Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Levy, a Merkel é o maior monstro da Europa​ Uma política de austeridade que não produziu nada, a não ser a ruína social em toda a Europa.



Amigo navegante sugeriu republicar essa traduçao de um artigo no Guardian inglês:


Merkel é o maiormonstro da Europa



Owen Jones, no The Guardian

Angela Merkel é a líder mais monstruosa da Europa Ocidental desta geração. Políticos que infligem  crueldade econômica em larga escala e destróem a vida de milhões de pessoas acabam não tendo que enfrentar a Justiça.

Mas, Merkel, sem dúvida, permanece sob julgamento e foi condenada no banco dos réus da História.

Sumos sacerdotes da austeridade da União Européia  evocam as palavras do inflamado discurso de Charlie Chaplin, no fim de “O Grande Ditador”: “Homens máquinas, com mentes máquinas e corações máquinas”.

Os gregos se rebelaram contra os homens e mulheres -máquina -  e estão clamando para que outros os sigam.

Aliviar a dívida da Grécia faz sentido econômica e moralmente

Merkel, os burocratas da União Européia e financistas internacionais são cruéis, mas não estúpidos: eles sabem que a esperança é um contágio, e farão tudo o que puderem para que o movimento Syriza pare de inspirar outros.

Merkel já exigiu que Alexis Tsipras, o novo primeiro-ministro grego, ignore o seu mandato democrático e apoie as medidas de austeridade impostas do exterior.

No período de preparação para a eleição, vazamentos de informação do governo alemão sugeriam  a saída da Grécia da Zona do Euro: uma mensagem clara para que o povo grego não votasse da maneira errada.

Para aqueles que querem que a Europa tenha um futuro que não seja o da queda do padrão de vida, aumento da insegurança e retirada da provisão social, é a política de Merkel e das elites podres que ela representa que deve se submeter a um ajuste de contas.

Considere a espetada que o ganhador do Premio Nobel, o economista Paul Krugman está dando na política que destruiu um quarto da economia grega.

Como observa Krugman, a troika – FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – promoveram “uma fantasia econômica”, pela qual os gregos pagaram.

Eles projetaram que o desemprego atingiria o pico de 15% em 2012 e, em lugar disso, a projeção foi arremessada para mais de 25%.

Krugman despiu a mentira de que os gregos não se impuseram austeridade suficiente: os gregos, na verdade, cortaram ainda mais do que foi planejado e, como a economia entrou em colapso, também as receitas fiscais sofreram mais do que o planejado.

Os gregos têm que viver dentro de suas posses; eles estão sofrendo, agora, pelos  anos de libertinagem, ao contrário do austero Estado alemão – e assim segue o mantra.

A Grécia foi mais atingida pela fraude e a evasão fiscal do que a maioria das nações, e o Syriza promete uma repressão radical a ambos.

Porém, os mitos que sustentam a mal velada punição coletiva seriam destruídos.

Como um editorial da Bloomberg postou: “Cada devedor  irresponsável é legitimado por um banqueiro  irresponsável.”

A Alemanha mamou dinheiro em países como a Grécia e Espanha – essa é a “magia” dos mercados desregulados – e, dessa forma,  “emprestou mais do que os devedores  podiam pagar “.

Os bancos alemães e os políticos alemaes  deveriam saber que isso acabaria em desastre.

Então, por que não agiram? Simples: a ganância.

Como Kevin Drum, um analista norte-americano, explica: concederam “aos poupadores alemães um lugar para investir dinheiro” e “forneceram à periferia – Grecia, Espanha, Portugal … -   dinheiro barato o suficiente para construir um próspero mercado para as exportações alemãs”.

Quais foram os primeiros países da UE a desrespeitar os tetos do Orçamento ?

A Alemanha e França? Poderosas como eram, elas não enfrentaram qualquer represália.

Isso absolve as elites gregas – atenção, não o povo grego – de seu papel na calamidade ? Claro que não.

Mas, Merkel deveria estar pedindo perdão também.

Tudo o que os dirigentes europeus têm a oferecer são sociedades falidas e pessoas falidas.

Mais da metade dos jovens na Espanha e na Grécia estão sem trabalho, o que deixa marcas: além da angústia, eles enfrentam a possibilidade de desemprego e salários mais baixos pelo resto de suas vidas.

Direitos dos trabalhadores, serviços públicos, um Estado de Bem-Estar: o que foi conquistado com alto custo por pessoas fortes e de visão é agora destruido.

(…)

É por isso que a Grécia tem de ser defendida com urgência – não apenas para apoiar um governo democraticamente eleito e as pessoas que o colocaram lá. E

As elites europeias sabem que, se as exigências do Syriza forem cumpridas, então, outras forças de mesma opinião serão  encorajadas.

Na Espanha, o Podemos, um movimento anti-austeridade,  que está em alta, e deverá triunfar nas eleições deste ano.

O Syriza já conquistou mudanças: a limitada flexibilização quantitativa do Banco Central Europeu  é, em parte, uma resposta à sua ascensão.

Mesmo o conhecido radical Reza Moghadam,  Vice-Presidente do banco Morgan Stanley para mercados de capitais globais, e ex-chefe do Departamento Europeu do FMI, considera que o Syriza tem uma forte posicao de negociaçao.

O precedente de uma saída da Zona do Euro levaria o mercado a punir outros membros e, em consequencia, provocaria outros pedidos de perdão da dívida da Grécia.

A vitória da Grécia é possível, mas depende de pressão popular por toda a Europa.

Se o Syriza vencer,  será uma vitória impressionante para todas as forças anti-austeridade, e ajudará a mexer no equilíbrio de poder na Europa.

Mas, se a Grécia perder, os governos e os bancos  tentarão sufocar o Syriza  logo no inicio do Governo.

