Em carta publicada no blog do jornalista Marcelo Auler, o
ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão responde ao procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, que atacou os críticos da Lava Jato durante
discurso na posse da ministra Cármen Lúcia à presidência do STF; "Visto a
carapuça, Doutor Rodrigo Janot", escreve Aragão, lembrando de opiniões
que os dois compartilhavam sobre o Ministério Público, e inclusive a de
que tinham "consciência da inocência de José Genoino", contra quem Janot
pediu a prisão logo no primeiro mês no cargo; Aragão faz duras críticas
à condução da Operação Lava Jato e diz, em referência ao Ministério
Público: "Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua liderança,
surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso custe caro
ao Brasil e aos brasileiros"; Aragão diz ainda que Janot se calou sobre o
golpe e questiona por que demorou para afastar Cunha
Sobre a honestidade de quem critica a Lava Jato
Por Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, via Blog do Marcelo Auler
“Praecepta iuris sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” (Ulpiano)
“Os preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu.” (Ulpiano)
“Disse o Senhor Procurador-Geral da República por ocasião da posse da
nova presidente do STF, Ministra Carmen Lúcia, que se tem “
observado
diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de
investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o
trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato”.
Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe
respondo publicamente, por ser esse o único meio que me resta para
defender a honestidade de meu trabalho, posta em dúvida, também
publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais
alcançaria o direito de resposta.
O Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente crítico da forma de
agir estrambólica dos agentes do Estado, perceptível, em maior grau,
desde a Ação Penal 470, sob a batuta
freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.
Aliás, antes de ser procurador-geral, o Senhor compartilhava comigo,
em várias conversas pessoais, minha crítica, dirigida, até mesmo, ao
Procurador-Geral da República de então, Doutor Gurgel. Lembro-me bem de
suas opiniões sobre a falta de noção de oportunidade de Sua Excelência,
quando denunciou o Senador Renan Calheiros em plena campanha à
presidência do Senado.
Lembro-me, também, de nossa inconformação solidária contra as injustiças perpetradas na Ação Penal 470 contra NOSSO (grifo do original) amigo José Genoíno.
“Não foi uma só vez que o Senhor contou que seus antecessores sabiam
da inocência de Genoíno, mas não o retiraram da ação penal porque
colocaria em risco o castelo teórico do “Mensalão”, como empreitada de
uma quadrilha, da qual esse nosso amigo tinha que fazer parte, para
completar o número”.
Por sinal, conheci José Genoíno em seu apartamento, na Asa Sul,
quando o Senhor e eu dirigíamos em parceria a Escola Superior do
Ministério Público da União. Àquela ocasião, já era investigado, senão
denunciado, por Doutor Antônio Fernando.
Admirei a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não
se deixar intimidar pelos arroubos midiáticos e jurisdicionais vindas
do Excelso Sodalício. Com José Genoíno travamos interessantes debates
sobre o futuro do País, sobre a necessidade de construção de um
pensamento estratégico com a parceria do ministério público.
Tornou-se, esse político, então, mais do que um parceiro, um amigo,
digno de ser recebido reiteradamente em seu lar, para se deliciar com
sua arte culinária. De minha parte, como não sou tão bom cozinheiro
quanto o Senhor, preferia encontrar, com frequência, Genoíno, com muito
gosto e admiração pela pessoa simples e reta que se me revelava cada vez
mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações, onde ele se hospedava.
Era nosso point.
Cá para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor jamais poderia se
surpreender com meu modo de pensar e de agir, para chamá-lo de
desonesto. O Senhor me conhece há alguns anos e até me confere o irônico
apelido de “Arengão”, por saber que não fujo ao conflito quando
pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse pressentimento de injustiça
com o Senhor, já quando era procurador-geral e eu seu vice, no Tribunal
Superior Eleitoral.
Compartilhei meus receios sobre os desastrosos efeitos da Lava Jato
sobre a economia do País e sobre a destruição inevitável de setores
estratégicos que detinham insubstituível ativo tecnológico para o
desenvolvimento do Brasil. Da última vez que o abordei sobre esse
assunto, em sua casa, o Senhor desqualificou qualquer esforço para
salvar a indústria da construção civil, sugerindo-me que não deveria me
meter nisso, porque a Lava Jato era “muito maior” do que nós.
Mas continuemos no flash-back.
