Dossiê das duas agências do Serviço Secreto Federal Alemão indica que é inteiramente falsa a difundida e, na verdade, nunca contraditada versão de que grupos de esquerda, como o chamado grupo "Baader-Meinhof”, teriam ajudado os membros da facção palestina Setembro Negro que assaltaram o prédio 31 da Vila Olímpica em Munique, onde se hospedava a delegação israelense, durante os Jogos Olímpicos de 1972. A conexão do Setembro Negro, na verdade, teria sido com neonazistas. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar, de Berlim
Enquanto os eurolíderes se debatem com a banca financeira, por ela comprimidos agora na Espanha, novo(?) elo fraco na cadeia, enquanto a Itália está na sala de espera da UTI, o complicado assunto neo nazi voltou a mostrar o nariz – e a cara inteira – na Alemanha.
A revista Der Spiegel (versão em inglês) trouxe à luz copioso noticiário, a partir de um dossiê de duas mil páginas das duas agências do Serviço Secreto Federal Alemão (Bundesamt für Verfassungsschutz e Bundesnachrichtendienst), sobre ser inteiramente falsa a difundida e, na verdade, nunca contraditada versão de que grupos de esquerda, como a RAF (Rote Armee Fraktion, também conhecida indevidamente como “Grupo Baader-Meinhof”), teriam ajudado os membros da facção palestina Setembro Negro que assaltaram o prédio 31 da Vila Olímpica em Munique, onde se hospedava a delegação israelense, durante os Jogos Olímpicos de 1972.
No assalto, os oito assaltantes mataram dois dos israelenses (um atleta e um treinador) e sequestraram outros nove, no dia 5 de setembro. Queriam troca-los por 234 prisioneiros palestinos e também por alguns prisioneiros da RAF, fato que, entre outros, levaram à “conclusão” de que essa organização alemã os tinha ajudado.
No dia 6, ao tentarem embarcar num avião que os levaria para fora do país, num aeroporto militar, foram interceptados por uma operação anti-terrorista das Forças Armadas alemãs, o que redundou numa catástrofe. Os assaltantes mataram todos os reféns (embora haja a suspeita de que alguns deles possam ter morrido no fogo cruzado). Dos oito terroristas, cinco morreram na hora e três foram presos. Mais tarde esses três foram libertados através do sequestro de um avião da Lufthansa. Mas dois deles morreram em operações posteriores do Mossad, que eliminou quase todos os suspeitos de participação ou planejamento no ataque de Munique. O terceiro assaltante vive até hoje na clandestinidade, enquanto o idealizador do sequestro, Abu Daoud, morreu em 2010 de causas naturais.
O dossiê comprova que Abu Daoud tinha uma estreita ligação com Willi Pohl, hoje beirando os 70 anos, que conseguira-lhe pelo menos carros para a operação, além de levá-lo a viajar por toda a Alemanha. Há a possibilidade de que Pohl tenha conseguido também armas, embora ele, numa entrevista à própria Der Spiegel, o negue. Em todo caso, colocou Daoud em contato com Wolfgang Abramovski, reconhecido falsificador de documentos que, levado para as cercanias de Beirute, provavelmente forneceu passaportes para o grupo.
Ocorre que Pohl e Abramovski não eram membros de nenhum grupo terrorista ou não de esquerda, mas sim de uma célula neonazista, e foram denunciados à polícia ainda antes dos acontecimentos de Munique, inclusive sobre a ligação com Daoud, por um ex-colega de militância e pelo ex-patrão do primeiro, de quem ele tomara algum dinheiro.
Depois do conhecido “Massacre de Munique”, Abramovski e Pohl foram presos, em outubro daquele ano, de posse de considerável arsena de armamentos, panfletos e cartas ameaçadoras ao juiz que dirigia o processo contra os três sobreviventes da tragédia, parte de um primeiro plano para libertá-los, que evidentemente não foi adiante. Desde então o Serviço Secreto alemão já sabia que a conexão alemã do Setembro Negro era neonazi, e não esquerdista, como comprovam mensagens trocadas pelas agências envolvidas, que nunca vieram a público – até esta semana.
É claro que restam milhares de luzes e perguntas acesas e ainda sem respostas sobre esse caso e esse dossiê. Algumas delas:
1) Se agisse de modo mais consistente, investigando a fundo as denúncias que recebera, o Serviço Secreto alemão poderia ter evitado o sequestro?
2) Essa é mais uma operação neonazi na história alemã pós-Segunda Guerra que “passa batida”, num primeiro momento, por essas agências e que a opinião pública fica com a versão de que seriam outros os implicados. Qual o significado disso?
3) Grupos de esquerda – a RAF em particular – foram acusadas de forma disseminada de participação na tragédia. Nada se fez durante quatro décadas para desmentir essa acusação. Por quê? (É verdade que declarações bombásticas de mebros da RAF, inclusive de Ulrike Meinhof, ajudaram a forjar essa impressão, mas tudo, hoje está comprovado, era blefe, não realidade).