Será o triunfo da austeridade sobre a Democracia.

O futuro de milhões de europeus – gregos, franceses, espanhóis e também britânicos – será desolador.

Por isso, é importante um movimento para defender a Grécia em ruínas.

A  Alemanha derrotada se beneficiou do alívio da dívida em 1953, e temos de exigir o mesmo  para a Grécia hoje.

Devemos apoiar o pedido do Syriza para encerrar uma política de austeridade que não produziu nada, a não ser a ruína social em toda a Europa.
Posters do Syriza proclamavam:

“A esperança está a caminho”.

(…)

É um jogo de apostas altas: a derrota significará mais incontáveis anos de pesadelo econômico.

Esta reprise da década de 1930 pode ser encerrada – desta vez, pela Esquerda democrática, ao invés da Direita fascista e genocida.

A era de Merkel e os homens-máquina pode estar no fim.

Cabe a todos nós agir, e agir rapido.



Leia também:

Os pobres que se lixem. Piketty e o ajuste do Levy


Levy, deputados apoiam imposto sobre fortunas




 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

OS PUPILOS DE MERKEL NO BRASIL

*AGENDA CARTA MAIOR: Presidenta Dilma Rousseff discursa nesta 3ª feira,24, na abertura da Assembleia da ONU, em Nova York. Pronunciamento deve abordar o conflito sírio (leia especial nesta pág) e a questão da espionagem, com proposta de nova governança da internet, a partir de regras internacionais pactuadas pela ONU (leia nest apág)

.**Semana decisiva para a disputa presidencial: a contagem regressiva das candidaturas, partidos e alianças (leia a análise de Antônio Lassance; nesta pág)



Ângela Merkel ruma ao seu terceiro mandato depois de haver reduzido a falência da União Europeia a um conflito entre ‘povos dolentes' - ‘gente como os grego-ibéricos, que se aposenta cedo, dorme tarde e gosta de tirar férias' -- e os laboriosos e austeros patrícios germânicos. Remédio? Chibatadas de austeridade pela manhã, à tarde e à noite. Segundo a Oxfam, ONG presente em 100 países, em 2011, havia 120 milhões de pobres na União Europeia. O desemprego é recorde em 13 anos. Entre a juventude, ele atinge 42% em Portugal; 56% na Espanha e 59% Grécia. A América Latina já provou dessa poção. Sob o efeito sequencial da crise da dívida externa , anos 80, e do ajuste neoliberal da década seguinte, a renda per capita latino-americana regrediu 15 anos. Soa desconcertante, assim, após uma década de avanços econômicos e sociais, que o conservadorismo brasileiro -a exemplo de Frau Merkel- tente reduzir os desafios atuais do país a uma questão moral. Nossos ‘gregos', segundo eles, seriam os 'mensaleiros'. Desobrigam-se assim de discutir questões substantivas.O economista turco, estudioso da globalização, Dani Rodrik, aponta, por exemplo, um dilema de natureza política, que condensa a falência da agenda conservadora em nosso tempo. Rodrik chama a atenção para a incompatibilidade histórica entre, de um lado, a liberalização financeira e comercial, defendida pelos nossos liberais de bico longo, e, de outro, a democracia e a soberania nacional.(LEIA MAIS AQUI)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

MAL-ESTAR NA INGLATERRA NÃO É DE FACHADA. É REAL


quarta-feira, 20 de março de 2013

O confisco no Chipre e as veias abertas da velha Europa




A bancarrota neoliberal chegou agora ao Chipre, uma das maiores ilhas do Mediterrâneo, que segue o destino de outros antigos paraísos do capital, como Irlanda e Islândia. Com a crise, veio o confisco, que atinge investidores europeus – sobretudo russos e britânicos – que escolheram a ilha como residência pelas facilidades fiscais, entre elas o fato de o imposto sobre a renda ser linear e muito baixo: 10%. Por Flávio Aguiar, de Berlim



Berlim – Enquanto o novo Papa, Francisco I, assumia seu novo posto, distribuindo bênçãos e rezando missa, uma nova tsunami de adrenalina invadia as veias abertas do continente europeu. O motivo desta nova e, como as antigas, violenta turbulência a se propagar a partir da Zona do Euro foi a resolução tomada pelos ministros da área financeira, reunidos em Bruxelas durante o fim de semana, sobre a ajuda à combalida banca cipriota. Tão forte foi a agitação que os mesmos ministros realizaram uma vídeo-conferência na segunda-feira (18), para revisar as medidas, enquanto bolsas e ações de banco despencavam, manifestantes tomavam as ruas de Nicósia, a capital da República do Chipre, e correntistas, poupadores e até investidores ameaçavam uma corrida aos bancos na Espanha e na Itália.

Chipre é uma das maiores ilhas do Mediterrâneo, dividida em duas partes: em um terço da ilha, ao norte, existe uma hipotética República Turca de Chipre, na prática ocupada por tropas turcas e só reconhecida pelo governo de Ancara e de alguns países islâmicos. Os restantes dois terços constituem a República do Chipre, com uma população total estimada em 1.100.000 habitantes, embora o último censo tenha apontado pouco mais de 800 mil cidadãos. A diferença se deve ao fato de que o número de estrangeiros que moram na república é muito alto. Uma parte destes são aposentados ou investidores europeus – sobretudo russos e britânicos – que escolheram a ilha como residência pelas facilidades fiscais, entre elas o fato de o imposto sobre a renda ser linear e muito baixo: 10%.

Apesar deste atrativo, a República do Chipre não escapou ao destino de hoje ex-paraísos neoliberais, como a Irlanda ou a Islândia (esta hoje recuperada, graças a seu programa não ortodoxo de regeneração financeira, uma exceção no caos europeu), e em maio do ano passado começou a dar sinais de exaustão e degenração financeiras, tendo pedido ajuda ao Fundo de Emergência da Zona do Euro, de que faz parte.

