Josemaría Escrivá (falecido), fundador da seita, junto a
Geraldo Alckmin e ao assumido direitista raivoso,
Boris Casoy, dois féis seguidores, no Brasil.
Altamiro Borges (Miro), jornalista e escritor
O
Opus Dei (do latim,
Obra de Deus) foi fundado em outubro de 1928, na Espanha, pelo padre
Josemaría Escrivá. O jovem sacerdote de 26 anos diz ter recebido a “iluminação divina” durante a sua clausura num mosteiro de Madri. Preocupado com o avanço das esquerdas no país, este excêntrico religioso, visto pelos amigos de batina como um
“fanático e doente mental”, decidiu montar uma organização ultra-secreta para interferir nos rumos da Espanha. Segundo as suas palavras, ela seria “uma injeção intravenosa na corrente sanguínea da sociedade”, infiltrando-se em todos os poros de poder. Deveria reunir bispos e padres, mas, principalmente, membros laicos, que não usassem hábitos monásticos ou qualquer tipo de identificação. Reconhecida oficialmente pelo Vaticano em 1947, esta seita logo se tornou um contraponto ao avanço das idéias progressistas na Igreja. Em 1962, o
papa João 23convocou o
Concílio Vaticano II, que marca uma viragem na postura da Igreja, aproximando-a dos anseios populares. No seu fanatismo,
Escrivá não acatou a mudança. Criticou o fim da missa rezada em latim, com os padres de costas para os fiéis, e a abolição do
Index Librorum Prohibitorum, dogma obscurantista do século 16 que listava livros “perigosos” e proibia sua leitura pelos fiéis.
“Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo”, garantiu
Escrivá para alguns seguidores, segundo relato do jornalista
Emílio Corbiere no livro
“Opus Dei: El totalitarismo católico”.
O poder no Vaticano
Josemaría Escrivá faleceu em 1975. Mas o
Opus Dei se manteve e adquiriu maior projeção com a guinada direitista do
Vaticano a partir da nomeação do papa polonês
João Paulo II. Para o teólogo espanhol
Juan Acosta, “a relação entre
Karol Wojtyla e o
Opus Dei atingiu o seu êxito nos anos 80-90, com a irresistível acessão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde interveio ativamente no processo de reestruturação da
Igreja Católica sob o protagonismo do papa e a orientação do
cardeal alemão Ratzinger”. Em 1982, a
seita foi declarada “prelazia pessoal” – a única existente até hoje –, o que no
Direito Canônico significa que ela só presta contas ao papa, que só obedece ao prelado (cargo vitalício hoje ocupado por
dom Javier Echevarría) e que seus adeptos não se submetem aos bispos e dioceses, gozando de total autonomia. O ápice do
Opus Dei ocorreu em outubro de 2002, quando o seu fundador foi canonizado pelo papa numa cerimônia que reuniu 350 mil simpatizantes na
Praça São Pedro, no Vaticano. A meteórica canonização de
Josemaría Escrivá, que durou apenas dez anos, quando geralmente este processo demora décadas e até séculos, gerou fortes críticas de diferentes setores católicos. Muitos advertiram que o Opus Dei estava se tornando uma “igreja dentro da Igreja”. Lembraram um alerta do líder jesuíta
Vladimir Ledochowshy que, num memorando ao papa, denunciou a seita pelo “desejo secreto de dominar o mundo”. Apesar da reação, o papa
João Paulo II e seu principal teólogo,
Joseph Ratzinger , ex-chefe da repressora
Congregação para Doutrina da Fé e atual papa
Bento 16, não vacilaram em dar maiores poderes ao
Opus Dei. Vários estudos garantem que esta relação privilegiada decorreu de razões políticas e econômicas. No livro
“O mundo secreto do Opus Dei”, o jornalista canadense
Robert Hutchinsonafirma que esta organização acumula uma fortuna de
400 bilhões de dólares e que financiou o sindicato
Solidariedade, na Polônia, que teve papel central na débâcle do bloco soviético nos anos 90. O complô explicaria a sólida amizade com o papa, que era polonês e um visceral anticomunista. Já
Henrique Magalhães, numa excelente pesquisa na revista
A Nova Democracia, confirma o anticomunismo de
Wojtyla e relata que “fontes da Igreja Católica atribuem o poder da Obra a quitação da dívida do
Banco Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982”. O vínculo com os fascistas Além do rigoroso fundamentalismo religioso, o
Opus Dei sempre se alinhou aos setores mais direitistas e fascistas. Durante a
Guerra Civil Espanhola, deflagrada em 1936,
Escrivá deu ostensivo apoio ao general golpista
Francisco Franco contra o governo republicano legitimamente eleito. Temendo represálias, ele se asilou na embaixada de
Honduras, depois se internou num manicômio,
“fingindo-se de louco”, antes de fugir para a França. Só retornou à Espanha após a vitória dos golpistas. Desde então, firmou sólidos laços com o ditador sanguinário
Francisco Franco. “O
Opus Dei praticamente se fundiu ao Estado espanhol, ao qual forneceu inúmeros ministros e dirigentes de órgãos governamentais”, afirma
Henrique Magalhães. Há também fortes indícios de que
Josemaría Escrivá nutria simpatias por
Adolf Hitler e pelo
nazismo. De forma simulada, advogava as idéias racistas e defendia a violência. Na máxima
367 do livro
Caminho, ele afirma que seus fiéis
“são belos e inteligentes” e devem olhar aos demais como
“inferiores e animais”. Na máxima
643, ensina que a meta
“é ocupar cargos e ser um movimento de domínio mundial”. Na máxima
311, ele escancara:
“A guerra tem uma finalidade sobrenatural... Mas temos, ao final, de amá-la, como o religioso deve amar suas disciplinas”. Em 1992, um ex-membro do
Opus Dei revelou o que este havia lhe dito:
“Hitler foi maltratado pela opinião pública. Jamais teria matado
6 milhões de judeus. No máximo, foram
4 milhões”. Outra numerária,
Diane DiNicola, garantiu: “Escrivá, com toda certeza, era fascista”.
