Como vem sendo dito nesta página, o que impressiona é a velocidade alucinante da deterioração do golpe. Aos seis meses de vida, o dito “governo Temer” parece estar no fim melancólico de um longo mandato – acontece com os golpistas o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso em 2002.
Não existe a fúria “santa” que havia no fim do governo Dilma, mas uma condescendência compulsória contrabalançando a impossibilidade de esconder o festival de roubalheiras e a enxurrada de tropeços administrativos, que era o que acontecia quando FHC estava terminando seu segundo mandato.
Michel Temer e Marcelo Calero concederam entrevistas ao Fantástico no último domingo. Presidente e ex-ministro da Cultura, porém, mostraram-se com ânimos muito diferentes.
A expressão facial de Temer mostrou um presidente inseguro, abatido e assustado. Para responder à Globo, Temer se fez cercar dos presidentes do Legislativo, Renan Calheiros e Rodrigo Maia, na tentativa óbvia de dizer ao Judiciário e aos órgãos de controle (Polícia Federal, Ministério Público…) que dois dos Três Poderes estavam unidos.
Temer estava inseguro, temendo o que Calero poderia ter gravado de si. Não acreditou quando o ex-auxiliar disse que só gravou uma conversa protocolar entre ambos. Se conduziu uma conversa anódina, por que a gravou?
Quando deu a entrevista, Temer achou que tinha sido gravado na conversa presencial que teve com seu ex-auxiliar. E com certeza o desmentido de Calero de que tenha gravado o presidente nessa oportunidade não diminuiu o medo do chefe do Executivo de ter sido gravado não só pelo telefone, como diz seu ex-ministro, mas em outras oportunidades.
Talvez, várias…
Abaixo, a entrevista de Temer. Retomo em seguida.
Aos 4 minutos e 11 segundos do vídeo acima, Temer diz que teria sido melhor se Geddel tivesse saído antes e termina a frase de forma risível dizendo que Geddel acabou pedindo demissão devido a “diálogos” que teria tido com ele:
— E eu sei como conduzir esses diálogos de molde, muitas vezes, a gerar pedido de demissão
Captou, leitor? Temer tenta vender que Geddel não pediu demissão após seu chefe ter sido envolvido por Calero, que acusou o presidente da República de também ter pressionado o ministro da Cultura a atender o pleito ilegítimo de seu ex-secretário de Governo, mas, sim, porque o presidente teria habilidade para fazer com que seus auxiliares se demitam.
Temer tenta, nesse ponto da entrevista (4m11s), faturar em cima do crime de responsabilidade que parece ter cometido, tenta lucrar com o que fez de errado.
A vontade de inverter a situação foi tanta que Temer criou uma aberração institucional, a iniciativa ridícula de pedir ao Gabinete de Segurança Institucional que passe a gravar todas as reuniões públicas do presidente da República, como se conversas impróprias não pudessem ser feitas sem gravação nenhuma e fora da agenda oficial.
Foi uma bofetada no rosto dos brasileiros, pra falar a verdade.
Temer o esbofetearia mais uma vez, caro leitor, ao dizer que agora vai nomear um novo secretário de governo honesto, sob critérios honestos, mas sem explicar por que, antes, nomeou um conhecido corrupto para o cargo.
Marcelo Calero, porém, atuou com desenvoltura bem maior. Ao longo de sua entrevista demonstrou muita segurança e muita tranquilidade. No entanto, a tranquilidade exibida pode denotar mais do que parece.
Marcelo Calero, porém, atuou com desenvoltura bem maior. Ao longo de sua entrevista demonstrou muita segurança e muita tranquilidade. No entanto, a tranquilidade exibida pode denotar mais do que parece.
Em primeiro lugar, Calero nega que tenha gravado Temer presencialmente. Ele admitiu, no entanto, ter registrado outra conversa entre os dois, por telefone, mas alega que se tratou de um diálogo “burocrático” e “protocolar”, sobre seu pedido de demissão.
Calero acrescentou que, além de Temer, gravou outros ministros por “orientação de amigos da Polícia Federal” com objetivo de se “proteger e dar o mínimo de lastro probatório” ao próprio depoimento.
“Tive a preocupação inclusive de não induzir o presidente a entrar em qualquer tema para não criar prova contra si”, afirmou, em alusão a seu desligamento da pasta.
Calero contou que em um primeiro contato com Temer, após um jantar dia 11, o presidente teria apoiado sua decisão de não interferir na questão. No entanto, no dia seguinte, Temer o teria convocado com urgência ao Planalto e indicado que ele remetesse o caso para a Advocacia Geral da União, que resolveria a questão.
“Em menos de 24 horas todo aquele respaldo que me havia garantido ele me retira e me determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana como se diz no mundo jurídico, para que o caso fosse levado à AGU”, acusou Calero.
Ao “Fantástico”, Calero disse também que gravou outras autoridades, mas não revelou quais. Outro ministro que se envolveu na questão foi Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil.
Assista a entrevista
Ao fim da entrevista, aos 8 minutos e 20 segundos, a entrevistadora, Renata Lo Prete, trava um diálogo altamente elucidativo com Calero. Confira:
Renata Lo Prete – O senhor gravou alguma conversa sua com o então ministro Geddel?
Marcelo Calero – Não posso responder essa pergunta.
Lo Prete – O senhor gravou alguma conversa sua com o ministro Padilha?
Calero – Não posso responder essa pergunta.
Lo Prete – Por que o senhor não pode responder?
Calero – Há um entendimento de que isso poderia atrapalhar as investigações. Eu posso falar que houve as gravações, mas não posso falar os interlocutores [sic].
É óbvio que Calero está sendo orientado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público ou por ambos. Demonstrou saber detalhes das investigações e da gravidade do que disseram os que foram gravados.
Porém, o tom de Calero está alimentando especulações de que não será usada gravação presencial ou telefônica que ele fez de Temer, mas gravações que fez e não quer confirmar que fez e podem ter sido feitas pela Polícia Federal, com ordem judicial. Eis a razão para Temer estar tão nervoso e inseguro. O golpista-mor já pode estar sendo investigado por crimes comum e de responsabilidade.
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PS: na entrevista ao Fantástico, Temer disse que teria sido melhor se Geddel tivesse se demitido. Ora, se o presidente acha que era melhor não ter o ex-anão do orçamento no governo, seu dever era demiti-lo… Temer confessou que agiu contra o interesse público em prol de suas relações pessoais.