O montante da ajuda pedida era de 17 bilhões de euros. Quase uma ninharia diante dos bilhões já despejados na Grécia, na Irlanda, na Espanha, e em Portugal. Afinal, a economia cipriota representa apenas 0,2% da economia da Zona do Euro. Começando no sábado e adentrando até a madrugada de domingo para segunda, a reunião dos ministros decidiu atacar o problema. Tão complicadas foram as negociações que o próprio presidente do país, o conservador Nicos Anastasíades, passou a participar do encontro, ao lado do seu ministro das Finanças, Michalis Sarris.

O que complicava as negociações era a exigência – hoje com a paternidade posta em dúvida – de que os correntistas e poupadores cipriotas participassem da operação, através do confisco de parte de suas economias, por meio de um imposto único. A resolução afinal tomada deveria, segundo o presidente do Grupo do Euro e ministro das Finanças da Holanda, Jeroen Dijsselbloem, “garantir a estabilidade do Chipre e na Zona do Euro como um todo”.

O tiro saiu-lhe perfeitamente pela culatra e entrou pela garganta abaixo de milhões e milhões de europeus. Tudo porque a resolução atravessava um Rubicão nunca dantes navegado, este de impor o confisco de parte das economias dos depositantes nas instituições bancárias cipriotas: 6,75% até 100 mil euros, 9,9% a partir daí. Com isso, o país visava arrecadar (e ainda visa) 5,8 bi de euros, vindo outros 10 do Fundo de Emergência. O governo e as autoridades da Zona do Euro contavam com um feriado na segunda-feira, devido ao começo das festividades da Páscoa Ortodoxa. Como medida suplementar, proibiram transações bancárias via internet, para evitar a fuga de capitais.

Tradicionalmente, este feriado ortodoxo leva as famílias – com o começo da primavera – a fazer piqueniques nos parques de Nicósia e no resto da ilha. Desta vez não houve piqueniques. Ao contrário, multidões começaram a ocupar as ruas da capital, protestando contra a medida. Nem foi eficaz a justificativa aventada para esta “participação” no “salvamento” da “economia” (leia-se: a banca cipriota e seus credores internacionais) do país, a de que os bancos locais tornaram-se guarida procurada por oligarcas russos e investidores britânicos.

A insatisfação transbordou. A primeira medida direta veio do Reino Unido, que suspendeu o pagamento de aposentados com contas em Chipre, com o objetivo de “proteger” seus investimentos, afirmando que ele seria retomado assim que a situação se esclarecesse. Na sequência, bolsas despencaram, começou uma turbulência ameaçadora em bancos italianos e espanhóis, com correntistas visando proteger seus fundos, alguns afirmando que passariam a preferir os próprios colchões às contas bancárias. As ações de bancos começaram a despencar, inclusive na poderosa Alemanha – logo apontada como a mãe da idéia.

O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, deu declarações que a Alemanha fora contra penalizar os pequenos investidores, embora seu governo tenha insistido na obtenção de parte do socorro através dos bancos cipriotas. Dedos apontaram então o presidente de Chipre, que se recusara a aceitar uma carga maior sobre os grandes investidores, de 12,5% ou 15% a partir dos 500 mil euros depositados. O Parlamento em Nicósia, onde o governo tem pequena margem de votos sobre a oposição, também se agitou, e até o momento em que redijo esta nota, não foi possível aprovar a medida. O feriado bancário foi estendido até quinta-feira. A teleconferência dos ministros das áreas financeiras propôs uma revisão da medida, salvaguardando os pequenos poupadores. Isto poderia vir sob a forma de reduzir-lhes o confisco a 3%, isentando os depósitos até 20 mil euros. Em contrapartida, voltou-se a falar na alíquota maior para grandes investidores, além dos 9,9%.

Outros dedos apontaram para a Comissão Européia, o FMI, o Banco Central Europeu. Várias unhas, nesta altura, voltaram-se para os credores das dívidas cipriotas públicas e privadas. É verdade que houve quem saudasse a medida como um “pragmatismo” indispensável, para evitar que apenas os “contribuintes europeus” paguem as contas dos países endividados e de seus sistemas financeiros. (V. p. ex., Christian Rickens, “Saving Cyprus: Tapping Bank Customers is the Right Move”, no ‘Spiegel International’). Também logo se aventou, com contido júbilo, que a medida deveria ser logo estendida aos correntistas de outros países, como a Itália e a Espanha. É um argumento curioso, pois parece partir da premissa de que “correntistas” não são “continuintes”. Na verdade, o argumento se apóia, nos bastidores, naquela surrada tese de que é necessário “disciplinar” o Sul da Europa, impondo-lhe a “moral saudável” do Norte.

Porém outras linhas se interpuseram neste cruzar de dedos apontando responsáveis pela medida, ou apontando novos alvos para ela.

Pais ou não da idéia, os credores dos “bonds” cipriotas foram apontados como favorecidos pelo confisco, pois nada teriam a pagar. Mas mesmo entre eles começaram a surgir dissidências. Analistas apontaram que os pequenos credores poderiam ser prejudicados, pois em caso de atribulações no honrar destas dívidas – e isto não está descartado, pois a medida que envolve 10 bi do Fundo precisa da aprovação de todos os parlamentos envolvidos – os grandes investidores são favorecidos pois, em geral, pagam taxas suplementares para serem pagos em primeiro lugar.

A confusão vai se estender por esta semana toda, sem dúvida.

