Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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domingo, 10 de agosto de 2014

O chão mole de Aécio

Imagem: Opedeuta

Por: Saul Leblon do Site Carta Maior

Enredado em dissimulações o tucano tem dificuldades e já constrange as audiências, que viam nele um biombo para o retorno dos heróis do mercado.

 À  medida em que a campanha  presidencial supera a fase alegre dos consensos, ancorada  em sorrisos e manchetes de credibilidade equivalente, o bicho pega.

As pesquisas de intenção de voto exalam um cheiro de queimado e a fumaça ondula na direção do  palanque conservador.

Exceto na hipótese de um novo escândalo inoculado pela mídia, a dúvida confidenciada em fileiras de bicudos e graúdos carrega nervosa pertinência.

De onde, afinal,  Aécio e assemelhados  vão  extrair o fôlego que as pesquisas lhes sonegam,  se meses e  meses de exposição exclusiva e esfericamente favorável  na mídia não foi capaz de lhes proporcionar o estirão previsto na preferência nacional?

A partir do dia 19, a propaganda eleitoral  abre uma trinca nesse monólogo.

Faz mais.

Temas cruciais para o desenvolvimento brasileiro,  como a redução da desigualdade, o futuro do salário mínimo,  a desindustrialização,  passam a  exigir um posicionamento claro de quem pretende chegar competitivo às urnas de outubro.

Na boca de Aécio Neves  eles queimam como batata quente.

A dificuldade  de discorrer com clareza sobre  esses itens revela dois flancos mortais em uma disputa presidencial.

De um lado, a fragilidade  de um projeto que  não pode se explicar honestamente ao eleitor, sob pena de evidenciar seu conteúdo antissocial .

De outro, o chão mole mais incomodo do palanque conservador: seu próprio candidato. Visto com entusiasmo como um biombo para o regresso dos heróis do mercado a Brasília, o tucano às vezes soa como um piano difícil de escutar e de carregar.

 Enredado na teia da dissimulação Aécio Neves tem dificuldades evidentes com a consistência.

Expor como enxerga e de que modo  pretende equacionar os grandes gargalos brasileiros é uma tarefa acima de suas possibilidades.

Sua incapacidade de discorrer mais que alguns  segundos sobre um mesmo assunto, depois de  esgotar o estoque de lugares comuns,  começa a constranger  as audiências mais receptivas.

Em encontro recente com industriais,  promovido pela CNI, o desconforto  na plateia era mais denso do que a enorme boa vontade com o jovial neto de Tancredo.

Mesmo lendo, ficou flagrante que debulha  uma espiga adversa  quando se trata de discorrer sobre o país, seus flancos e suas possibilidades.

Não é  sua praia. Aécio é mais afeito à ligeireza do que ao manejo das grandes agendas nacionais.

Lula, que hoje tem o Brasil na palma da mão,  faiscava em 2002 uma experiência  de vida riquíssima, coisa  que o mineiro tampouco possui.  Da boca do metalúrgico  emergia o arranque sofrido de milhões de personagens e sonhos de um Brasil quase ausente do repertório  dominante.

Do esforço de Aécio se ouve uma versão empobrecida da narrativa gordurosa, monótona e burocrática dos editoriais conservadores.

Dilma não tem a vivência popular de Lula. Mas dispõe de uma densidade técnica e intelectual , ademais do domínio e da experiência no manejo da máquina do Estado,  da economia e da infraestrutura nacional,  que a singularizam de imediato aos olhos do observador isento.

Mas sofre uma restrição séria do ponto de vista dos donos do país:

‘Dilma? Esta não é para amadores. “Não adianta achar que ela vai querer te ajudar. Ela não ajuda ninguém. Você tem que fazer por onde convencê-la que seu projeto se encaixa nas prioridades do governo. Lula era mais sensível a argumentos como o risco de demissões e o esforço na construção de uma solução de consenso. Dilma só cede à racionalidade econômica e republicana”, reclamavam titãs do mercado no jornal Valor,  na semana passada (01/08/2014)

 Aécio é o próprio jogo. Mas o placar não anda com ele. O  discurso linear, desprovido de ênfase,  sucedido de  improvisos jejunos, revelam cada vez mais a natureza fraudulenta do produto que a mídia vende como sinônimo de ‘mudança’.

A plutocracia não desistirá. As doações jorram.

Não espanta.

Assim ocorreu  também na promoção de outro simulacro, em 1989, fruto da mesma determinação  omnívora:  ‘tudo , menos o PT’.

Nesta 5ª feira, Aécio  foi levado pelo impoluto Paulinho ‘Boca’, da Força,  para conhecer a classe operária, na zona norte de São Paulo.

O candidato aproveitou o pano de fundo e sapecou uma do estoque de bolso:  ‘País vive hoje a maior crise de desindustrialização da sua história’.

Teve o azar de ser cobrado  em seguida sobre um tema pedestre: sua política de reajuste para o salário mínimo.

A batata quente fumegou na boca.

‘Vou assumir o governo e, de posse de todas as informações que eu tiver, vou valorizar o trabalhador brasileiro’,  arriscou franzindo o cenho como se suplicasse : ‘Emplacou?’ .

Quase na mesma hora, um de seus formuladores, o economista  Monsueto  Almeida, um centurião da guerra contra o gasto público, dizia  à Reuters, por escrito: ‘Se for eleito, o governo Neves terá como objetivo acabar com o populismo monetário (...) e voltar a uma taxa livre de câmbio flutuante’.

O que  exatamente significa  adotar o câmbio livre num  mundo imerso em um dilúvio de liquidez?

Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal,  os fundos  internacionais de investimento e de pensão tem 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise; uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial.

As opções de investimento em contrapartida evoluíram na direção inversa.

Há mais de um ano, o governo brasileiro intervém no câmbio.

É um pouco como enxugar gelo. Mas é indispensável  para impedir que o ingresso de capitais  especulativos  (atraídos pelas maiores taxas de juros do planeta –concessão de Dilma ao mercado aecista) deprimam o valor do dólar.

Caso contrário,  as importações matariam de vez a indústria local.

Aí vem o assessor de Aécio. E anuncia o programa do PSDB para a área cambial: a ‘livre flutuação da paridade’, um fermento  à desindustrialização .

De novo, o candidato não consegue ou não pode falar sobre o que  pretende  com o Brasil.

Para um conservadorismo hesitante diante da fraqueza de seu pupilo resta a esperança de torna-lo um adereço ornamental.

‘Aécio delega’, retrucam  muxoxos  sob um  piano que começa a pesar  justamente  na escalada de uma eleição que entra na etapa da conquista  da credibilidade.

É fato: delegar, o mineiro  delega. É uma  questão de sobrevivência . O problema agora  é  esconder do eleitor os portadores dessa delegação.

Em caso de vitória, um coringa de estimação dos mercados assumiria as rédeas da economia com carta branca para agir, confidenciam bicudos do PSDB.

Armínio Fraga seria o presidente da república do dinheiro. Aécio o seu suporte legal.

O que Armínio fez ao assumir o BC, em março de 1999, que o credenciou aos olhos da plutocracia para ser esse Napoleão dos bastidores, a mão invisível dos mercados tropicais?

Vale recordar.

Fernando Henrique  acabara de ser reeleito para um segundo mandato e decretara uma maxidesvalorização de 30%, em 19 de janeiro de 1999.

O Real fazia água.

Uma semana depois da máxi que esfarelou o engodo da moeda forte,  a fuga de capitais havia reduzido as reservas brasileiras a US$ 30 bilhões, o equivalente às da Argentina hoje, denegrida como nação irresponsável pelo colunismo conservador e por fundos abutres.

As  expectativas de inflação oscilavam de  20% a 50% ao ano –maior que a da Argentina.

A avalanche inflacionária, cambial e fiscal derrubaria dois presidentes do BC antes de Armínio chegar ao posto, em março.

O que fez então?

Sancionou as fronteiras delimitadas pelo dinheiro no campo de guerra.

A taxa de juro foi fixada em singelos  45% ao ano --hoje está em  11% e é, como de fato é, apontada como asfixiante.

Com Armínio, o BC  adotou o regime de metas de inflação:  a escalada dos juros  tornou-se a resposta à indisciplina dos preços.