Escrivá até tentou negar estas relações. Mas, no seu processo de ascensão no Vaticano, ele contou com a ajuda de notórios nazistas. Como descreve a jornalista
Maria Amaral, num artigo à revista
Caros Amigos, “ao se mudar para
Roma, ele estimulou ainda mais as acusações de ser simpático aos regimes autoritários, já que as suas primeiras vitórias no sentido de estabelecer o
Opus Dei com estrutura eclesiástica capaz de abrigar leigos e ordenar sacerdotes se deram durante o pontificado do papa
Pio XII, por meio do cardeal
Eugenio Pacelli, responsável por controverso acordo da Igreja com Hitler”. Outro texto, assinado por um grupo de católicas peruanas, garante que a seita “recrutou adeptos para a organização fascista ‘Jovem Europa’, dirigida por militantes nazistas e com vínculos com o fascismo italiano e espanhol”. Pouco antes de morrer,
Josemaría Escrivárealizou uma “peregrinação” pela
América Latina. Ele sempre considerou o
continente fundamental para sua seita e para os negócios espanhóis. Na região, o
Opus Deiapoiou abertamente várias ditaduras. No
Chile, participou do regime terrorista de
Augusto Pinochet. O principal ideólogo do ditador,
Jaime Guzmá, era membro ativo da seita, assim como centenas de quadros civis e militares. Na
Argentina, numerários foram nomeados ministros da ditadura. No
Peru,a seita deu sustentação ao corrupto e autoritário
Alberto Fujimori. No
México, ajudou a eleger como presidente seu antigo aliado,
Miguel de La Madri, que extinguiu a secular separação entre o
Estado e a
Igreja Católica. Infiltração na mídia Para semear as suas idéias religiosas e políticas de forma camuflada, Escrivá logo percebeu a importância estratégica dos meios de comunicação. Ele mesmo gostava de dizer que
“temos de embrulhar o mundo em papel-jornal”. Para isso, contou com a ajuda da ditadura franquista para a construção da
Universidade de Navarra, que possuí um orçamento anual de
240 milhões de euros. Jornalistas do mundo inteiro são formados nos cursos de pós-graduação desta instituição. O
Opus Dei exerce hoje forte influência sobre a mídia. Um relatório confidencial entregue ao
Vaticano em
1979 pelo sucessor de Escrivá revelou que a influência da seita se estendia por “
479 universidades e escolas secundárias,
604 revistas ou jornais,
52 estações de rádio ou televisões,
38 agências de publicidade e
12produtores e distribuidoras de filmes”. Na
América Latina, a seita controla o jornal
El Observador (
Uruguai) e tem peso nos jornais
El Mercúrio (Chile),
La Nación (Argentina) e
O Estado de S.Paulo. Segundo várias denúncias, ela dirige a
Sociedade Interamericana de Imprensa, braço da direita na mídia hemisférica. No
Brasil, a
Universidade de Navarra é comandada por
Carlos Alberto di Franco, numerário e articulista do
Estadão, responsável pela
lavagem cerebral semanal de Geraldo Alckmin nas famosas
“palestras do Morumbi”. Segundo a revista
Época, seu “programa de capacitação de editores já formou mais de
200 cargos de chefia dos principais jornais do país”. O mesmo artigo confirma que “o jornalista
Carlos Alberto Di Franco circula com desenvoltura nas esferas de poder, especialmente na imprensa e no círculo íntimo do
Geraldo Alckmin”. O veterano jornalista
Alberto Dines, do
Observatório da Imprensa, há muito denuncia a sinistra relação do
Opus Dei com a mídia nacional. Num artigo intitulado
“Estranha conversão da Folha”, critica seu “visível crescimento na imprensa brasileira.