Esta foi a Europa que encontrei ao retornar de três semanas no Brasil. Apesar dos problemas do nosso país, não deu para conter uma sensação de que retornava de uma “ilha de tranqüilidade” para um continente que não só está com suas veias abertas, mas está também com seu sistema nervoso em frangalhos.





sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

TV Globo estuda substituir Salve Jorge por pronunciamentos de Dilma


 piauí Herald


Manifestantes invadiram o Instituto Lula para exigir a desapropriação de Salve Jorge

ISTAMBUL - Após analisar os índices de audiência e a repercussão do pronunciamento de Dilma Rousseff em cadeia nacional ontem à noite, executivos da TV Globo viajaram para Brasília com o intuito de convencer a presidenta a ocupar, com intervenções de segunda a sábado, o horário da novela Salve Jorge. "Para o caso de ela hesitar, estamos levando um documento lavrado em cartório em que nos comprometemos a não apoiar Lula nas eleições de 2014", afirmou o diretor-geral de jornalismo da emissora, Ali Kamel.

Em reunião fechada, ocorrida num bunker escuro na Turquia, um grupo de criativos rascunhou o formato da nova trama. "A série de pronunciamentos será batizada de Encontro com Dilma, e todos os dias trará boas novas no horário nobre até entrarmos com a próxima novela", explicou o presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho. "A primeira notícia, claro, será o fim de Salve Jorge", anunciou, para palmas generalizadas dos jornalistas que cobriram a coletiva de imprensa. Marinho estuda reprisar Encontro com Dilma todas as manhãs das 10h30 ao meio dia.

Nos programas seguintes, Dilma revelará que José Dirceu não está por trás do tráfico internacional de mulheres. Dirá também que Lula nada sabia a respeito da trama de Salve Jorge. Na semana seguinte, arguirá Guido Mantega em questões básicas de tabuada, e demitirá, ao vivo, um ministro escolhido pelo público. No último programa, quando o público já não souber como a trama poderá ser superada, a mandatária anunciará a aposentadoria de José Sarney.

Assim que tomaram conhecimento da iniciativa, 1.437 parlamentares do PMDB exigiram uma ponta no Encontro com Dilma.



As cinco exigências de Cameron para manter o Reino Unido na UE

Pressionado pela recessão e vendo o aumento da popularidade de seus adversários trabalhistas, primeiro-ministro britânico propõe referendo e abre negociações com europeus para ampliar papel dos Estados-membro. Conciliadora, a chanceler alemã Angela Merkel disse que estava pronta a “examinar as reivindicações”.


Berlim – Quando o então primeiro-ministro da Grécia Giorgos Papandreou anunciou, em novembro de 2011, que pretendia fazer um referendo em seu país sobre os planos de austeridade – arrocho, traduzindo bem – cuja adoção a Troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e FMI) estava forçando – houve uma reação estrepitosa e violenta. Papandreou foi espinafrado pela Europa afora, e uma blitz retórica liderada pela então dupla Merkozy literalmente ejetou-o do governo grego, substituído pelo “emissário” daqueles poderes, o “tecnocrata” Lucas Papadimos, catapultado do BCE para o Antigo Palácio Real, onde se realizam as sessões do Parlamento, no papel de primeiro-ministro.

Agora que o primeiro-ministro britânico David Cameron anunciou que pretende realizar um referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Européia – promessa de conseqüências potencialmente muito mais complexas e graves –, não passou pela cabeça de ninguém, apesar das críticas que surgiram, dispensar-lhe o mesmo tratamento dado a Papandreou.

Houve reações amuadas. O ministro de Relações Exteriores da Alemanha, por exemplo, deu uma declaração dizendo que Cameron estava tentando conseguir a sua “cereja” do bolo. O presidente francês François Hollande declarou que se deve aceitar a União Européia “como ela é”. Outros dirigentes também foram reticentes, como o primeiro-ministro holandês. Já a chanceler Angela Merkel mostrou-se surpreendentemente mais conciliadora, dizendo que estava pronta a “examinar as reivindicações” de Cameron. Surpreendentemente? Nem tanto. A chanceler alemã já tem problemas suficientes para conviver com o presidente francês, e ela certamente não quer abrir distância de seu aliado conservador do Reino Unido quando vai enfrentar uma eleição no segundo semestre.

O que pediu Cameron? Cinco pontos:

1) Maior flexibilidade na União Européia, atentando para a história, as condições e as características próprias de cada país;
2) Aumentar a competitividade da União Européia como um todo. Este segundo ponto tem raiz na crise recessiva que o Reino Unido enfrenta e nas políticas de competitividade adotadas por Berlim, junto com as que se vêm anunciando para a Zona do Euro, de que o Reino Unido não faz parte;
3) Reforçar o poder dos estados-membros;
4) Valorizar a participação dos parlamentos nacionais (recado direto para o parlamento britânico, em especial para seus aliados de governo);
5) Tratamento igual para os estados-membros.

Da negociação destes cinco pontos vai depender a posição que ele assumirá no referendo, quando de sua realização. 

A reação da mídia alemã a essa carta de reivindicações foi bastante moderada. Quase todos os jornais ressaltaram que sua estratégia pode ser perigosa e ter o ar de uma “chantagem”, mas que sua análise não está equivocada. Também esta reação pode ser compreendida. Boa parte dos agentes políticos e econômicos alemães temem que, com um reforço dos poderes de Bruxelas (Comissão Européia), de Estrasburgo (Parlamento Europeu) e de Frankfurt (Banco Central Europeu), a Alemanha tenha de dar contribuições financeiras maiores para tentar debelar a crise financeira em que a Zona do Euro e o continente como um todo se debatem. Vários jornais reforçaram a tese de que “Cameron não está só” em seu discurso.