Mais que isso.

Armínio deu assim aos detentores da riqueza, que acabavam de perder a ilusória âncora da paridade cambial, um potente escudo de juros para defender  o valor real de seu pecúlio.

Liberou o campo desse modo para  a maxidesvalorização fazer o serviço que lhe cabia: escalpelar o poder de compra dos assalariados,  sem aviltar a riqueza  dos rentistas.

Foi assim que se consolidou a transferência da âncora do plano  Real, do câmbio, para o juro.

De forma mais simples: Armínio foi o fiador do pacto histórico e carnal entre o PSDB e o rentismo.

E assim  Armínio se consagrou como  escudeiro do mercado.

O que se espera dele agora é que repita o desempenho se Aécio chegar ao Planalto.

Não necessariamente nessa ordem dos fatores. Mas com poderes até maiores que os da experiência anterior. Poderes de um presidente da república do dinheiro, repita-se.

Ao tarifaço no lombo dos assalariados,  preconizado  como o start do processo por  formuladores tucanos,  seguir-se-á    uma robusta talagada de  juros para  salvaguardar –como antes--   os endinheirados do rebote da inflação.

Uma volta extra no torniquete  fiscal  —‘’um superávit de uns 3% do PIB”—   daria à turma do mercado a certeza de que o Estado faria o arrocho necessário  para pagar  o serviço  da dívida.

O dólar flutuante de que fala Monsueto daria o arremate à obra.

Dólar barato abertura ampla às importações = nocaute nas taxas de inflação.

É o que se promete nos salões elegantes onde a conversa é desabrida, quase eufórica.

A que preço sairia o pacote?

Ao preço, entre outros,  de uma contração do parque manufatureiro, capaz de deixar saudade  ‘na maior desindustrialização da história’ denunciada hoje por Aécio.

O  saldo restante seria quitado na forma de desemprego e  depreciação salarial, reduzindo de fato o demonizado  ‘custo Brasil’.

Por isso Aécio não pode adiantar a sua fórmula de correção do salário mínimo, nem a da correção da tabela do Bolsa Família e outras miudezas sociais.

 Restaria apenas uma incógnita  colateral:  quanto sobraria do país  fora do ralo?
Deixados  à própria sorte, como advogam os ‘matadores’ à la Armínio,  os ‘ajustes de mercado’ empurram   a economia para operar  à beira do sumidouro.

Ou seja, em condições de baixa demanda efetiva e elevado nível de desemprego.

Sem prejuízo da carteira rentista.

A ração dos  juros fica assegurada pela dinâmica de um  endividamento público emparedado entre despesas fixas e receita fiscal corroída pela recessão.

O conjunto   reúne os ingredientes típicos da receita que levou o mundo ao desastre neoliberal de 2008.

A saber: empobrecimento das famílias  assalariadas,  desigualdade crescente, decadência industrial, elevado desemprego e a cereja do bolo: déficit  fiscal, de um lado, e derrocada dos serviços e investimentos públicos, de outro.

Maiores informações, consultar as contas nacionais da Espanha, Grécia, Portugal e assemelhados. Todos submetidos  à mesma terapia  acalentada aqui pela turma empenhada no desmonte da incipiente democracia social brasileira.

A ideia que desse necrológio  possa brotar uma pujante  base  exportadora equivale a acreditar que a Faixa de Gaza hoje  está mais apta  a crescer e a prosperar  do que antes  dos 28 dias de bombardeios de Israel.

Esse é o angu de caroço temperado nos bastidores da candidatura  tucana, que  Aécio Neves protagoniza mas não consegue, nem pode, verbalizar de forma palatável

A campanha, porém, ingressa numa fase em que o tucano  será instado, cada vez mais, a esclarecer suas propostas para  o presente e o futuro brasileiro.

É a hora em que as batatas queimam na boca do conservadorismo.

Pior que isso.

A hora em que o próprio Aécio se torna uma delas.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

No país em que faltava emprego, falta trabalhador

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A Presidenta Dilma Rousseff, hoje, em Porto Alegre, (aqui, em vídeo) ao entregar a maior plataforma de petróleo já construída no Brasil, a P-55 da Petrobras, falou da missão que recebeu de Lula de reerguer a indústria naval.
Pouca gente, talvez só os mais velhos como eu, se dá conta da importância da construção naval para o Brasil e, muito especialmente, para o Rio de Janeiro.
E não é exagero dizer que ela estava morta, em meados dos anos 90, após dez anos de crise. O fim da Docenave, frota mercante da Vale do Rio Doce e a política de encomendas no exterior que, até então, era seguida pela Petrobras.
Uma indústria que chega a ser a segunda maior do mundo em tonelagem – em 1979, empregava 40 mil trabalhadores na construção de 50 embarcações – estava reduzida, por toda parte, a sucata, onde pouco mais de 5 mil trabalhadores atuavam, a maioria apenas em estaleiros de reparos.
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Basta olhar o gráfico ao lado, que extraí da tese de doutorado de Claudiana Guedes de Jesus, da Unicamp,  para que se possa fazer ideia do fundo do poço em que chegamos e a maravilhosa recuperação do setor, basicamente conseguida com a ação do Estado brasileiro, através de dois programas da Petrobras: o da ampliação e mordernização de sua frota e as encomendas para fazermos aqui as plataformas que FHC mandava contratar no exterior.
E estes números poderiam ser ainda mais fantásticos, se não fosse a criminosa decisão da Vale privatizada de fazer na China e na Coreia um programa bilionário de construção de megagraneleiros, que acabou por se revelar um fiasco.
Mas não perdemos apenas empregos para os operários, técnicos e supervisores nessa indústria, não. Perdemos tecnologia e conhecimento, nos quais o Brasil tinha alta capacidade desde o final do século 19, porque destruímos os cursos de engenharia naval em nossas universidades.
engenO levantamento feito pela Dra. Claudiana mostra o número de formandos em engenharia naval na UFRJ e fala por si. Boa parte do connhecimento se foi, à medida em que a necessidade de sobrevivência e o próprio tempo iam “tirando de combate” a parcela mais experiente dos engenheiros e dos trabalhadores.
Sobreviveram uns poucos – e bons – escritórios de projeto naval, formado por antigos engenheiros do Ishikawagima – hoje rebatizado de Inhaúma, no Rio, onde está sendo adaptada a P-77 da Petrobras – e  do Emaq.
Também entre os trabalhadores, segundo o estudo da Unicamp, este conhecimento em parte se perdeu. Os trabalhadores com mais de cinco anos de experiência eram 35% em 1995, em 2010, menos de 18%. Os com mais de dez anos de vínculo caíram de 15% para menos de 3%.
Hoje, o problema da indústria naval é o de falta de pessoal. Estima-se que, nos próximos anos, o setor vai exigir 40 mil soldadores, chapeadores, montadores, encanadores e outros profissionais navais, com salários que superam, com os mais experientes, R$ 15 mil mensais.
É disso que o Brasil vai precisar para fazer os 46 navios encomendados pela Petrobras – além de uma centena de embarcações de apoio marítimo – as 20 plataformas de petróleo em construção ou encomendadas e os 28  navios-sonda de águas ultraprofundas.
Mas isso o povo brasileiro não sabe, quando falam a ele sobre a Petrobras.

