasileira, que nos obriga a tanto.
Outro fato que me preocupa, caro Maurício, é sua carta-resposta desconhecer a situação em que estava São Paulo quando Marta Suplicy assumiu sua prefeitura. Preocupa-me ainda mais você desconhecer a imensa obra social dela e um dos melhores projetos para a Educação, os CEUs, desmontados pela gestão demo-tucana posterior.
Pior ainda é você criminalizar as doações de campanha a Haddad como se ele fosse uma exceção. Ora, as regras do jogo são essas. Como ele ou qualquer outro político farão campanha sem dinheiro? Melhor seria defender o financiamento exclusivamente público de campanhas, um projeto que o PT, em boa parte, defende.
Sim, Chico Alencar, Ivan Valente, Jean Wyllys e Randolfe Rodrigues são excelentes políticos. Votaria em qualquer um deles, mas há bons políticos em várias legendas. Isso só mostra que não se pode criminalizar partidos inteiros. Quando muito, pode-se divergir de suas linhas programáticas.
O discurso moralista e acusatório do PSOL ainda não pode ser levado a sério. Só no dia em que o partido administrar cidades e Estados é que poderá ser testado. O PSOL, como você bem mostrou em seu texto, ainda não administrou praticamente nada, de forma que não se sabe que resultado teria sua política de não fazer alianças.
E, claro, só quando o PSOL começar a governar mesmo é que saberemos se é realmente esse partido de anjos como se apresenta ou se a natureza humana, que sempre abriga exceções desonestas, pode se fazer sentir nessa honrada legenda.
O mote de sua resposta, Maurício, é o de que é possível mudar São Paulo sendo “coerente”. Preocupa-me o que você chama de “coerência”, que pode ser outro nome para fundamentalismo. É coerente querer governar alguma cidade, Estado ou o país sem alianças políticas, só colocando o povo para pressionar parlamentares nas galerias?
Você me disse que Giannazi respondeu que o PSOL faz, sim, alianças, mas com “limites e princípios”. Ora, isso é muito vago. Ele não me respondeu com quem governaria São Paulo. Sendo franco: enrolou. Faria aliança com o PT, com o PSDB, com o DEM, com o PMDB ou com o PSD? Pelo que o PSOL diz desses partidos, não faria.
Ora, como vou entregar o governo da minha cidade – que está um caos – a um partido que não terá sequer base de apoio legislativo para mudar qualquer coisa? Explique-me, de forma convincente, e levarei a sério a candidatura do partido a prefeito de São Paulo.
Dê-me o direito de não acreditar nessa candidatura, meu caro. Até porque, infelizmente boa parte dos Legislativos é composta por representantes de setores organizados e poderosos da sociedade, sobretudo de grupos econômicos, de forma que a maioria dos vereadores daria uma banana à pressão das galerias e agiria sob os interesses que a elegeram.
Política é negociação. Não se pode, simplesmente, desconhecer que aqueles políticos daquele determinado partido receberam um mandato de um setor da população para representá-lo. Há que respeitar esses mandatos, por mais que se discorde de terem sido concedidos. Isso se chama democracia. É ruim? Talvez, mas ainda não inventaram nada melhor.
Quero lhe garantir, Maurício, que não tenho qualquer vínculo com o PT, com sindicatos, com movimentos sociais de qualquer tipo – menos com o Movimento dos Sem Mídia, do qual sou fundador e presidente. Dessa maneira, meu intuito é só o de ajudar a eleger o melhor candidato para São Paulo.
Estive no Pinheirinho, estive na Cracolândia, vejo o higienismo que a prefeitura demo-tucana promove em São Paulo. A nossa cidade está indo para o buraco, Maurício. Temos que livrá-la dessa gente. Todavia, ficará mais difícil se o PSOL fizer, mais uma vez, o jogo da direita, ajudando-a a derrotar o único candidato capaz de derrotá-la: Fernando Haddad.
Saudações “ensolaradas” a você também, companheiro.
Eduardo Guimarães