O primeiro-ministro britânico tentou acalmar mais ainda os ânimos quando de sua participação na abertura do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, no dia seguinte, quando deu garantias de que não quer ver Londres fora da União Européia (aliás, o presidente Barack Obama fez-lhe um pedido direto neste sentido). Mas pode-se ver que Cameron está pressionado pela situação política interna de seu país e de seu partido. Em ambos cresce o número de “eurocéticos”, como se diz por aqui. O apoio à permanência do Reino Unido na UE, que era de 51% em 2011, caiu para 45%, enquanto o apoio à saída estáem 40%. Políticos “eurocéticos” vêem seu prestígio aumentar fora do Partido Conservador e dentro dele também. E se a eleição fosse hoje, os trabalhistas retornariam ao poder.

Uma situação difícil, portanto, para Cameron digerir. Mas, felizmente para ele, ele não é Papandreou, em 2011 o dirigente de um país que, na ocasião, teve um tratamento digno de alguém que fosse “de segunda mão”. Ninguém vai fazer isso com Cameron, muito menos com a City (o centro financeiro londrino). Afinal, todos podem merecer, como quer a quinta reivindicação de Cameron, tratamento igual. Mas alguns são “mais iguais” do que os outros.


A justiça econômica segundo Martin Luther King


Em meio aos debates sobre Lincoln, a escravidão e a posse de Obama, Osagyefo Sekou, fundador da Igreja da Liberdade de Nova York, comenta neste artigo o papel histórico de Martin Luther King, que não somente dizia “não” à segregação, mas também à injustiça econômica: “Eu estou convencido de que a abordagem mais simples se provará a mais efetiva – a solução para a pobreza é sua abolição imediata por uma medida já muito discutida: a renda garantida”.


“Querida, eu sinto muito sua falta. Na verdade, muito para meu bem. Eu nunca havia percebido que você era parte tão íntima de minha vida”, escreve um jovem estudante de pós-graduação, Martin Luther King Jr., à sua amada, Coretta Scott. Eles separaram-se por alguns meses porque Martin teve que ir a Atlanta após seu primeiro ano como estudante PhD na Escola de Teologia da Universidade de Boston. A carta de Martin começa por partilhar a saudade que ele sente. Afiando a oratória que capturaria a consciência de uma nação, escreve Martin: “minha vida sem você é como um ano sem primavera, que vem iluminar e aquecer a atmosfera saturada pela gelada brisa do inverno”.

Voltando-se para “algo mais intelectual”, Martin indica que havia terminado de ler o “fascinante” livro de Bellamy. Em abril de 1952, Coretta o enviou uma cópia do romance socialista de Edward Bellamy, Looking Backward 2000-1887. Ela registrou o presente com uma nota expressando seu interesse pela reação de Martin à “predição de Bellamy sobre nossa sociedade”. Escrito em 1888, o romance de ficção-científica se passa no ano 2000. A protagonista da obra, Julian West, acorda de um cochilo de 130 anos para perceber que os Estados Unidos haviam se transformado numa sociedade socialista. West oferece uma crítica assombrosa das práticas religiosas do século XIX:

Na melosa carta de amor de julho de 1952, Martin agradece Coretta “um milhão de vezes” por tê-lo apresentado a um livro “tão estimulante”. Após caracterizar Bellamy como um “profeta social”, Martin faz uma confissão notável: “eu sou mais socialista do que capitalista em minha teoria econômica”. Ele continua por dizer que o capitalismo durou mais tempo do que deveria. Para o jovem estudante, o capitalismo é “um sistema que toma necessidades das massas para oferecer luxúrias às classes abastadas”. No entanto, Martin acredita que a profecia de Bellamy é prematura porque “o capitalismo vai precisar de mais de meio século para morrer”. King celebra a nacionalização da indústria que se dá no romance. Ao passo que rejeita o marxismo e o materialismo dialético, ele divide com sua futura esposa que concorda com a tese básica de Bellamy.

O Reverendo Martin Luther King Junior
A casa de King em Sweet Auburn sempre foi atuante na política racial e no radicalismo religioso. Seu pai, o venerável “Papai” King, fundou, em Sweet Auburn, a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor e trabalhou para melhorar as condições educacionais do povo negro de Atlanta. O avô e bisavô de King eram pregadores do evangelho que criam que a igreja deve melhorar a situação social da população.

Formado pelo cristianismo social negro segundo o qual a cristandade deve ocupar-se tanto da salvação pessoal quanto da social, King cresceu imerso na tradição dos clérigos estadistas – Benjamin Mays, Mordecai Johnson e Howard Thurman. Thurman, Mays e Johnson fizeram peregrinações para a Índia para estudar os ensinamentos de Mahatma Gandhi. Eles eram grandes referências para o jovem estudante do Morehouse College. King sempre viajou com uma cópia da reprimenda teológica de Howard Thurman à segregação – Jesus e os Deserdados. Como pós-graduando da Universidade de Boston, King conduziu, além da própria peregrinação à Índia, um seminário sobre a filosofia da não-violência.

Mais para o final da carta, King afirma uma visão profética. Com esperança, trabalho e oração, King aspirava por “um mundo sem guerras, uma melhor distribuição da riqueza, e uma irmandade que transcenda a raça e a cor. É este o evangelho que pregarei para o mundo”.

O furacão da história testaria a resolução do jovem teólogo. Do boicote aos ônibus em Montgomery à marcha de Washington, da campanha de Birmingham até o Prêmio Nobel da Paz, King manteve firme seu comprometimento com a não-violência e o cristianismo social negro. Em 30 de setembro de 1961, King proferiu um sermão com o tema “Pode um cristão ser um comunista?” em sua igreja batista. No sermão, Martin levantou a questão da desigualdade. “Ninguém precisa ser comunista para se preocupar com isso. Eu digo a vocês que só 0,1 por cento da população desta nação controla quase metade da riqueza, e eu não me importo de dizer que há algo de errado nisso”.