Por: Fernando Brito

sábado, 4 de maio de 2013

PSDB-2014: UM PLANO COLLOR REQUENTADO EM FORNO MINEIRO


*SÓ A SECOM NÃO VÊ? Até Joaquim Barbosa aponta o monopólio da direita na mídia brasileira (leia nesta pág. e também o Especial: 'Mídia , Regulação e Democracia') 
  
O economista Edmar Bacha, um dos formuladores do PSDB, apontado como interlocutor credenciado do presidenciável Aécio Neves, resumiu em debate promovido esta semana pelo jornal Valor, algumas prioridades tucanas na eventual volta ao poder. São elas: a) retomar a Alca; b) supressão robusta das tarifas que protegem a indústria local; c) redução do tamanho do Estado, com desmonte da Previdência, por exemplo; d) fim das políticas indutoras de industrialização, a exemplo do conteúdo nacional imposto às encomendas da Petrobrás, por exemplo. O suposto é que isso, associado a forte desvalorização cambial, injetará eficiência à indústria brasileira, hoje cambaleante. Faltou dizer quantas unidades fabris e de emprego sobreviverão a esse Plano Collor de bico longo, agora requentado em forno mineiro. O importante a reter é a coerência do PSDB. O partido quer voltar ao poder para terminar o que começou nos anos 90: o desmonte completo do papel do Estado brasileiro na agenda do desenvolvimento.  Para fortalecer seus alicerces trouxe ao Brasil, Vito Tanzi, ex-FMI, 'amigo' do país desde a crise da dívida externa dos anos 80, que veio demonstrar, em carne e osso, como a ideologia não muda. Independente dos vexames de sua prática. E por uma razão muito forte: por trás das ideias, melhor dizendo, à frente delas, caminham os interesses. Felizmente há quem discorde deles. E com decibéis intelectuais suficientes para evidenciar que, subjacente à gororoba do contracionismo-expansionista,  defendida pelos Rogoffs, Tanzis e similares locais  existe um déficit. Não propriamente fiscal. Mas de coordenação estatal da economia. Quem explica é o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, o interlocutor de Bacha, no  debate promovido pelo Valor.(LEIA  MAIS AQUI)

Joaquim Barbosa vê ausência de pluralismo na mídia brasileira


quinta-feira, 26 de julho de 2012

China propõe aliança estratégica ao Mercosul: um dragão no quintal

Isso Só Acontece…
 
Ontem nas Olimpíadas (que não estão acontecendo, já que não deu na GROBO) em Londres o comitê organizador foi pivot de uma gafe de proporções nucleares. Na apresentação das jogadoras de futebol feminino do time da Coréa do Norte, a bandeira que aparecia era a da Coréia do Sul, o mesmo ocorrendo nas bandeiras no campo! Um atraso de mais de uma hora para o começo do jogo foi necessário para acalmar os ânimos justamente exacerbados da comitiva Coreana. Nada disso está nos principais noticiários, como deveria estar se fosse no Brasil!

É, mas enfim, isso só acontece, em Londres

China propõe aliança estratégica ao Mercosul: um dragão no quintal

Por Raúl Zibechi, no Correio da Cidadania   

A crise política no Paraguai e suas repercussões na região deixaram a visita do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, e a renúncia no principal cargo do Mercosul em um segundo plano da agenda de notícias. A China mostrou que está disposta a jogar pesado, inclusive na principal área de influência dos Estados Unidos.
A polêmica após o golpe no Paraguai, a suspensão do país do Mercosul e o ingresso da Venezuela não conseguem disfarçar as dificuldades do bloco, aflito pelas consequências da crise global e a ascensão da China como potência global. A aliança está parada porque o que convém para uns prejudica outros.
A expressão das dificuldades foi a demissão do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário geral do Mercosul, na recente cúpula em Mendoza. Em sua carta de despedida trazia uma análise lúcida da realidade atual do bloco.
Observa-se que a crise econômica na Europa e EUA e a ascensão da China geram um enorme fluxo de capital para o sul, que “corroi as relações intra-Mercosul, base principal do processo de integração”. A desindustrialização, diz ele, é uma das piores conseqüências e deve ser tratada através dos recursos da exportação de commodities.
Expansão gradual

sexta-feira, 20 de julho de 2012

NINGUÉM AGÜENTA MAIS: A ESPANHA VAI ÀS RUAS

*Samuel Pinheiro Guimarães discute as causas  econômicas e  as consequências políticas da desindustrialização; na coluna desta semana (nesta pág.)**Tarso Genro: o antídoto à fábrica de 'consensos' do conservadorismo midiático.Mais de 100 mil pessoas ocuparam a praça do Sol, em Madrid, na noite desta 5ª feira. Protestos tomaram as ruas de outras 80 cidades do país. As centrais sindicais exigem um plebiscito para definir o futuro da sociedade e da economia. As manifestações explodiram no mesmo dia em que o Congresso --dominado pela direita do PP-- aprovou o novo pacote de arrocho ditado pela cúpula do euro à Madrid. O governo conservador de Mariano Rajoy já não comanda; o Palácio de Moncloa está  sob intervenção dos homens de negro de Bruxelas que impõem medidas, fiscalizam ações e fuçam contas do Estado. O que as ruas de Madrid estão dizendo é que os espanhóis querem o Estado de volta, para defendê-los; não como aguilhão para dilapidá-los. Eis uma agenda universal. (LEIA MAIS AQUI)



 

Povo espanhol pede sacrifício de políticos e banqueiros

Protestos em mais de 80 cidades da Espanha levam centenas de milhares às ruas para contestar o corte de 65 bilhões de euros aprovado pelo governo. Políticos e banqueiros foram alvos das manifestações. “Há muitos gastos e cargos políticos a enxugar antes de tirar da educação, da saúde, de aposentados e de desempregados”, repetiam os madrilenhos que aderiram à marcha. A reportagem é de Guilherme Kolling, direto de Madri

Madri - “A joderlos!, ooéé! A joderlos, ooéé!”... O principal grito de guerra da torcida da Espanha na Eurocopa 2012 (o original é Por La Roja!, ooéé!) ganhou uma paródia malcriada que ecoou pelas principais vias do centro de Madri na noite desta quinta-feira. Quem cantava era o povo que saiu às ruas para protestar. O alvo eram políticos e banqueiros.

A inspiração veio da deputada Andrea Fabra, do conservador Partido Popular (PP), que foi flagrada dizendo 'que se jodan!', durante a apresentação no Congresso espanhol do corte de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo na semana passada.

A população atingida pela medida reagiu com força, em 80 cidades. Em Madri, mais de 100 mil pessoas participaram da marcha pelo Paseo del Prado, Calle de Alcalá, até chegar na Puerta del Sol.

Um deles era Carlos Gaudencio, funcionário da prefeitura que exibia um cartaz parafraseando a deputada do PP, mas atacando os políticos. “Que se jodan, pero mira cómo roban!” Havia muitos outros estandartes nesse estilo, caso de uma bandeira da União Europeia contornada pelos dizeres “Bancos y políticos, que se jodan”.

Organizado pelos principais sindicatos do país ibérico, o ato tinha como título “Quieren arruinar com el país. Hay que impedirlo. Somo más”. Teve apoio maciço de centenas de entidades e de milhares de cidadãos que simplesmente desejavam manifestar seu descontentamento com as medidas do governo de direita comandado por Mariano Rajoy (PP).

O pacote aumenta impostos e sacrifica funcionários públicos, aposentados e desempregados. Nem educação nem saúde foram poupados. Rajoy declarou que não gostaria de ter adotado as medidas, mas justificou que não havia outra opção para a Espanha, que precisa reduzir seu déficit para receber o resgate de 100 bilhões de euros da União Europeia para salvar seus bancos.

A interpretação exibida nas ruas é outra. Seja no “Manos arriba! Eso es un asalto!”, uma das palavras de ordem da caminhada, ou no cartaz com os dizeres “Nos roban dinero para dar a los banqueros”.

Ao invés de cortes nos salários e em áreas sociais, os manifestantes defendem menos dinheiro às instituições financeiras, menos cargos políticos, redução dos altos salários e nas benesses de parlamentares.

“Nesses últimos três meses, tivemos perdas que superam 5 mil euros. São 5 mil euros a menos por ano no nosso salário!”, denunciava o bombeiro José Luis Garcia, integrante de uma das classes que esteve em peso na passeata de Madri. “Nos tiraram salário extra, pagamento de Natal, seguro médico, auxílio-alimentação. Antes de fazer isso, poderiam extinguir pelo menos uns 80% dos cargos políticos desse país”, sugeriu.

Julián Sánchez, também bombeiro, exemplificou os efeitos negativos dos sucessivos recortes na corporação com o aumento do número de plantões e a falta de pessoal e de material de trabalho. “E os carros oficiais que deixam a disposição dos políticos? E o dinheiro para Fórmula 1 em Valência? Enfim, não se pode dizer que a única saída era tomar essas medidas. Há muito para cortar”.

Além de bombeiros, profissionais do canal de televisão Telemadrid, enfermeiros, profissionais da educação e até mesmo policiais engrossaram a marcha. A classe cultural também se mobilizou, com direito a presença ilustre do ator Javier Barden. “Cultura no es lujo”, era um dos dizeres do grupo.

