“É uma Comissão da Verdade no País da Mentira”
A ligação estava ruim, mas pude perceber o tom quase choroso na voz da pessoa para a qual liguei tão logo terminei de assistir, na edição do Jornal Nacional de segunda-feira (2.9), reportagem sobre o editorial de O Globo publicado no sábado (31.8) que reconheceu que o jornal “errou” ao dar “apoio editorial” ao golpe de 1964.
Buscava uma fonte que me pudesse explicar o repentino surto de honestidade histórica das Organizações Globo, ainda que a explicação que o seu jornal impresso ofereceu e que o seu telejornal reproduziu tenha sido no sentido de que nenhum fato recente foi responsável pelo fenômeno, que teria decorrido de inauguração de site cuja a proposta é oferecer a versão daquele grupo empresarial para as diversas acusações que vem sofrendo através dos anos.
No fim de semana, surgiram especulações sobre aquele fenômeno de honestidade de uma empresa que se notabilizou justamente por adulterar ou omitir fatos que não lhe interessava que viessem a público.
Uma das teorias versa sobre a nova postura da Globo decorrer de preocupação com as manifestações de protesto das quais tem sido alvo. De fato, não é bom para uma empresa que depende da própria imagem que multidões saiam pelas ruas de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro gritando palavras de ordem contra si e empreendendo formas menos ortodoxas que se pode conhecer nos vídeos abaixo.
Tais protestos vêm se tornando recorrentes nas duas pontas do eixo São Paulo-Rio e a explicação que a Globo achou que deveria dar para estar fazendo mea-culpa pela sua postura em relação à ditadura só faz reforçar tal premissa devido ao fato de que site com suas versões para acusações ou citando supostos erros já existe há um bom tempo, apesar de ter sido reformulado e reinaugurado.
Porém, havia uma outra teoria na praça. A Globo estaria reconhecendo que errou ao apoiar a ditadura por estar preocupada com os trabalhos da Comissão da Verdade, pois teria medo de que ao fim daqueles trabalhos seu relatório final desmascarasse um tema que sempre tentou ocultar.
Em busca da melhor teoria para o mea-culpa global ter ido parar até no JN, ligo para alguém em condições de dizer se na Comissão da Verdade estaria em curso algum trabalho no sentido de contar – e essa é a função daquela Comissão – como foi a atuação dos grupos de mídia na formulação do Golpe de 1964 e na sustentação da ditadura que desencadeou.
Foi uma surpresa, portanto, que após apresentar a minha questão ao experimentado e bem-informado interlocutor ele tenha adotado tom que qualifiquei como “choroso” no início do texto. Esperava uma resposta positiva para a tese de que os trabalhos da Comissão da Verdade poderiam estar por trás do surto de honestidade histórica da Globo, mas foi o contrário.
O que descobri não foi nem um jato de água fria, mas uma verdadeira cachoeira. Meu interlocutor riu, com amargura, da hipótese que lhe apresentei. Minha proposição seria “impossível” porque a Globo não correria o menor risco de ser incomodada…
A Globo, segundo meu interlocutor, foi mais realista do que o rei. Teve uma coragem que a Comissão Nacional da Verdade, a seguir no rumo atual, não teria e provavelmente não terá nem mesmo com a Globo facilitando tanto ao confessar não só que apoiou a ditadura, mas que errou ao fazê-lo.
E não serão apenas os meios de comunicação partícipes do golpe de 64 a ser poupados de constrangimentos por ação da Comissão da Verdade. Há outros setores que ela estaria proibida de investigar, como grandes grupos empresariais, a embaixada norte-americana e o alto comando das Forças Armadas. E o que é pior: os “vetos” teriam partido “de cima”.
O interlocutor, ex-preso político e com outras relevantes qualificações que não serão reveladas por sua exigência, não escondeu o sofrimento diante do cerceamento da Comissão da Verdade. Sua frase textual: “É uma Comissão da Verdade no país da mentira; os jogos de interesse mantêm e manterão muitas verdades ocultas”.
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