Com Lincoln vigiando os nobres herdeiros da Proclamação da Emancipação, o Reverendo Martin Luther King Junior deu testemunho para uma nação que impacientava-se com a opressão racial e econômica. Durante o agora onipresente discurso “Eu Tenho um Sonho”, King articulou a “feroz urgência do agora”. Ele insistiu em apontar que os Estados Unidos não poderiam contentar-se enquanto o a mobilidade social do “povo negro é aquela que vai de um gueto menor para um gueto maior”.

No celebrado discurso contra a Guerra do Vietnã, King lembrou-se de Coretta e falou de seu evangelho para o mundo. No dia 4 de abril de 1967, Martin subiu ao púlpito da catedral do Protestantismo Liberal – a Igreja de Riverside. De maneira vagarosa e triste, ele apelou para que sua nação se libertasse de sua desorientada aventura no Sudeste Asiático:

“eles perguntam-me, ‘por que você está falando da guerra, Dr. King? Por que você se junta ao coro dos descontentes? Você não se vê prejudicando uma causa que pertence a seu próprio povo?’ E, quando eu os escuto, apesar de conhecer a origem dessa inquietude, me vejo muito entristecido. Essas perguntas significam que eles não conhecem a mim, meu compromisso, meu chamado... À luz dessas trágicas incompreensões, eu julgo de suma importância expor com clareza a razão pela qual creio que o caminho iniciado na Igreja Batista da Avenida Dexter – a igreja em Montgomery, Alabama, onde comecei meu pastorado – trouxe-me até aqui. Eu estou aqui para fazer um apelo apaixonado para minha querida nação”.

A justiça econômica segundo Martin Luther King
Um dos movimentos mais ardentes de seu discurso sublinha os impactos da Guerra do Vietnã na “Guerra à Pobreza”. Um ano antes de seu discurso, King atentou para a pobreza que o norte dos Estados Unidos atravessava. Compreendendo que o fim da segregação nas lanchonetes era só parte da solução, King é citado por colegas por ter dito que, após chegar a uma lanchonete, o homem precisa de dinheiro para comprar um hambúrguer. Acabar com a segregação, de acordo com King, não custou um centavo à nação, que deveria agora gastar muito dinheiro com programas de combate à pobreza.

Em 1966, King mudou-se para um conjunto habitacional no gueto de Chicago. A intenção de King e de sua organização, a Conferência dos Líderes Cristãos do Sul (SCLC, do inglês), era a de usar a “força moral do movimento de não-violência para erradicar um sistema perverso que procura continuar colonizando milhares de negros num ambiente miserável”. A campanha levou King a enfrentar a pobreza urbana e a privação econômica. A contar desse momento, Martin trouxe para sua crítica à Guerra do Vietnã a conexão com a pobreza dos guetos estadunidenses.

“Há uma conexão muito óbvia entre a Guerra do Vietnã e a luta que empreendemos nos Estados Unidos. Há alguns anos essa luta conheceu um momento brilhante. Parecia haver uma verdadeira esperança para o povo pobre, seja ele branco ou negro, em virtude do Programa Contra a Pobreza. Então, veio o Vietnã. Os fundos necessários não serão investidos enquanto aventuras como a do Vietnã continuarem a puxar homens e dinheiro como um tubo de sucção demoníaco. Eu tornei-me, pois, obrigado a enxergar a guerra como uma inimiga dos pobres”.

Pouco mais de um mês após esse discurso, King foi à NBC participar do “The Frank McGee Sunday Report”. Lá, o Reverendo acrescentou sua voz à dos dissidentes com base em sua convicção moral e sua obrigação ministerial. Durante a entrevista, ele recusou a acusação de que o movimento pelos direitos civis estava morto. King argumentou que o movimento havia entrado numa nova fase – a da justiça econômica.

“Por 12 anos nós lutamos para contra a segregação legal e toda a humilhação que a cercava. Era uma luta por decência. Agora nós buscamos igualdade genuína enfrentando questões sociais e econômicas duríssimas. É bem mais fácil pôr fim à segregação nas lanchonetes do que garantir um salário. É bem mais fácil pôr fim à segregação nos ônibus do que conseguir um programa que force o governo a gastar bilhões de dólares em bairros miseráveis”.

Após reconhecer o número desproporcional de afro-americanos morrendo nos pântanos vietnamitas, King comenta que afro-americanos também morriam, espiritual e psicologicamente, nos guetos estadunidenses.

O Reverendo não somente dizia “não” à segregação, também à injustiça econômica. Essa foi sua última cruzada. Tendo contado com o apoio do governo federal para alcançar os objetivos do movimento pelos direitos civis, a nova fase do movimento desafiava o governo a dedicar bilhões de dólares para acabar com a pobreza. Com esse objetivo, King e a SCLC lançaram a Campanha do Povo Pobre. Em 1968, a Campanha do Povo Pobre questionava por que as grandes corporações tinham lobistas, enquanto 35 milhões de pessoas vivendo na pobreza não. Com a montagem de uma coalizão multirracial pelo povo pobre, a campanha planejava ir a Washington e ocupar a capital nacional até que o Congresso aprovasse uma lei garantidora de renda.

Em seu último livro, Where Do We Go From Here: Chaos or Community? [Para onde vamos daqui: caos ou comunidade?], King deu voz a ainda mais uma possibilidade socialista e democrática. “Eu estou convencido de que a abordagem mais simples se provará a mais efetiva – a solução para a pobreza é sua abolição imediata por uma medida já muito discutida: a renda garantida”, escreveu King. Durante uma de suas últimas reuniões, ele pediu para que desligassem o gravador e disse que era um socialista democrático, apesar de que poderia dizê-lo em público sem perder ainda mais apoio popular.