Tinha-o como um amigo, companheiro, camarada. Amigo não trai, amigo é
crítico sem machucar, amigo é solidário e sempre tem um ouvido para as
angústias do outro.
Lutamos juntos, em 2009, para que Lula indicasse Wagner Gonçalves
procurador-geral, cada um com seus meios. Os meus eram os contatos
sólidos que tinha no governo pelo meu modo de pensar, muito próximo ao
projeto nacional que se desenvolvia e que fui conhecendo em profundidade
quando coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, que
cuidava da defesa do patrimônio público.
Ficamos frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados, decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.
Em 2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.
Na verdade, sabíamos que se tratava apenas de um laboratório de
ensaio, pois, com o clamor público induzido pelos arroubos da mídia e os
chiliques televisivos do relator da Ação Penal 470, poucas seriam as
chances de, agora Dilma, deixar de indicar o Doutor Gurgel, candidato de
Antônio Fernando, ao cargo de procurador-geral.
Ainda assim, levei a missão a sério. Fui atrás de meus contatos no
Planalto, defendi seu nome com todo meu ardor e consegui, até, convencer
alguns, mas não suficientes para virar o jogo.
Mas, vamos em frente.
Em 2013, quando o
Senhor se encontrava meio que no ostracismo funcional porque ousara
concorrer com o Doutor Gurgel, disse-me que voltaria a concorrer para
PGR e, desta vez, para valer.
Era, eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito cuidado, me meti na
empreitada. Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, meu
amigo-irmão há quase trinta anos, e pedi seu apoio a sua causa.
Procurei conhecidos do PT em São Paulo, conversei com ministros do
STF com quem tinha contatos pessoais. Enquanto isso, o Senhor foi
fazendo sua campanha Brasil afora, contando com o apoio de um grupo de
procuradores e procuradoras que, diga-se de passagem, na disputa com
Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.
Incluía, até mesmo, o pai da importação
xinguelingue ( Gíria
paulista: produto barato que vem da China, geralmente de baixíssima
qualidade) da teoria do domínio do fato, elaborado por Claus Roxin no
seu original, mas completamente deturpada na Pindorama, para se
transmutar em teoria de responsabilidade penal objetiva.
Achava essa mistura de apoiadores um tanto estranha, pois eu, que
fazia o trabalho de viabilizar externamente seu nome, nada tinha em
comum com essa turma em termos de visão sobre o ministério público.
Como o Senhor sabe, no início de 2012, publiquei, numa obra em “
homenagem” ao
então Vice-Presidente da República, Michel Temer, um artigo
extremamente polêmico sobre as mutações disfuncionais por que o
ministério público vinha passando.
Esse artigo, reproduzido no
Congresso em Foco, com o título
“Ministério Público na Encruzilhada: Parceiro entre Sociedade e Estado
ou Adversário implacável da Governabilidade?”, quando tornado público,
foi alvo de síncopes corporativas na rede de discussão @Membros.
Faltaram querer me linchar, porque nossa casa não é democrática. Ela se rege por um princípio de
omertà muito próprio das sociedades secretas. Mas não me deixei intimidar.
Depois, ainda em 2013, publiquei outro artigo, em crítica feroz ao movimento corporativo-rueiro contra a PEC 37, também no
Congresso em Foco, com o título “Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa dos movimentos de rua no Brasil”.
(N.R. A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de 2013, determinava
que o poder de investigação criminal seria exclusivo das polícias
federal e civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos e,
sobretudo, do Ministério Público (MP).
Sua turma de
apoio me qualificou de insano, por escrever isso em plena campanha
eleitoral do Senhor. Só que se esqueceram que meu compromisso nunca foi
com eles e com o esforço corporativo de indicar o Procurador-Geral da
República por lista tríplice.Sempre achei esse método de escolha do
chefe da instituição um grande equívoco dos governos Lula e Dilma.
Meu compromisso era com sua indicação para o cargo, porque acreditava
na sua liderança na casa, para mudar a cultura do risco exibicionista
de muitos colegas, que afetava enormemente a qualidade de governança do
País.
No seu caso, pensava, a coincidência de poder ser o mais votado pela
corporação e de ter a qualidade da sensibilidade para com a política
extra-institucional, era conveniente, até porque a seu lado, poderia
colaborar para manter um ambiente de parceria com o governo e os atores
políticos.