A tese do corte de benesses à classe política foi repetida por vários ativistas, que se referiam a uma pesquisa divulgada neste ano, que revelou que a Espanha tem mais de 400 mil cargos políticos, número muito superior aos pouco mais de 100 mil que existem na Alemanha.

Olga Rosa e Maite Méndez, funcionárias da Universidade Carlos III de Madri, criticaram o desconto no salário dos servidores que ficam doentes. E disseram que há muito desperdício com dinheiro público, como recursos destinados a touradas, incentivadas por serem consideradas um bem cultural.

Julia Ogaña, funcionária do Estado de Madri, observou que a suspensão do salário extra e do pagamento de Natal não atinge parlamentares, que recebem esse valor diluído nos vencimentos mensais.

A administradora de empresas Nieves Palomares, 50 anos, está desempregada e vai ser atingida pelos cortes. Ela compara a ajuda de algumas centenas de euros recebida por quem está sem trabalho com salários em cargos públicos que superam 100 mil euros. “Não seria mais justo diminuir um pouco o soldo deles?”, questiona.

Reduzir recursos da Família Real ou cortar os benefícios fiscais da Igreja foram outras sugestões dos manifestantes. No manifesto lido na Puerta del Sol ao final da caminhada, ficou a promessa de que, enquanto o povo não for ouvido, permanecerá protestando na rua.

Fotos: Guilherme Kolling


Desindustrialização e Desnacionalização

O Brasil corre o risco de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para o Brasil e para a integração sulamericana. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.

1. A desindustrialização e a desnacionalização têm forte impacto sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro em geral e sobre temas como emprego e salários, violência urbana, tráfico e consumo de drogas e saúde da população.

2. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para a integração sul-americana, a partir de sua base necessária que é o Mercosul, para a posição do Brasil no mundo e, em consequência, para sua política externa.

3. Um país com uma indústria atrasada e não-integrada é um país fraco econômica e politicamente; um país com sua economia desnacionalizada é um país com menor capacidade de fazer política econômica e de fazer política externa.

4. Algumas causas da desindustrialização são uma política cambial e monetária que resulta, na prática, na valorização do real que estimula as importações e prejudica as exportações; uma política comercial que não combate com firmeza o dumping de produtos importados, o baixíssimo preço e o subfaturamento das importações; a ausência de políticas firmes de conteúdo nacional em áreas estratégicas como motores. A questão da competitividade (sistema de transportes, educação, tributos, etc) como causa da desindustrialização é complexa, suas soluções são de longo prazo e, ainda que importantes, não evitariam o perigo que se corre, que é atual, urgente.

5. A crise internacional e as relações comerciais com a China têm profundo impacto sobre a desindustrialização da economia brasileira. De um lado, a concorrência dos produtos chineses de baixíssimo preço afeta não só as unidades produtivas instaladas como a possibilidade de instalação de novas unidades. De outro lado, a forte demanda chinesa por produtos primários torna os investimentos a agricultura e na mineração mais lucrativos e, ademais, sujeitos a menor competição quando comparados à indústria. A crise nas economias européia e americana afeta as exportações brasileiras para a Europa (e, portanto, a lucratividade das empresas) enquanto se reduz o comércio intra-firma de manufaturados com os Estados Unidos, que corresponde a parte importante da pauta de exportação.

6. A desindustrialização da economia pode ser aferida pela redução do valor relativo da produção da indústria como um todo ou de setores industriais específicos ou pelo aumento do percentual das importações no valor total do consumo interno de um bem industrial ou da indústria em seu conjunto.

7. Os argumentos que procuram demonstrar a existência de um processo de desindustrialização através dos índices de redução da participação dos produtos industriais na pauta de exportações ou de déficit comercial por setores não são suficientes. A redução da participação percentual dos produtos industriais na pauta pode resultar ou de aumento de preços internacionais dos produtos primários ou do aumento do seu volume exportado, sem que haja redução do valor ou do volume das exportações industriais que podem, inclusive, ter aumentado.

8. As causas da desnacionalização são a ausência de políticas de preferência pelo capital nacional, diferindo da situação dos países desenvolvidos e dos outros Brics que possuem políticas, principalmente em áreas de tecnologia sensível, que tem como beneficiárias exclusivas empresas de capital nacional; de uma política firme de compras governamentais (e.g. na área de computadores); de preferência ao capital nacional nos financiamentos com recursos públicos, recursos inclusive dos trabalhadores, como é o do BNDES.

9. A desnacionalização da economia ocorre quando se verifica uma participação percentual crescente de empresas estrangeiras na produção de determinado bem ou serviço específico, ou do setor industrial e de serviços como um todo ou na produção de outros setores, tais como na agricultura e na mineração.

10. 85% da população brasileira é urbana. Nas cidades, o emprego é necessariamente na indústria ou em serviços. Nas cidades não há agricultura, nem pecuária, nem mineração e, portanto, não há emprego nesses setores que possa ser urbano. Os próprios empregos nos serviços urbanos são profundamente vinculados à atividade industrial.

11. O desenvolvimento brasileiro significa o aproveitamento cada vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua mão-de-obra e de seu capital, o que depende da expansão e da integração física de seu mercado interno. A desindustrialização e a desnacionalização da economia tornam difícil este aproveitamento eficiente e, portanto, o desenvolvimento do país. Em situações de desindustrialização ou desnacionalização, o desenvolvimento, medido em termos de aumento do PIB, pode até ocorrer, mas a uma taxa inferior à que seria necessária para superar a situação de subdesenvolvimento e de pobreza em que ainda vivemos.

12. O desenvolvimento eficiente dos recursos do solo e do subsolo, através da melhor organização da agropecuária e da mineração, depende da utilização crescente de máquinas, equipamentos e veículos que são, necessariamente, ou produzidos pela indústria no país ou importados. Nenhuma colheitadeira é produzida numa fazenda, nenhuma máquina perfuradora é produzida em uma mina.

13. O desenvolvimento industrial eficiente significa a integração da cadeia produtiva, o que significa produzir no país todos os componentes ou insumos de um produto final, sempre que haja escala atual ou potencial para isto, ou pelo menos a maior parte dos componentes e, em especial, os mais estratégicos. Digo potencial, pois quando a Embraer foi criada, por exemplo, não havia escala nacional para a produção de aviões.

14. O desenvolvimento eficiente da mão-de-obra significa o aumento da capacidade produtiva do trabalho em relação à mesma unidade de capital. O aumento da produtividade do trabalho em decorrência da utilização de unidades de capital, de equipamentos, mais eficientes significa aumento da produtividade do capital e não do trabalho. O aumento de produtividade do trabalho se verifica pela capacitação técnica da mão de obra, a qual, com a mesma unidade de capital com as mesmas características técnicas, passa a produzir mais.

15. A desindustrialização significa a redução da possibilidade de aumento da produtividade da mão de obra em geral. Primeiro, porque a indústria é a atividade de maior produtividade, onde a produtividade mais cresce e de onde nasce a maioria das inovações que irão aumentar a produtividade nos outros setores. Em segundo lugar, porque a desindustrialização reduz a integração das cadeias produtivas e assim as possibilidades de aprendizado que decorrem da instalação e da operação de novas unidades de produção para preencher “lacunas” nas cadeias produtivas.

16. A desindustrialização corresponde também à perda de emprego potencial, já que o emprego utilizado para produzir os bens importados pelo Brasil ocorre em outro país, o emprego é gerado em outro país.

17. Tendo em vista o grande estoque de mão-de-obra desempregada e subempregada que existe no Brasil e sua residência nas cidades, a menor expansão do emprego decorrente da desindustrialização da economia contribui para maiores índices de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas, de incidência de doenças e para maiores despesas do Estado com segurança e saúde.

18. A desnacionalização tem consequências importantes para o desenvolvimento tecnológico, para o grau de concorrência no mercado brasileiro e para o balanço de pagamentos do país.

19. O impacto da desnacionalização sobre o desenvolvimento e a capacidade tecnológica, que significa a capacidade de transformar conhecimento em patentes e em investimentos produtivos, decorre do fato de que as empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais. Estas megaempresas já têm centros de pesquisa no exterior, em especial nos países de sua sede, o que leva muitas vezes ao fechamento dos laboratórios de pesquisa que existiam nas empresas por elas adquiridas no Brasil.