Com a bala do assassinato já polida e pronta para encher a nação de cólera, King foi ao púlpito sagrado do pentecostalismo negro. Em defesa dos trabalhadores do saneamento, King disse uma palavra sobre o próprio legado. Sempre ligando os pontos, ele fez um pedido aos que o escutavam na Igreja de Deus em Cristo de Mason Temple. Ele disse que duas grandes corporações, Coca-Cola e Wonder Bread, não estavam tratando como deveriam as crianças de Deus. E, então, solicitou um boicote econômico a essas companhias. Em Trumpet of Conscience [Trombeta da Consciência], King instigava a organização de deslocamentos em massa que ressaltassem a injustiça econômica.

Muito após o silenciamento do profeta norte-americano, suas palavras mantém uma precisão assustadora. Nos últimos dois anos, cidadão comuns de todo mundo – Egito, Palestina, Tunísia, Wall Street, Grécia, Paris e Londres – carregaram suas palavras e seu espírito enquanto arriscavam as próprias vidas para libertarem-se da tirania e da pobreza.


*O Reverendo Osagyefo Sekou é escritor, documentarista, teólogo e intelectual público. Considerado um dos maiores líderes religiosos de sua geração, Sekou é o fundador da Igreja da Liberdade de Nova York.

Tradução de André Cristi

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O ilusório abismo fiscal dos EUA



A criação dos $13 trilhões em dívidas para o salvamento dos bancos não foi acusada de ameaçadora à estabilidade econômica. Ela permitiu aos bancos prosseguirem pagando seus salários exorbitantes, bônus e dividendos. Esses pagamentos ajudaram o 1% a receber 93% do rendimento de 2008. O resgate, assim, polarizou a economia, dando ao setor financeiro mais poder sobre o setor produtivo, os consumidores e o governo do que era o caso desde o século XIX, após a Guerra de Secessão. O artigo é de Michael Hudson.


Quando em agosto de 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial, economistas de ambos os lados do front previram que as hostilidades não poderiam durar mais de seis meses. As guerras tornavam-se caras o bastante para que governos ficassem sem dinheiro rapidamente. Parecia que, se a Alemanha não derrotasse a França na primavera, tanto os Aliados quanto os Impérios Centrais ficariam sem salvaguarda e alcançariam o que hoje se chama de abismo fiscal, sendo assim forçados a negociar um acordo de paz.

Mas a Grande Guerra estendeu-se por quatro anos. Governos europeus fizeram o que os Estados Unidos haviam feito depois de começada a Guerra Civil em 1861, quando o Tesouro decidiu por imprimir dinheiro. Eles pagaram pela batalha simplesmente imprimindo mais do próprio dólar. Suas economias adquiriram firmeza e não houve mais inflação, o que aconteceria apenas depois de terminada a guerra, como resultado da tentativa alemã de pagar pelas reparações em moeda estrangeira. Foi essa a causa da queda da taxa de câmbio, que aumentou o preço da importação e dos produtos domésticos. O culpado não foi o gasto com a guerra (muito menos qualquer gasto com programas sociais).

Mas a história é escrita pelos vencedores. E as últimas gerações viram os bancos e o setor financeiro vencendo. Mantendo os 99% de baixo endividados, o 1% de cima atualmente subsidia uma teoria econômica enganadora que persuade eleitores a preferirem políticos que beneficiam o setor financeiro em detrimento do setor produtivo e da democracia.

Os lobistas de Wall Street culpam o desemprego e a perda de competividade industrial decorrentes dos gastos públicos e do déficit orçamentário – principalmente os que envolvem programas sociais. O mito (talvez nós devamos chamá-lo de junk economics) diz que (1) governos não deveriam executar déficits (não por imprimir a própria moeda, pelo menos) porque (2) a criação de dinheiro público e impostos altos aumentam preços. A cura para o mal-estar econômico (que a própria junk economics causou) é diminuir gastos públicos e impostos sobre ricos, que se autoproclamam “criadores de empregos”. Ao requisitarem o excedente orçamentário, os lobistas dos bancos prometem que a economia terá poder de consumo suficiente para crescer. E, se isso resulta em mais crise, eles insistem que um pouco mais do dinheiro público deve ser usado para pagar as dívidas do setor privado.

A verdade é que quando os bancos enchem a economia de dívidas, faz-se com que menos seja gasto em bens domésticos e serviços. Enquanto isso, sobe o preço da moradia (e do custo de vida) com crédito excessivo e termos de empréstimo mais folgados. E os lobistas dos bancos pedem deflação fiscal. O efeito é a ainda maior redução da demanda ao setor privado, o afundamento do mercado de trabalho e o crescimento do desemprego. Os governos caem em desespero e são advertidos a vender recursos naturais, empresas públicas e outros bens. Isso torna o mercado lucrativo para que empréstimos bancários financiem a privatização a crédito. Assim se explica o apoio dos lobistas do mercado financeiro ao direito de aumentar preços de necessidades básicas, direito que acaba por criar uma frente pela extração de renda. O efeito é o enriquecimento do 1% dono do setor financeiro às custas do endividamento de indivíduos, negócios e do próprio governo.

Essa política foi exposta como destrutiva no final dos anos 1920 quando John Maynard Keynes, Harold Moulton e alguns outros rebateram as afirmações de Jacques Rueff e Bertil Ohlin. Segundo estes, dívidas de qualquer magnitude poderiam ser pagas se governos impusessem austeridade suficientemente profunda. Essa é a doutrina adotada pelo Fundo Monetário Internacional e pelos neoliberais europeus. O primeiro impõe seus princípios sobre os caloteiros do Terceiro Mundo desde 1960, os últimos sobre Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal.