Não foi por
outro motivo que, quando me deu a opção, preferi ocupar a
Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a Vice-Procuradoria-Geral da
República que, a meu ver, tinha que ser destinada à Doutora Ela Wiecko
Volkmer de Castilho, por deter, também, expressiva liderança na casa e
contar com boa articulação com o movimento das mulheres. Este foi um
conselho meu que o Senhor prontamente atendeu, ainda antes de ser
escolhido.
Naqueles dias, a escolha da Presidenta da República para o cargo de
procurador-geral estava entre o Senhor e a Doutora Ela, pendendo mais
para a segunda, por ser mulher e ter tido contato pessoal com a
Presidenta, que a admirava e continua admirando muito.
Ademais, Doutora Ela contava com o apoio do Advogado-Geral da União,
Doutor Luís Inácio Adams. Brigando pelo Senhor estávamos nós, atuando
sobre o então Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e o amigo Luiz
Carlos Sigmaringa Seixas.
Quando ouvimos
boatos de que a mensagem ao Senado, com a indicação da Doutora Ela,
estava já na Casa Civil para ser assinada, imediatamente agi, procurando
o Ministro Ricardo Lewandowski, que, após recebê-lo, contatou a
Presidenta para recomendar seu nome.
No dia em que o Senhor foi chamado para conversar com a Presidenta,
fui consultado pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União,
pedindo que confirmasse, ou não, que seu nome era o melhor. Confirmei,
em ambos os contatos telefônicos.
Na verdade, para se tornar Procurador-Geral da República, o Senhor
teve que fazer alianças contraditórias, já que não aceitaria ser nomeado
fora do método de escolha corporativista.
Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.
Da primeira precisou de suporte para receber seus estrondosos 800 e
tantos votos e, de mim, para se viabilizar num mundo em que o Senhor era
um estranho. Diante do meu receio de que essa química poderia não
funcionar, o Senhor me acalmou, dizendo que nós nos consultaríamos em
tudo, inclusive no que se tinha a fazer na execução do julgado da Ação
Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes a transitar.
O dia de sua posse foi, para mim, um momento de vitória. Não uma
vitória pessoal, mas uma vitória do Estado Democrático de Direito que,
agora, teria um chefe do ministério público enérgico e conhecedor de
todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o colega no MPF que
melhor conhecia a política interna, não só pelos cargos que ocupara, mas
sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de conversar com todos,
sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes até demais.
Seu déficit em conhecimento do ambiente externo seria suprido com o
exercício do cargo e poderia, eu, se chamado, auxiliá-lo, assim como
Wagner Gonçalves ou Claudio Fonteles.
Meu susto se deu já no primeiro mês de seu exercício como
procurador-geral. Pediu, sem qualquer explicação ou conversa prévia com o
parceiro de que tanto precisou para chegar lá, a prisão de José
Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter estado com o Senhor como
amigo
in pectore.
Eu não tenho
medo de assumir que participei desses contatos. Sempre afirmei
publicamente a extrema injustiça do processo do “Mensalão” no que toca
aos atores políticos do PT. Sempre deixei claro para o Senhor e para o
Ministro Joaquim Barbosa que não aceitava esse método de exposição de
investigados e réus e da adoção de uma transmutação jabuticaba da teoria
do domínio do fato.
Defendi José Genoíno sempre, porque, para mim, não tem essa de abrir
seu coração (e no seu caso, a sua casa) a um amigo e depois tratá-lo
como um fora da lei, sabendo-o inocente.
Tentei superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.
Acaso achasse necessário fazê-lo, deveria ter buscado convencer as
pessoas às quais, antes, expressou posição oposta. E, depois, como José
Genoino foi reiteradamente comensal em sua casa, nada custava, em último
caso, dar-se por suspeito e transferir a tarefa do pedido a outro
colega menos vinculado afetivamente, não acha?
Como nosso projeto para o País era maior do que minha dor pela
injustiça, busquei assimilar a punhalada e seguir em frente, sabendo
que, para terceiros, o Senhor se referia a mim como pessoa que não podia
ser envolvida nesse caso, por não ter isenção.
E não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a condução da Ação Penal 470, para mim viciada
ab ovo, e
nunca sonhei com seu cargo. Sempre fui de uma lealdade canina para com o
Senhor e insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude foi por
imposição das circunstâncias. Uma situação de “
duress”, como diriam os juristas anglo-saxônicos.
