Por sugestão da amiga navegante Elizabete, o Conversa Afiada republica imperdível artigo do Dario Pignotti,na Carta Maior:
FHC, chanceler ad hoc de Marina
Como
em 1990, quando tratou de ser ministro das Relações Exteriores de
Collor, o dirigente tucano viajou aos EUA na condição de chanceler ad
hoc de Marina
Dario Pignotti
As reincidências de Fernando
Henrique Cardoso. Do mesmo modo como fez em 1990, quando procurou ser
ministro de Relações Exteriores de Fernando Collor de Mello, agora o
dirigente tucano volta a apostar em uma personagem outsider, uma
paladina da não política como é Marina Silva. No caráter de chanceler ad
hoc da candidata, Cardoso viajou aos Estados Unidos. FHC fez
proselitismo “marineiro” ao falar diante de banqueiros em Nova York e em
uma entrevista dada a um jornal ultradireitista de Miami.
Desde
agosto, quando uma tragédia matou Eduardo Campos dando vida à
candidatura de Marina e deixando Aécio Neves quase de fora da disputa
(salvo algum giro imprevusto), FHC deu asas às suas fantasias de
recuperar influência e poder.
Com sua vaidade ferida (a qual é
inversamente proporcional à sua popularidade), FHC foi deixado de lado, e
até mesmo escondido, pelos candidatos presidenciais tucanos desde 2003
(Serra 2002 e 2010, Alckmin 2005), inclusive pelo próprio Aécio, que o
mostra pouco em sua campanha, apesar de reivindicar o legado dos dois
governos de FHC.
Paradoxalmente, foi Marina, no contexto de seu
alinhamento com as elites financeiras e midiática, quem proferiu
palavras favoráveis a FHC e prometeu consultá-lo se fosse a vencedora
das eleições de outubro.
Gostando dos elogios recebidos de
Marina, o pragmático Fernando Henrique se desentendeu com a campanha de
Aécio para preconizar o voto útil da candidata ecológica liberal e
promovê-la no exterior. E foi na condição de fiador de Marina que ele
viajou a Nova York para assegurar, diante de uma plateia de investidores
que, com ela, defensora da independência do Banco Central e do ajuste
ortodoxo, poderão fazer bons negócios.
O café e os croissant do
café da manhã de Nova York foram comprados com dinheiro do JP Morgan,
banco organizador da reunião em que Cardoso reconheceu a vitória de
Marina que, apesar de desejada, não é certa, pois Dilma é uma candidata
temível.
Primeiro parêntese: anos atrás, o JP Morgan contratou a
filha de José Serra e atualmente continua ligado, segundo informações da
imprensa especializada, à Gavea Investiments, onde atua o ex-presidente
do Banco Central Armínio Fraga, tucano que, como FHC, anunciou sua
disposição para pular no barco de Marina quando o navio de Aécio acabar
de afundar. Nesta semana, FHC e Fraga tiveram um encontro com
investidores brasileiros em São Paulo, expressando seu apoio a Aécio ma
non troppo.
Segundo parêntese: JP Morgan pagou apenas os
croissant e o café consumidos durante o café da manhã de FHC e dos
investidores em Nova York? Quem pagou o hotel e a passagem aérea? Se foi
o banco de investimento que emite a classificação de risco sobre o
Brasil, seria completamente legal, é preciso reconhecer. Mas convenhamos
que parece pouco ético que um banco financie uma viagem pouco menos
proselitista a favor de Marina, que até hoje não revelou quem pagou suas
palestras de um milhão de reais.
Velha diplomacia
Os
elogios de FHC para Marina, sem partido e defensora de uma nova
política reservada apenas para “homens novos”, lembram os primeiros
meses de 1990, quando o sociólogo tucano agia nos bastidores a favor de
outro político outsider, Fernando Collor de Mello.
FHC não apenas
aspirava ser o chanceler do “caçador de marajás”, como também era uma
espécie de conselheiro informal dele. Os dois tiveram diversas reuniões
particulares, conta como a jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni na
biografia “Fernando Henrique Cardoso. O Brasil do possível”, publicada
em 1997 pela editora Nova Fronteira.