20. As empresas que desnacionalizam empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais com muito maior capacidade financeira e, portanto, têm maior capacidade de concorrer no mercado, de adquirir concorrentes e de oligopolizar ou monopolizar mercados. Este “controle” do mercado resulta em lucros maiores e lucros maiores de empresas multinacionais significa remessas maiores para o exterior e redução da formação de capital no Brasil, isto é, da expansão da capacidade produtiva no Brasil, do desenvolvimento eficiente do capital.

21. A desnacionalização leva à desindustrialização. Muitas vezes as empresas multinacionais adquirem empresas no Brasil e integram a produção desta empresa na cadeia produtiva geral da empresa o que pode dificultar a instalação de empresas supridoras no território brasileiro ou mesmo levar ao desaparecimento das que existiam antes da aquisição.

22. O Brasil corre o risco simultâneo de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais, inerme objeto de suas estratégias globais.



terça-feira, 10 de abril de 2012

GUNTER GRASS - O poema da controvérsia

BELLUZZO: ‘TEMOS UMA CHANCE'
O tema da desindustrialização brasileira ocupa espaço crescente no debate acadêmico, mas ainda não galvanizou a agenda política; é  premente que isso aconteça. Mas, sobretudo, que se faça a partir do significado abrangente que a industrialização pode ter no processo de  desenvolvimento de uma sociedade. Industrialização não é galpão fabril. Não é um fetiche ou o anacronismo desenvolvimentista. "Industrialização é a capacidade soberana que tem uma economia de construir um pólo irradiador de inovação e produtividade", explica a voz ecumênica, ponderada, sempre ouvida do  economista Luiz Gonzaga Belluzzo.  As interações entre a decisão de construir uma economia forte e soberana não são estranhas à decisão de se ter ou não uma democracia capaz de estender os princípios equânimes dos direitos civis aos direitos sociais "Temos uma chance:o Brasil tem uma fronteira que o autoriza a incluir a industrialização, assim entendida, na agenda do nosso tempo; essa fronteira é o pré-sal', anima-se.(LEIA MAIS AQUI)

A polêmica vai continuar, porque, de fato, Günter Grass pôs um dedo na ferida, uma ferida de muitas camadas, que remonta ao holocausto, ao silêncio sobre o holocausto depois da guerra, aos levantes de 68 (que, na Alemanha, levantaram o questionamento às gerações mais antigas - "onde você estava e o que fez durante o nazismo?"), e também ao silêncio posterior diante das atitudes belicistas dos governos isralenses, em particular o último, de Benyamin Netanyahu. O artigo é de Flávio Aguiar.

Berlim - O escritor alemão e prêmio Nobel de literatura (1999) Günter Grass causou enorme polêmica na Alemanha, na Europa e em Israel publicando, na semana passada, o poema abaixo em vários jornais europeus. O poema critica seu próprio país por vender mais um submarino à Israel, com capacidade para lançar mísseis armados até com ogivas nucleares. Critica o governo israelense "por ameaçar a já frágil paz mundial" com a possibilidade de um ataque ao Irã, por este supostamente estar preparando um arsenal nuclear.

Para o escritor quem certamente tem armas nucleares se propõe a atacar quem apenas se supõe estar construindo uma, sem se ter ainda prova cabal disso. Além disso, Günter Grass (autor, dentre outros, do romance "Die Blechtrommel", "O tambor de lata" - que também virou filme) critica seu próprio silêncio sobre o tema esse tempo todo, atribuindo-o a um sentimento de culpa que permanece na cultura de seu país (culpa que ele considera justificada). Ao final, o poema diz que ambos os países deveriam colocar suas atividades nucleares sob supervisão da ONU.

O poema caiu como uma bomba em diferentes meios. Primeiro, na própria Alemanha, onde criticar qualquer coisa a respeito de Israel é (compreensivelmente) tabu.

A mídia liberal rejeitou o poema, e suas críticas. Houve até quem chamasse Günter Grass (hoje com 84 anos) de "velho senil" querendo chamar a atenção. Muitos representantes de associações judaicas também criticaram veementemente o poema. Günter foi acusado de antissemita, e outras críticas interpretaram que seu poema fortalecia Ahmadinejad, os aiatolás e o Irã, comparando-o, "equivocadamente", a Israel. Outros consideraram o poema um equívoco do ponto de vista literário.

Mas houve quem saísse em sua defesa também. Escritores, artistas e membros do establishment cultural alemão rejeitaram a acusação de antissemitismo, lembrando que Grass sempre se posicionou favoravalmente à existência de Israel (algo que fica também implícito no próprio poema). Ainda houve também quem dissesse que o poema era exagerado (sobretudo ao dizer que Israel poderia exterminar o povo iraniano), mas que levantava um assunto que se necessitava debater.

Os partidos políticos não se pronunciaram oficialmente. Porém, em geral, os políticos da Linke aprovaram a atitude de Grass. Os do SPD se dividiram, uns apoiando Grass, outros criticando. Isso é muito relevante, porque Grass sempre se posicionou a favor do SPD. Muitos do Partido Verde criticaram o poema, mas deixaram claro que não endossavam a acusação de antissemitismo.

Para engrossar o caldo, o governo isralense declarou o escritor "persona non grata" em Israel, o que, na prática, barra sua entrada no país (que ele visitou muitas vezes). Vozes do governo de Tel Aviv se ergueram denunciando que Grass, na Guerra, pertencera à famigerada SS. É verdade que o próprio Grass reconheceu esse fato. Mas a história completa é a de que ele, aos 17 anos, quis se alistar na Marinha alemã para lutar. Aparentemente rejeitado, foi parar num regimento blindado das SS-Waffen, na frente de batalha. Ferido, foi feito prisioneiro num campo de concentração norte-americano. Ao mesmo tempo, políticos e escritores isralenses criticaram seu próprio governo. Muitos disseram que o governo, em dificuldades, estava fazendo uma campanha populista em cima do poema de Grass, e que era um absurdo barrar sua entrada, o que "igualava Israel aos regimes totalitários, inclusive o Irã".

Na Alemanha, a atitude do governo de Tel Aviv também mereceu críticas por parte da mesma mídia que atacara o poema, taxando a proibição de "exagerada".

A polêmica vai continuar, porque, de fato, Günter Grass pôs um dedo na ferida, uma ferida de muitas camadas, que remonta ao holocausto, ao silêncio sobre o holocausto depois da guerra, aos levantes de 68 (que, na Alemanha, levantaram o questionamento às gerações mais antigas - "onde você estava e o que fez durante o nazismo?"), e também ao silêncio posterior diante das atitudes belicistas dos governos isralenses, em particular o último, de Benyamin Netanyahu.

O próprio Grass veio a público dizer que continuava sustentando o poema, mas que talvez devesse tê-lo escrito deixando mais claro que seu alvo era o governo do atual primeiro-ministro, e não Israel como um todo. Leia abaixo quatro versões do poema, em espanhol, inglês, o original em alemão e em português.

Lo que hay que decir
Por qué guardo silencio, demasiado tiempo,
sobre lo que es manifiesto y se utilizaba
en juegos de guerra a cuyo final, supervivientes,
solo acabamos como notas a pie de página.

Es el supuesto derecho a un ataque preventivo
el que podría exterminar al pueblo iraní,
subyugado y conducido al júbilo organizado
por un fanfarrón,
porque en su jurisdicción se sospecha
la fabricación de una bomba atómica.

Pero ¿por qué me prohíbo nombrar
a ese otro país en el que
desde hace años –aunque mantenido en secreto–
se dispone de un creciente potencial nuclear,
fuera de control, ya que
es inaccesible a toda inspección?

El silencio general sobre ese hecho,
al que se ha sometido mi propio silencio,
lo siento como gravosa mentira
y coacción que amenaza castigar
en cuanto no se respeta;
“antisemitismo” se llama la condena.