Mas chegou o ano 2014 e, com ele, a operação Lava Jato e a campanha
eleitoral. Dois enormes desafios. Enquanto, por lealdade e subordinação,
nenhuma posição processual relevante era deixada de lhe ser comunicada
no âmbito do ministério público eleitoral, no que diz respeito à Lava
Jato nada me diziam, nem era consultado.
O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe de gabinete, Eduardo
Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por isso, chamado
carinhosamente de “Posto Ipiranga”. Era seu direito e, também por isso,
jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse das conversas
ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que era estratégico para a casa.
Passei a perceber, aos poucos, que minha distância, sediado que
estava fora do prédio, no Tribunal Superior Eleitoral, era conveniente
para o Senhor e para seu grupo que tomava todas as decisões no tocante à
guerra política que se avizinhava.
Não quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma excelente equipe no TSE.
Fazia um time de primeira com os colegas Luiz Carlos Santos Gonçalves,
João Heliofar, Ana Paula Mantovani Siqueira e Ângelo Goulart e o apoio
inestimável de Roberto Alcântara, como chefe de gabinete. Não faltavam
problemas a serem resolvidos numa das campanhas mais agressivas da
história política do Brasil. Entendi que meu papel era garantir que
ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com ajuda do ministério
público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que minha atuação seria de
intervenção mínima, afim de garantir o princípio da
par conditio candidatorum.
Quando alguma posição a ser tomada era
controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe pedi reiteradamente que
tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em Brasília o tempo
todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha chegasse
ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são claras.
Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.
Diferentemente do que o Senhor me afirmou, nunca tive briga pessoal
com o então vice-presidente do TSE.
Minha postura de rejeição de
atitudes que não dignificavam a magistratura era institucional.
E, agora, que Sua Excelência vem publicamente admoestá-lo na condução
das investigações da Lava Jato, imagino, suas duras reações na mídia
também não revelam um conflito pessoal, mas, sim, institucional. Estou
certo? Portanto, nisso estamos no mesmo barco, ainda que por razões
diferentes.
Passada a eleição, abrindo-se o “terceiro turno”, com o processo de
prestação de contas da Presidenta Dilma Rousseff que não queria e
continua não querendo transitar em julgado apesar de aprovado à
unanimidade pelo TSE e com as ações de investigação judicial e de
impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB, comecei, pela
primeira vez, a sentir falta de apoio.
Debitava essa circunstância, contudo, à crise da Lava Jato que o
Senhor tinha que dominar. As vezes que fui chamado a assinar documentos
dessas investigações, em sua ausência, o fiz quase cegamente.
Lembrava-me da frase do querido Ministro Marco Aurélio de Mello, “cauda
não abana cachorro”.
Só não aceitei assinar o parecer do habeas corpus impetrado em favor
de Marcelo Odebrecht com as terríveis adjetivações da redação de sua
equipe. E o avisei disso. Não tolero adjetivações de qualquer espécie na
atuação ministerial contra pessoas sujeitas à jurisdição penal.
Não me acho mais santo do que ninguém para jogar pedra em quem quer
que seja. Meu trabalho persecutório se resume à subsunção de fatos à
hipótese legal e não à desqualificação de Fulano ou Beltrano, que estão
passando por uma provação do destino pelo qual não tive que passar e,
por conseguinte, não estou em condições de julgar espiritualmente.
Faço um esforço de me colocar mentalmente no lugar deles, para tentar
entender melhor sua conduta e especular sobre como eu teria agido.
Talvez nem sempre mais virtuosamente e algumas vezes, quiçá, mais
viciadamente.
Investigados e réus não são troféus a serem expostos e não são
“meliantes” a serem conduzidos pelas ruas da vila “de baraço e pregão” (
apud Livro V das Ordenações Filipinas).
São cidadãos, com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar os
limites do permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.
Fui
surpreendido, em março deste ano, com o honroso convite da senhora
Presidenta democraticamente eleita pelos brasileiros, Dilma Vana
Rousseff, para ocupar o cargo de Ministro de Estado da Justiça.
Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até recomendou à Doutora
Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás, não colocou nenhum
esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os colegas que
quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos) que vieram
tiveram que se misturar à multidão.