4) Surpreendentemente, quando julgados em 1974, Pohl e Abramovski receberam penas extremamente leves, somente por “posse ilegal de armas”. Por que? O que isso significa?
Para arrematar: segundo a revista, Pohl hoje nada tem a ver com terrorismos ou com quaisquer atividades neonazis. É autor (de sucesso) de histórias policiais, inclusive como roteiros de TV, com outro nome, é claro.
De Abramovski não se tem notícia.
A revista Der Spiegel (versão em inglês) trouxe à luz copioso noticiário, a partir de um dossiê de duas mil páginas das duas agências do Serviço Secreto Federal Alemão (Bundesamt für Verfassungsschutz e Bundesnachrichtendienst), sobre ser inteiramente falsa a difundida e, na verdade, nunca contraditada versão de que grupos de esquerda, como a RAF (Rote Armee Fraktion, também conhecida indevidamente como “Grupo Baader-Meinhof”), teriam ajudado os membros da facção palestina Setembro Negro que assaltaram o prédio 31 da Vila Olímpica em Munique, onde se hospedava a delegação israelense, durante os Jogos Olímpicos de 1972.
No assalto, os oito assaltantes mataram dois dos israelenses (um atleta e um treinador) e sequestraram outros nove, no dia 5 de setembro. Queriam troca-los por 234 prisioneiros palestinos e também por alguns prisioneiros da RAF, fato que, entre outros, levaram à “conclusão” de que essa organização alemã os tinha ajudado.
No dia 6, ao tentarem embarcar num avião que os levaria para fora do país, num aeroporto militar, foram interceptados por uma operação anti-terrorista das Forças Armadas alemãs, o que redundou numa catástrofe. Os assaltantes mataram todos os reféns (embora haja a suspeita de que alguns deles possam ter morrido no fogo cruzado). Dos oito terroristas, cinco morreram na hora e três foram presos. Mais tarde esses três foram libertados através do sequestro de um avião da Lufthansa. Mas dois deles morreram em operações posteriores do Mossad, que eliminou quase todos os suspeitos de participação ou planejamento no ataque de Munique. O terceiro assaltante vive até hoje na clandestinidade, enquanto o idealizador do sequestro, Abu Daoud, morreu em 2010 de causas naturais.
O dossiê comprova que Abu Daoud tinha uma estreita ligação com Willi Pohl, hoje beirando os 70 anos, que conseguira-lhe pelo menos carros para a operação, além de levá-lo a viajar por toda a Alemanha. Há a possibilidade de que Pohl tenha conseguido também armas, embora ele, numa entrevista à própria Der Spiegel, o negue. Em todo caso, colocou Daoud em contato com Wolfgang Abramovski, reconhecido falsificador de documentos que, levado para as cercanias de Beirute, provavelmente forneceu passaportes para o grupo.
Ocorre que Pohl e Abramovski não eram membros de nenhum grupo terrorista ou não de esquerda, mas sim de uma célula neonazista, e foram denunciados à polícia ainda antes dos acontecimentos de Munique, inclusive sobre a ligação com Daoud, por um ex-colega de militância e pelo ex-patrão do primeiro, de quem ele tomara algum dinheiro.
Depois do conhecido “Massacre de Munique”, Abramovski e Pohl foram presos, em outubro daquele ano, de posse de considerável arsena de armamentos, panfletos e cartas ameaçadoras ao juiz que dirigia o processo contra os três sobreviventes da tragédia, parte de um primeiro plano para libertá-los, que evidentemente não foi adiante. Desde então o Serviço Secreto alemão já sabia que a conexão alemã do Setembro Negro era neonazi, e não esquerdista, como comprovam mensagens trocadas pelas agências envolvidas, que nunca vieram a público – até esta semana.
É claro que restam milhares de luzes e perguntas acesas e ainda sem respostas sobre esse caso e esse dossiê. Algumas delas:
1) Se agisse de modo mais consistente, investigando a fundo as denúncias que recebera, o Serviço Secreto alemão poderia ter evitado o sequestro?
2) Essa é mais uma operação neonazi na história alemã pós-Segunda Guerra que “passa batida”, num primeiro momento, por essas agências e que a opinião pública fica com a versão de que seriam outros os implicados. Qual o significado disso?
3) Grupos de esquerda – a RAF em particular – foram acusadas de forma disseminada de participação na tragédia. Nada se fez durante quatro décadas para desmentir essa acusação. Por quê? (É verdade que declarações bombásticas de mebros da RAF, inclusive de Ulrike Meinhof, ajudaram a forjar essa impressão, mas tudo, hoje está comprovado, era blefe, não realidade).
4) Surpreendentemente, quando julgados em 1974, Pohl e Abramovski receberam penas extremamente leves, somente por “posse ilegal de armas”. Por que? O que isso significa?
Para arrematar: segundo a revista, Pohl hoje nada tem a ver com terrorismos ou com quaisquer atividades neonazis. É autor (de sucesso) de histórias policiais, inclusive como roteiros de TV, com outro nome, é claro.
De Abramovski não se tem notícia.
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