Ahora, sin embargo, porque mi país,
alcanzado y llamado a capítulo una y otra vez
por crímenes muy propios
sin parangón alguno,
de nuevo y de forma rutinaria, aunque
enseguida calificada de reparación,
va a entregar a Israel otro submarino cuya especialidad
es dirigir ojivas aniquiladoras
hacia donde no se ha probado
la existencia de una sola bomba,
aunque se quiera aportar como prueba el temor...
digo lo que hay que decir.

¿Por qué he callado hasta ahora?
Porque creía que mi origen,
marcado por un estigma imborrable,
me prohibía atribuir ese hecho, como evidente,
al país de Israel, al que estoy unido
y quiero seguir estándolo.

¿Por qué solo ahora lo digo,
envejecido y con mi última tinta:
Israel, potencia nuclear, pone en peligro
una paz mundial ya de por sí quebradiza?

Porque hay que decir
lo que mañana podría ser demasiado tarde,
y porque –suficientemente incriminados como alemanes–
podríamos ser cómplices de un crimen
que es previsible, por lo que nuestra parte de culpa
no podría extinguirse
con ninguna de las excusas habituales.

Lo admito: no sigo callando
porque estoy harto
de la hipocresía de Occidente; cabe esperar además
que muchos se liberen del silencio, exijan
al causante de ese peligro visible que renuncie
al uso de la fuerza e insistan también
en que los gobiernos de ambos países permitan
el control permanente y sin trabas
por una instancia internacional
del potencial nuclear israelí
y de las instalaciones nucleares iraníes.

Sólo así podremos ayudar a todos, israelíes y palestinos,
más aún, a todos los seres humanos que en esa región
ocupada por la demencia
viven enemistados codo con codo,
odiándose mutuamente,
y en definitiva también ayudarnos.

Fonte: El País, 4 de abril de 2012
Tradução de Miguel Sáenz


What Must Be Said
Why do I stay silent, conceal for too long
What clearly is and has been
Practiced in war games, at the end of which we as survivors
Are at best footnotes.

It is the alleged right to first strike
That could annihilate the Iranian people--
Enslaved by a loud-mouth
And guided to organized jubilation--
Because in their territory,
It is suspected, a bomb is being built.

Yet why do I forbid myself
To name that other country
In which, for years, even if secretly,
There has been a growing nuclear potential at hand
But beyond control, because no inspection is available?

The universal concealment of these facts,
To which my silence subordinated itself,
I sense as incriminating lies
And force--the punishment is promised
As soon as it is ignored;
The verdict of "anti-Semitism" is familiar.

Now, though, because in my country
Which from time to time has sought and confronted
Its very own crime
That is without compare
In turn on a purely commercial basis, if also
With nimble lips calling it a reparation, declares
A further U-boat should be delivered to Israel,
Whose specialty consists of guiding all-destroying warheads to where the existence
Of a single atomic bomb is unproven,
But as a fear wishes to be conclusive,
I say what must be said.

Why though have I stayed silent until now?
Because I thought my origin,
Afflicted by a stain never to be expunged
Kept the state of Israel, to which I am bound
And wish to stay bound,
From accepting this fact as pronounced truth.

Why do I say only now,
Aged and with my last ink,
That the nuclear power of Israel endangers
The already fragile world peace?
Because it must be said
What even tomorrow may be too late to say;
Also because we--as Germans burdened enough--
Could be the suppliers to a crime
That is foreseeable, wherefore our complicity
Could not be redeemed through any of the usual excuses.

And granted: I am silent no longer
Because I am tired of the hypocrisy
Of the West; in addition to which it is to be hoped
That this will free many from silence,
That they may prompt the perpetrator of the recognized danger
To renounce violence and
Likewise insist
That an unhindered and permanent control
Of the Israeli nuclear potential
And the Iranian nuclear sites
Be authorized through an international agency
By the governments of both countries.

Only this way are all, the Israelis and Palestinians,
Even more, all people, that in this
Region occupied by mania
Live cheek by jowl among enemies,
And also us, to be helped.


Was gesagt werden muss
Warum schweige ich, verschweige zu lange,
was offensichtlich ist und in Planspielen
geübt wurde, an deren Ende als Überlebende
wir allenfalls Fußnoten sind.

Es ist das behauptete Recht auf den Erstschlag,
der das von einem Maulhelden unterjochte
und zum organisierten Jubel gelenkte
iranische Volk auslöschen könnte,
weil in dessen Machtbereich der Bau
einer Atombombe vermutet wird.

Doch warum untersage ich mir,
jenes andere Land beim Namen zu nennen,
in dem seit Jahren - wenn auch geheimgehalten -
ein wachsend nukleares Potential verfügbar
aber außer Kontrolle, weil keiner Prüfung
zugänglich ist?

Das allgemeine Verschweigen dieses Tatbestandes,
dem sich mein Schweigen untergeordnet hat,
empfinde ich als belastende Lüge
und Zwang, der Strafe in Aussicht stellt,
sobald er mißachtet wird;
das Verdikt "Antisemitismus" ist geläufig.
Jetzt aber, weil aus meinem Land,
das von ureigenen Verbrechen,
die ohne Vergleich sind,
Mal um Mal eingeholt und zur Rede gestellt wird,
wiederum und rein geschäftsmäßig, wenn auch
mit flinker Lippe als Wiedergutmachung deklariert,
ein weiteres U-Boot nach Israel
geliefert werden soll, dessen Spezialität
darin besteht, allesvernichtende Sprengköpfe
dorthin lenken zu können, wo die Existenz
einer einzigen Atombombe unbewiesen ist,
doch als Befürchtung von Beweiskraft sein will,
sage ich, was gesagt werden muß.

Warum aber schwieg ich bislang?
Weil ich meinte, meine Herkunft,
die von nie zu tilgendem Makel behaftet ist,
verbiete, diese Tatsache als ausgesprochene Wahrheit
dem Land Israel, dem ich verbunden bin
und bleiben will, zuzumuten.

Warum sage ich jetzt erst,
gealtert und mit letzter Tinte:
Die Atommacht Israel gefährdet
den ohnehin brüchigen Weltfrieden?
Weil gesagt werden muß,
was schon morgen zu spät sein könnte;
auch weil wir - als Deutsche belastet genug -
Zulieferer eines Verbrechens werden könnten,
das voraussehbar ist, weshalb unsere Mitschuld
durch keine der üblichen Ausreden
zu tilgen wäre.

Und zugegeben: ich schweige nicht mehr,
weil ich der Heuchelei des Westens
überdrüssig bin; zudem ist zu hoffen,
es mögen sich viele vom Schweigen befreien,
den Verursacher der erkennbaren Gefahr
zum Verzicht auf Gewalt auffordern und
gleichfalls darauf bestehen,
daß eine unbehinderte und permanente Kontrolle
des israelischen atomaren Potentials
und der iranischen Atomanlagen
durch eine internationale Instanz
von den Regierungen beider Länder zugelassen wird.

Nur so ist allen, den Israelis und Palästinensern,
mehr noch, allen Menschen, die in dieser
vom Wahn okkupierten Region
dicht bei dicht verfeindet leben
und letztlich auch uns zu helfen.

Fonte: Süddeutsche Zeitung, 4 de abril de 2012
Posted Yesterday by César Vásquez
Labels: Was gesagt werden muss Lo que hay que decir Gunter Grass What Must Be Said


O que deve ser dito
Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atômica.

Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel], onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a nenhum controle,
pois é inacessível a inspeções?

O silêncio geral sobre esse fato,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coação que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“antissemitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse fato, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa cota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controle permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.

Tradução para o português: Baby Siqueira Abrão.



 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Em SP, economistas discutem crise global e o novo desenvolvimentismo para o Brasil e o mundo

Grupo de economistas brasileiros e estrangeiros participa de projeto coordenado pelo professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, da Fundação Getúlio Vargas. Novo encontro realizado em São Paulo discute as marcas que serão deixadas pela crise global, o que as turbulências do passado ensinam sobre o futuro, e quais relações há entre instabilidade financeira, câmbio e desisdustrialização no Brasil

São Paulo - Diante de uma crise financeira gestada pela desregulamentação neoliberal, que idéias podem oferecer os economistas heterodoxos aos países que sofrem com instabilidade cambial, desemprego, estagnação e desindustrialização?