A esta altura, nosso contato já era parco e não tinha porque fazer
“mimimi” para exigir mais sua atenção. Já estava sentindo que nenhum de
nossos compromissos anteriores a sua posse como procurador-geral estavam
mais valendo.
O Senhor estava só monologando com sua equipe de inquisidores
ministeriais ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo Rodrigo Janot,
porque não mais o procurei como ministro de forma rotineira. Estive com o
Senhor duas vezes apenas, para tratar de assuntos de interesse
interinstitucional.
E quando voltei
ao Ministério Público Federal, Doutor Rodrigo Janot, não quis mais fazer
parte de sua equipe, seja atuando no STF, seja como coordenador de
Câmara, como me convidou. Prontamente rejeitei esses convites, porque
não tenho afinidade nenhuma com o que está fazendo à frente da Lava Jato
e mesmo dentro da instituição, beneficiando um grupo de colaboradores
em detrimento da grande maioria de colegas e rezando pela cartilha
corporativista ao garantir a universalidade do auxílio moradia concedida
por decisão liminar precária.
Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com
risco pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras
contra métodos de extração de informação utilizados, contra vazamentos
ilegais de informações e gravações, principalmente em momentos
extremamente sensíveis para a sobrevida do governo do qual eu fazia
parte, contra o abuso da coerção processual pelo juiz Sérgio Moro,
contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o populismo da
campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição, propostas
por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem
qualquer necessidade de forma, em “iniciativa popular”.
Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua liderança, surfando na
crise para adquirir musculatura, mesmo que isso custe caro ao Brasil e
aos brasileiros.
Vamos falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.
A palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.
O Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à atuação do MPF.
Nem tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada quando se inicia o último ano de seu mandato.
Mas depois de tudo que lhe disse aqui para refrescar a memória, o
Senhor pode até me acusar de sincericídio, mas não mais, pois a
honestidade (honestitas), que vem da raiz romana honor, honoris, esta,
meu pai, do Sertão do Pajeú, me ensinou a ter desde pequeno. Nunca me
omiti e não me omitirei quando minha cidadania exige ação.
Procuro viver com honra e, por isto, honestamente, educando seis
filhos a comer em pratos Duralex, usando talheres Tramontina e bebendo
em copo de requeijão, para serem brasileiros honrados, dando valor à
vida simples.
Diferentemente do Senhor, não fiquei calado diante das diatribes
políticas do Senhor Eduardo Cunha e de seus ex-asseclas, que assaltaram a
democracia, expropriando o voto de 54 milhões de brasileiros,
pisoteando-os com seus sapatinhos de couro alemão importado. Não fui eu
que assisti uma Presidenta inocente ser enxovalhada publicamente como
criminosa, não porque cometeu qualquer crime, mas pelo que representa de
avanço social e, também, por ser mulher.
O Senhor ficou silente, apesar de tudo que conversamos antes de ser
chamado a ser PGR. E ficou aceitando a pilha da turma que incendiava o
País com uma investigação de coleta de prova de controvertido valor.
Eu sou o que sempre fui, desde menino que militou no Movimento
Revolucionário 8 de Outubro. E o Senhor? Se o Senhor era o que está
sendo hoje, sinto-me lesado na minha boa fé (
alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?
“A Lava Jato é maior que nós”?
Esta não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor Procurador-Geral da
República, é muito relativo. A Lava Jato pode ser enorme para quem é
pequeno, mas não é para o Senhor, como espero conhecê-lo. Nem pode ser
para o seu cargo, que lhe dá a responsabilidade de ser o defensor maior
do regime democrático (art. 127 da CF) e, devo-lhe dizer, senti falta de
sua atuação questionando a aberta sabotagem à democracia. Por isso o
comparei a Pilatos. Não foi para ofendê-lo, mas porque preferiu, como
ele, lavar as mãos.
Mas fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo, dei-lhe o que lhe
era de direito e o que me era de dever: lealdade, subordinação e
confiança (suum cuique tribuere, não é?). E, a mim, o Senhor
parece também ter dado o que entende ser meu: a acusação de agir
desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a aceitar a dor
como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha crítica e,
depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa.
Um abraço sincero daquele que esteve anos a fio a seu lado,
acreditando consigo num projeto de um Brasil inclusivo, desenvolvido,
economicamente forte e respeitado no seio das nações, com o ministério
público como ativo parceiro nessa empreitada.