A Folha de S.Paulo parecia resistir à dominação, mas capitulou”. No mesmo artigo, garante que a seita “já tomou conta da
Associação Nacional de Jornais (ANJ)”, que reúne os principais monopólios da mídia do país. Para ele, a seita não visa a “salvação das almas desgarradas. É um projeto de poder, de dominação dos meios de comunicação. E um projeto desta natureza não é nem poderia ser democrático. A conversão da Folha é uma opção estratégica, política e ideológica”. A
“santa máfia” Durante seus longos anos de atuação nos bastidores do poder, o
Opus Dei constituiu uma enorme fortuna, usada para bancar seus projetos reacionários – inclusive seus planos eleitorais. Os recursos foram obtidos com a ajuda de ditadores e o uso de máquinas públicas. “
O Opus Dei se infiltrou e parasitou no aparato burocrático do Estado espanhol, ocupando postos-chaves. Constituiu um império econômico graças aos favores nas largas décadas da ditadura franquista, onde vários gabinetes ministeriáveis foram ocupados integralmente por seus membros, que ditaram leis para favorecer os interesses da seita e se envolveram em vários casos de corrupção, malversação e práticas imorais”, acusa um documento de católico do
Peru. A seita também acumulou riquezas através da doação obrigatória de heranças dos numerários e do dizimo dos supernumerários e simpatizantes infiltrados em governos e corporações empresariais. Com a ofensiva neoliberal dos anos 90, a privatização das estatais virou outra fonte de receitas. Poderosas multinacionais espanholas beneficiadas por este processo, como os
bancos Santandere
Bilbao Biscaia, a
Telefônica e empresa de petróleo
Repsol, tem no seu corpo gerencial adeptos do
Opus. Para católicos mais críticos, que rotulam a seita de “
santa máfia”, esta fortuna também deriva de negócios ilícitos. Conforme denuncia
Henrique Magalhães, “além da dimensão religiosa e política, o
Opus Dei tem uma terceira face: da sociedade secreta de cunho mafioso. Em seus estatutos secretos, redigidos em 1950 e expostos em 1986, a Obra determina que ‘os membros numerários e supernumerários saibam que devem observar sempre um prudente silêncio sobre os nomes dos outros associados e que não deverão revelar nunca a ninguém que eles próprios pertencem ao Opus Dei’.
Inimiga jurada da Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada, o que frequentemente serve para encobrir atos criminosos”. O jornalista
Emílio Corbiere cita os casos de fraude e remessa ilegal de divisas das empresas espanholas
Matesa e
Rumasa, em 1969, que financiaram a
Universidade de Navarra. Há também a suspeita do uso de bancos espanhóis na lavagem de dinheiro do narcotráfico e da máfia russa. O
Opus Dei esteve envolvido na falência fraudulenta do banco
Comercial (pertencente ao jornal
El Observador) e do
Crédito Provincial (Argentina). Neste país, os responsáveis pela privatização da petrolífera
YPF e das
Aerolineas Argentinas, compradas por grupos espanhóis, foram denunciados por escândalos de corrupção, mas foram absolvidos pela
Suprema Corte, dirigida por
Antonio Boggiano, outro membro da
Opus Dei. No ano retrasado, outro numerário do Opus Dei, o banqueiro
Gianmario Roveraro, esteve envolvido na quebra da
Parlamat. “
A Internacional Conservadora” O escritor estadunidense
Dan Brown, autor do best seller “
O Código da Vinci”, não vacila em acusar esta seita de ser um partido de fanáticos religiosos com ramificações pelo mundo. O Opus Dei teria cerca de
80 milhões de fiéis, muitos deles em cargos-chaves em governos, na mídia e em multinacionais.
Henrique Magalhães garante que a “
Obra é vanguarda das tendências mais conservadoras da
Igreja Católica”. Num livro feito sob encomenda pelo
Opus Dei, o vaticanista
John Allen confessa este poderio. Ele admite que a seita possui um patrimônio de US$
2,8 bilhões – incluindo uma luxuosa sede de US$
60 milhões em Manhattan – e que esta fortuna serve para manter as suas instituições de fachada, como a
Heights School, em
Washington, onde estudam os filhos dos congressistas do
Partido Republicano de George W.Bush. Numa reportagem que tenta limpar a barra do
Opus Dei, a própria revista
Superinteressante, da suspeita
Editora Abril, reconhece o enorme influência política desta seita. E conclui: “No Brasil, um dos políticos mais ligados à
Obra é o candidato a presidente
Geraldo Alckmin, que em seus tempos de governador de São Paulo costumava assistir a palestras sobre doutrina cristã ministradas por numerários e a se confessar com um padre do
Opus Dei.
Alckmin, porém, nega fazer parte da ordem”. Como se observa, o candidato segue à risca um dos principais ensinamentos do
fascista Josemaría Escrivá:
“Acostuma-se a dizer não”.