Voltemos ao presente. O
périplo norte-americano de FHC terminou com uma entrevista ao jornalista
Andres Oppenheimer, do jornal El Nuevo Herald, de Miami.
Essa
publicação é conhecida como um dos baluartes da direita fundamentalista
norte-americana, cujas páginas apoiam as campanhas contra o governo
cubano, a desestabilização na Venezuela, assim como os movimentos
conspiratórios contra os governos da Bolívia e do Equador.
Nas
declarações de FHC ao jornal da Flórida, há momentos em que surgem ecos
de um discurso anticomunista clássico, combinados com a exaltação a
Marina, uma predestinada escolhida pelo destino para reinstalar a velha
diplomacia aplicada entre 1995 e 2003. “A visão prevalecente (no governo
Dilma) é antiquada, terceiro-mundista, dos anos sessenta ou setenta,
acredito que Marina Silva não tenha essa mesma visão, tão antiquada, ela
é mais aberta no que diz respeito a questões externas”, afirmou
Cardoso.
“Existe uma situação de quase cumplicidade do governo do
Brasil com os desatinos da Argentina”, cujas autoridades se opõem à
assinatura de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União
Europeia, queixou-se.
“A vitória da oposição poderia significar
uma espécie de ruptura na atual política externa do Brasil”, ponderou o
último presidente brasileiro que viajou a Washington no marco de uma
visita de Estado, tendo como anfitrião seu amigo democrata Bill Clinton.
Em
2013, Dilma Rousseff recebeu um convite de Barack Obama para viajar com
o mesmo status – visita de Estado – mas ela rejeitou em repúdio à
espionagem contra seu gabinete e escritórios da Petrobras perpetrada
pela agência NSA, resultando em um virtual congelamento das relações
bilaterais, que Fernando Henrique acredita que melhorarão se Marina
vencer.
“Há uma paralisia na política externa… [porque] o coração
de muitos funcionários [de Rousseff] é, para dizer em uma palavra
simples, ‘bolivariano’”, defendeu Cardoso, bem relacionado não apenas
com o Partido Democrata como também com ex-funcionários republicanos
como Henry Kissinger, a quem concedeu uma alta condecoração diplomática
em 2002, mas a cerimônia não foi realizada no Brasil diante de uma
ameaça de protestos por parte de organismos humanitários.
Historicamente
dedicado às posições extremistas dos republicanos, o jornal El Nuevo
Herald de Miami, assim como seu colunista Andrés Oppenheimer, coincidem
em tudo com FHC, a quem se referem como “grande estadista” que
modernizou o Brasil e o integrou ao mundo.
Oppenheimer, uma das
principais estrelas do jornal, opinou que em razão da pouca
probabilidade de Aécio conseguir vencer nas urnas, Marina merece ser
apoiada em sua condição de alternativa real diante de uma Dilma
“intervencionista” no âmbito econômico e hostil a Washington no
diplomático. Há semanas Oppenheimer questiona Dilma e faz votos de uma
vitória de oposição em seus artigos no Herald e em seu programa
dominical transmitido pela rede de televisão CNN.
“Acredito que
isto [vitória de Marina] poderia ajudar o Brasil a voltar ao ciclo do
crescimento e poderia mudar o rumo econômico de toda a região”, disse
esperançoso o jornalista, diante da hipótese plausível de uma vitória da
dirigente ambientalista.
Com tudo isso, vale lembrar que os
presságios de Oppenheimer às vezes não passam de mera propaganda
ideológica, e mais de uma vez foram desmentidos pelos fatos.
Há
21 anos, o jornalista publicou, após meses de investigação e dezenas de
entrevistas, um livro pretensioso, muito anunciado, com o título “La
Hora Final de Castro”, cujo subtítulo dizia “La historia secreta detrás
de la inminente caída del comunismo en Cuba” (A história secreta por
trás da iminente queda do comunismo em Cuba). Como se vê, os presságios
da direita são infalíveis.
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