A busca por respostas a essa questão é o principal objetivo da nova etapa de um ciclo de seminários que reúne economistas, brasileiros e estrangeiros, nesta quinta e sexta-feira na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo.
A coordenação dos trabalhos é feita por Luiz Carlos Bresser-Pereira, há anos um crítico da ortodoxia neoliberal e que propõe um novo desenvolvimentismo para o Brasil.

Segundo o economista, coordenador do Centro de Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento da FGV, essa nova etapa desenvolvimentista não deve mais estar baseada na substituição das importações, como ocorreu no início da segunda metade do século XX.

A estratégia de agora seriam taxas moderadas de juros, equilíbrio nas contas externas, abertura comercial com política industrial e crescimento baseado na poupança interna - este último ponto de fundamental diferença em relação à ortodoxia neoliberal, que prega expansão econômica através de poupança externa.

No primeiro encontro já realizado pelos pesquisadores, dez reflexões foram apresentadas sobre o conceito de novo desenvolvimentismo. No segundo, o objetivo era a análise do papel da governança e da regulação financeira para a promoção de uma taxa de câmbio competitiva no Brasil. O terceiro seminário, que acontece agora, concentra-se em três metas.

Primeiro, quais efeitos perenes deixará a crise financeira internacional nas economias global e da América Latina; segundo, o que as crises financeiras do passado vividas pelos latino-americanos ensinam sobre o futuro; terceiro, quais relações existem entre instabilidade financeira, taxa de câmbio e desisdustrialização no Brasil.

Toda a complexidade desse debate teórico já pode ser conhecida em artigos escritos pelos economistas, e que podem ser acessados na página do projeto na internet.

Debates do dia
O economista norte-americano Thomas Palley, que assessorou a central sindical AFL-CIO e hoje conduz em Washington o projeto Economia para Sociedades Democráticas e Abertas, defendeu nesta quinta-feira que a crise global tem sido potencializada por uma falha na "arquitetura do euro".

O problema, segundo ele, estaria na inexistência de uma coordenação européia das finanças do bloco, que relega a cada um dos países boa parte da gestão de suas políticas monetárias e fiscais.

Diante da crise de confiança nos títulos da dívida nacionais, o Banco Central Europeu (BCE) pouco pode fazer. Por isso, Palley devende a criação de uma Autoridade para as Finanças Públicas Européias, que atuaria junto ao BCE na governança bancária do bloco.

Isso seria possível, entre outros pontos, através do impulso a um mercado de títulos públicos europeus, "nos quais não haveria traço da nacionalidade dos países". O BCE atuaria comprando e vendendo esses país, de modo a garantir confiança e liquidez.

Palley criticou medidas contracionistas adotadas pelos países europeus para combater a crise. "Essa esquizofrenia dos policymakers europeus, de combater a crise com austeridade, apenas gera mais turbulências", diz ele. Isso ocorreria por uma razão elementar: com a economia mais fraca, a receita do governo cai, ampliando o déficit.

Concordando com Palley sobre os problemas de governança financeira, sobretudo quanto ao excesso de risco assumido pelo setor bancário, o economista Randall Wray, da Universidade Missouri-Kansas City, alertou que a ajuda financeira dada pelo Tesouro dos Estados Unidos ao mercado financeiro não tem sido feita com nova pactuação sobre governança.

"O sistema continua guiado pelo curto prazo, e a ajuda financeira mantém, senão aumentou, os rendimentos dos altos executivos do setor bancário", afirma ele, nominando empresas como Goldman, Bank of America, Citigroup, and JPMorgan-Chase.

Diante disso, Wray defende que a ajuda esteja condicionada à supervisão plena da autoridade monetária no banco que receber os recursos, além de que empréstimos públicos sejam vinculados "às melhores garantias".

Wray e Palley foram apenas dois dos economistas que têm traçado novas rotas para as finanças globais. O grupo ao qual eles pertencem aposta no aprofundamento da produção teórica como forma de combate à ortodoxia - para eles, frágil na teoria e cada vez mais ineficiente na prática.

terça-feira, 6 de março de 2012

Tijolaço: o pior de Lula/Dilma supera o melhor de FHC/Cerra

Saiu no Tijolaço:

O pior do novo é mais que o melhor do velho


O IBGE confirmou os números do Banco Central sobre a evolução do PIB em 2011: expansão de 2,7%.


Pouco, de fato, diante das previsões de 4,5% feitas no início do ano.


Mais, porém, que a média dos oito anos de FHC (2,3%) e um pouco mais que a média do primeiro período Lula (2,6%)


E muito, por dois fatores.


O primeiro, os efeitos devastadores da crise mundial, que jogaram no negativo as economias do mundo desenvolvido e, até mesmo, refrearam de forma inédita o expansionismo econômico da China, que com seu câmbio controlado, é quem passa por menos problemas ante a avalanche de US$ 8 trilhões que, desde o final de 2008, inflacionaram o mundo através das injeções do governo americano e da União Europeia.


O câmbio, atingido em cheio por este “tsunami” foi, como você vê no gráfico,o responsável pelo item mais negativo para a expansão do PIB: as importações, que cresceram três vezes acima da expansão da economia.


O segundo fator – e os dois merecem ser considerados uma unidade – são as outras partes, além do câmbio, do tripé neoliberal do qual ainda não nos livramos completamente: inflação e  juros.


O ano começou com uma ação forte – e mais importante que isso, crescente  – de contenção da atividade econômica, como antídoto à inflação. Obvio que, àquela altura, não se poderia prever que a crise externa se tornaria também um outro depressor da economia e, na prática, o resultado foi uma “overdose” que atirou a economias a partamares mais baixos do que se previa.


Agora, ao contrário, a queda contínua da inflação – que, para desespero dos “roda-presa” vai chegar muito perto do centro da meta, de 4,5% ao ano – estimula uma recuperação progressiva do consumo e a redução mais ousada da taxa de juros.


Por isso a questão cambial tem tomado o centro das atenções da área econômica e as constantes advertências de que se imporá controles ao fluxo de capitais.


Por isso a reação dos países ricos criticando o “protecionismo” brasileiro, que não é, nem de longe, suficiente para compensar o artificialismo que o câmbio induz às relações de troca e, portanto , à dinâmica interna da economia.


Seja como for, nenhuma medida será capaz de revitalizar sozinha o desequilíbrio amplamente favorável ao país em matéria de balança comercial. É urgente -  e estratégico – prosseguir num fortalecimento do mercado interno, de um lado, e na seletividade das encomendas industriais do setor mais promissor da economia,sobre o qual remanesce o controle estatal: o petróleo do pré-sal, além da agroindústria e da mineração, onde o petencial brasileiro nos confere vantagens estratégicas.


E, de outro lado, via redução dos juros e, com isso, do serviço e dos encargos da dívida, aliviar o Estado brasileiro da sangria permanente que nos obriga a uma carga tributária paralisante sobre setores vitais da economia e apequena a capacidade pública de investimento – estatal e paraestatal – sem a qual jamais nos tornaremos um país desenvolvido.



Clique aqui para ler “Neri, quem é o pai da Classe C ?”.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

MÁQUINAS PARADAS NO ABC PAULISTA:

Clique aqui para ver o especial Fome e Desordem Financeira Mundial

Metalúrgicos das cinco maiores montadoras do ABC paulista cruzaram os braços nesta 6º feira e cerca de 10 mil ocuparam a rodovia Anchieta, em São Bernardo, próximo à Mercedes Benz, em passeata. A mobilização organizada discretamente nos últimos dias não reivindica salários. Berço dos grandes levantes operários dos anos 70/80, que mudaram o quadro político  brasileiro, o sindicalismo do ABC inicia hoje uma luta pela própria sobrevivência: os trabalhadores cruzam os braços em protesto contra a desindustrialização em marcha no país. A concorrência das importações imposta pela competitividade chinesa, mas sobretudo incentivada pelo desequilíbrio cambial decorrente de uma política de juros  rentista disparou o sinal de alarme na consciência política dos sindicalistas. Sérgio Nobre, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, resume a questão, em entrevista ao jornal Valor: "(se continuar assim) não sobrará sequer parafusos para a gente apertar. O embate é um dos mais difíceis já assumidos pelos operários brasileiros. Trata-se de afrontar a lógica da livre mobilidade dos capitais e suas interações globais com um novo projeto de desenvolvimento. Trata-se de uma ação essencialmente política, que exige um elevado grau de consciência e organização dos trabalhadores. Ao  Mesmo tempo, a politização desse debate é a única forma de desmontar a blindagem esférica do arcabouço rentista, que mesmo os governos do PT hesitam encarar.
Ontem, por exemplo, os 'agentes' financeiros já pressionavam por mais duas altas na taxa de juro sideral do país, uma vez que o IPCA em 12 meses ultrapassou o teto da meta de inflação fixado pelo BC. Hoje a taxa de juro no Brasil é de 12,25%; o rentismo quer jogá-la para 12,75% até dezembro (um juro real da ordem de 6%). Como no resto do mundo a taxa real é zero, ou negativa, compreende-se a avalanche de capitais especulativos que vem engordar no pasto viçoso da ortodoxia nativa.  Tornar-se a grande fazenda de engorda rentista do planeta, como alertaram os metalúrgicos com a greve desta 6º feira, custa caro à sociedade: o dólar barato gerado por esse afluxo de capitais transfere demanda e empregos para o exterior via importações. Nesta 5º feira, o dólar foi cotado a R$ 1,558, um dos níveis mais baixos desde 1999.
(Carta Maior; 6º feira, 08/07/ 2011)

terça-feira, 5 de julho de 2011

O nosso futuro e o casaco de 29 reais


5 de julho de 2011 às 0:44
por Luiz Carlos Azenha
Vivemos tempos interessantes. A acreditar no noticiário, falta dinheiro aos governos.
No entanto, o Rio de Janeiro é um canteiro de obras.
E os estádios sobem.
E o BNDES — sim, eu sei, a BNDESPar — ajuda o Abílio, o Eike e outros pobres milionários.
Não, não há dinheiro para investir nos grandes equalizadores: educação pública e gratuita para todos (com bons salários para os professores) e banda larga realmente larga e universal para todos.
Lá na Coreia do Sul eles deram um jeito. Tudo bem, já entendi, sei que o país, comparado ao Brasil, é pequeno e a densidade demográfica é grande. Custaria mais caro, aqui, fazer o backbone feito lá, através do qual o estado cripto-comunista espalhou as redes de fibra ótica.
Lá foi dinheiro público financiando a iniciativa privada: quem cuidou e cuida da “última milha” são as empresas de telefonia e internet. Mas, ao controlar a infraestrutura, além de garantir a própria soberania na idade da informação, fazendo as ferrovias do século 22, o estado sul coreano ganhou poder de barganha diante das empresas privadas. Ditou as regras com um porrete na mão: lá, segundo a OECD (Organização para a o Desenvolvimento e Cooperação Econômica) 100 mbps pelo equivalente a 60 reais mensais; aqui, 1mbps por 35 reais. Nossa vantagem é que temos a Anatel para garantir que o serviço será de fato prestado nas condições propagandeadas…
[Ao contrário do que vocês imaginam, não apoio a banda larga como ferramenta para combater o PIG. É para impulsionar os pequenos empreendedores e negócios. Para facilitar a produção e disseminação de conteúdo cultural regional. Como forma de aumentar a mobilidade urbana.  Para impulsionar a indústria nacional ligada às tecnologias de informação.Como descobriram os japoneses e os sul coreanos, ter uma banda larga realmente veloz e universal cria uma série de novos "problemas" e a solução para eles exige inventividade e criatividade. Starcraft vicia, mas também cria emprego!]
Aqui, só falta escalar o ministro para vender o combo da Telefonica. Não duvido que em breve surja alguma lei exigindo número de telefone fixo para tirar documento. Aí vai ser possível empurrar dois serviços ruins combinados nas classes C e D. Aliás, o que é do projeto que extinguiria a cobrança da “mensalidade” dos telefones?
Ao contrário do que imaginávamos, vivemos o aprofundamento do sistema pelo qual os lucros são privatizados e os prejuízos, socializados. Taí o resgate de Wall Street para não me deixar mentir. Depois, a Grécia. Agora, privatizaram o Paulo Bernardo.
Como repetiu um milhar de vezes um antigo leitor deste site, hoje sumido, as empresas-casca da telefonia terceirizaram tudo. Ficaram apenas com o financeiro. E remetem os lucros obtidos no Brasil para tapar buraco na matriz. Agora, diz um executivo do banco Santander, eles vão correr atrás da classe C e D no Brasil. Como alertou a Conceição Oliveira, corram!
Ou, como disseram os bancários no Pacaembu, na final da Libertadores:

O fato é que nós, assalariados, já não temos mais representação política.
Quantos governadores ou deputados você viu, recentemente, defendendo os professores grevistas em Minas Gerais? Ou em Santa Catarina?
E os bombeiros que se amotinaram no Rio de Janeiro? Quem é que se arrisca a dar a cara a tapa e dizer que apoia a PEC 300, que aumenta os salários dos policiais?
Vejam bem, caros amigos: os salários são inflacionários! Quem sugere é ministro de um governo do Partido dos Trabalhadores!
Notaram como a falta de dinheiro público é relativa?
Depois de toda a gastança e a gatunagem que precederá a Copa do Mundo no Brasil, lá pelos fins de 2013 ainda vão tentar nos convencer de que precisamos fazer “trabalho voluntário” no evento.
E, às vezes, o que parece uma vantagem imediata pode ter consequências terríveis a longo prazo.
Como não entendo de economia, deixo para vocês os comentários. Apenas conto o causo.
1985. Acabo de desembarcar em Nova York, para trabalhar como correspondente da Rede Manchete. Um dia sim, outro também, um dos jornais importantes publica reportagem sobre um “terrível” problema do Japão: o país é fechado às grandes redes varejistas dos Estados Unidos. Por conta disso, os jornalistas estadunidenses associam os japoneses ao atraso. Os mercadinhos são um horror, os preços são altos, a qualidade é péssima, etc.
Aquele soldado japonês que não sabe que a Segunda Guerra acabou fica no mato por culpa da péssima qualidade das lojinhas “pop e mom” do Japão…
Foi a primeira campanha do PIG internacional que vi de perto, ainda que sem entender direito, na época, o que estava acontecendo.
Mais para a frente, lá pela metade dos anos 90, percebi em retrospectiva o que tinha acontecido: foi quando, nas minhas andanças pelos Estados Unidos (modéstia à parte, em meus vinte anos por lá só não fui à Dakota do Norte) descobri a grande campanha que se organizava contra o Walmart, que existe até hoje e que rendeu até mesmo um documentário, Walmart: O alto custo dos preços baixos.
Só que, se a campanha para “abrir” o Japão tinha ocupado as manchetes da grande mídia americana, a campanha local contra o Walmart mereceu um silêncio ensurdecedor…
O argumento contra o Walmart é de que o conglomerado detona o comércio local e, portanto, compromete a sobrevivência das pequenas cidades. Há um toque saudosista e conservador na campanha, quando se diz que a rede detona “the real America”. Solapa a base fiscal. Substitui centenas de salários médios por dezenas de salários miseráveis. Faz isso contando com o gigantesco poder de barganha diante dos fornecedores e, acima de tudo, com a capacidade de importar imensas quantidades de produtos baratos da China. O Walmart compra cerca de 10% de tudo o que a China exporta para os Estados Unidos!
Ontem, depois de publicar um texto de um leitor manifestando preocupação com a concentração dos supermercados no Brasil, tive a sensação de déjà vu, quando um colega jornalista contou que tinha ido ao Walmart e comprado um casaco made in China por apenas 29 reais.
Ei-lo:

A pergunta que me assalta é: corremos o risco de ver, no Brasil, o mesmo fenômeno que testemunhei nos Estados Unidos?
É possível que o Brasil enfrente ao mesmo tempo dois fenômenos contemporâneos turbinados pelo crescimento da China, a saber: a desindustrialização e o “desvarejo”?
Qual é o risco de a gente, gastando os tubos na Disney – agora que o Disney On Ice no Brasil é bancado com dinheiro público –  descobrir, de repente, que só nos resta produzir alimentos para os porcos asiáticos?
Se eu comprar o casaco de 29 reais, é bom porque combato a inflação ou é ruim porque exporto um emprego para a China?