Vladimir Safatle, filósofo e professor da USP, publica hoje na Folha de S. Paulo um texto daqueles do tipo “seria cômico se não fosse trágico”.
Trata da longa dinastia tucana em São Paulo, ao qual chama de “Tucanistão”.
O mais avançado dos Estados brasileiros é, curiosamente, aquele onde há mais tempo nada muda, senão o membro da confraria bicuda.
E muda, aliás, muito pouco.
Montoro, Covas, Serra, Alckmin.
Safatle escreveu ontem, no máximo.
Não pegou a última tucanagem, a de se revelar um e-mail aumentando as medições de obra “para a campanha”, como escreve nm e-mail a diretora da construtora Tejofran.
Empresa que, aliás, nasceu de uma firma de limpeza de escritórios comprada em 1975 por Antonio Dias Felipe, o Português, amigo de Mario Covas e padrinho de seu filho Mario Covas Neto, o Zuzinha.
Hoje, ela divide contratos mililionários das obras de reformas de trens do Metrô paulista, ao lado da Siemens, da Alston , da Bombardier…
Dela, este Tijolaço já tratou aqui.
Agora, acompanhe Safatle em sua visita ao Tucanistão.
Tucanistão
“Bem-vindos ao Tucanistão, a terra da plena felicidade. Vocês acabam de desembarcar no aeroporto internacional que leva o nome do fundador de nossa dinastia, governador de nossa terra há 32 anos. Desde então, nossa amada dinastia está presente no coração de nosso povo de maneira praticamente ininterrupta.
Em nossos planos, haveria um Expresso Bandeirante que ligaria o aeroporto ao centro de nossa capital por trens rápidos. Ele não saiu do papel, mas isso não importa. Isso permitirá vocês passarem de carro lentamente pelo mais novo campus de nossa grande universidade, que leva o nome de nosso Segundo grande líder. No momento, ela está falida, com um deficit de 1 bilhão de reais produzido depois da passagem de um interventor nomeado pelo nosso Quarto grande líder. O próprio campus está sem aula por ter sido construído em terreno contaminado, mas tudo isso também não importa.
Depois do campus, vocês conhecerão o caudaloso rio Tietê. Há décadas ele está sendo despoluído. Grandes especialistas internacionais garantem que seu nível de poluição está caindo, mas ainda demorará algumas décadas para que os incautos sejam capazes de enxergar tal maravilha. Por falar em água, estamos passando atualmente por um “estresse hídrico de proporções não negligenciáveis”, mas não se preocupem. Como disse uma rainha francesa: quem não tem água que tome suco.
Se vocês olharem mais à frente verão nosso maravilhoso metrô cruzando velozmente nossa marginal. Não se deixem impressionar pelo fato de ele ser menor do que o de cidades como Santiago, Buenos Aires ou Cidade do México. Nós amamos nosso metrô do jeito que ele é, mesmo que inimigos tenham espalhado a informação de que investigações na Suíça e na França descobriram esquemas milionários de desvio e superfaturamento. Todos sabem que nossa dinastia é incorruptível. Se algo aconteceu, nosso Terceiro-Quinto grande líder não sabia de nada.
Não se espantem também com o tamanho dos muros e aparatos de segurança. Nossa polícia, que mata mais do que toda a polícia norte-americana junta, um dia conseguirá dar conta de todos esses bandidos. Nosso Terceiro-Quinto grande líder está pessoalmente empenhado nisso.
Alguns podem se impressionar com o fato de tanto fracasso não abalar nosso amor por nossa dinastia. É que eles ainda acham que devemos avaliar nosso líderes por aquilo que eles são capazes de fazer, mas nós descobrimos o valor do amor incondicional. Nós os amamos porque… nós os amamos. Por isso, nossa terra é o lugar da pura felicidade. O Tucanistão é a locomotiva do progresso imaginário, alimentada por choques tortos de gestão.”