Dada a opção de imprimir dinheiro em vez de aumentar impostos, por que políticos só criam novo poder de consumo para bancar guerras? Por que os governos devem taxar aposentadorias, não Wall Street? Por que o governo norte-americano não imprime dinheiro para pagar a Segurança Social e o Medicare assim como criou novas dívidas em virtude dos $13 trilhões (eu voltarei a esta questão mais tarde)?.

A resposta a essas questões tem pouco a ver com mercados ou com teoria monetária. Banqueiros dizem que, se tiverem que pagar mais seguros de depósito para salvar o Tesouro ou o contribuinte, terão que cobrar mais dos clientes, apesar dos correntes recordes lucrativos. Quando se trata de taxar o trabalho, porém, eles apoiam outra modalidade fiscal.

Colocar as taxas sobre os ombros dos trabalhadores e da indústria é alcançado por cortar gastos com o 99%. Essa é a raiz das discussões de dezembro de 2012 sobre se se deve ou não impor as políticas anti-déficit propostas pela comissão Bowles-Simpson, nomeada pelo presidente Obama em 2010. Derramando lágrimas de crocodilo em razão da incapacidade do governo em equilibrar o orçamento, os bancos insistem que 15,3% do imposto que financia a Medicare e a Segurança Social seja estorvado – como se isso não aumentasse o custo de vida e diminuísse o poder de compra dos consumidores. Empregadores e sua força de trabalho são advertidos a guardar dinheiro para a Segurança Social ou outros programas públicos. Esse é um imposto disfarçado sobre os 99%, cujos rendimentos são usados para reduzir o déficit orçamentário para que impostos possam ser cortados do mercado financeiro e do 1%. Parafraseando Leona Helmsley quando disse que “só as pessoinhas pagam impostos”, o mote pós-2008 é que só os 99% devem perder.

Não é mais necessário guardar dinheiro para a Segurança Social do que é para financiar a guerra. Vender títulos do Tesouro para pagar aposentados tem efeitos monetários e fiscais idênticos a vender novos valores imobiliários. É uma charada para transferir a carga tributária para o setor produtivo. Governos precisam prover a economia com dinheiro e crédito para expandir mercados e empregos. E eles o fazem por executar déficits orçamentários, o que também pode ser feito por criar dinheiro. A isso é que bancos opõem-se, dizendo que tal medida conduz a economia mais à hiperinflação do que ao crescimento.

A lógica por trás dessa acusação errônea não são senão os interesses dos próprios banqueiros. Banqueiros sempre lutaram para impedir que o governo criasse seu próprio dinheiro – ao menos em tempos de paz. Por muitos séculos, títulos do governo eram os maiores e mais seguros investimentos para as elites financeiras. Investidores e corretores monopolizavam as finanças públicas. O mercado de ações e títulos de corporações era prenhe de fraudes e dominado por informantes das grandes trustes que Wall Street organizava, além dos corretores britânicos e franceses.

No entanto, havia pouca alternativa para que governos criassem seu próprio dinheiro quando os custos da guerra excediam de longe o volume de economias nacionais ou receitas tributárias disponíveis. Essa necessidade óbvia silenciou a costumeira oposição montada por banqueiros para limitar a opção da moeda pública, o que mostra que governos podem fazer mais em estado de emergência do que em condições normais. E a crise financeira de setembro de 2008 proporcionou uma oportunidade para que os governos norte-americano e europeus criassem novas dívidas em função do resgate aos bancos, tão caro quanto uma guerra. Com efeito, era uma guerra financeira. Os bancos já haviam capturado as agências regulatórias para que empreendessem empréstimos irrefletidos e uma onda de fraudes e corrupção não vista desde a década de 1920.

A primeira vitória dos banqueiros foi incapacitar o Tesouro, a Reserva Federal e a Controladoria da Moeda de regular o setor financeiro. Gigantes de Wall Street têm poder de veto na nomeação de administradores dessas agências. Eles usaram esse ponto de apoio para eliminar qualquer candidato que não os favorecesse, preferindo adeptos da desregulamentação do naipe de Alan Greenspan e Tim Geithner. Como sentenciou John Kenneth Galbraith, uma pré-condição para a obtenção de um cargo num banco central é visão de túnel quando se trata de entender que governos podem criar crédito tão prontamente quanto bancos. É necessário que a lealdade política do candidato esteja com os bancos. 

Após a ruína financeira de 2008, bastou alguns comandos de computador para que o governo norte-americano criasse $13 trilhões em dívidas para salvar os bancos de danos pelos temerários empréstimos ao mercado imobiliário, apostas arbitrárias e fraudes descaradas. Os $800 bilhões do Programa de Alívio a Ativos Problemáticos (Tarp) mais os $2 trilhões da Reserva Federal permitiram aos bancos que continuassem pagando absurdos para executivos e possuidores de títulos sem quaisquer obstruções enquanto o rendimento dos outros 99% da população estadunidense submergia.

Um novo termo, capitalismo-cassino, foi cunhado para descrever a transformação pela qual passou o capitalismo financeiro após a desregulamentação dos anos 1980, abridora das porteiras para que bancos fizessem o que governos faziam em tempos de guerra: criar dinheiro e novas dívidas públicas por simplesmente ”imprimir” (utilizando teclados de computador, neste caso).

Tomar para as contas públicas as falidas agências de hipoteca Fannie Mae e Freddie Mac custou $5.2 trilhões, mais de um terço dos $13 bilhões usados no resgate. Isso salvou os possuidores de títulos de sofrerem perdas em virtude das avaliações fraudulentas sobre hipotecas com as quais o Countrywide, o Bank of America, o Citibank e outros bancos “grandes demais para falir” se meteram. Esse enorme crescimento de dívidas foi produzido sem aumento de impostos. Com efeito, os cortes feitos na administração Bush proporcionaram maiores reduções para os mais ricos, também maiores contribuintes da campanha republicana. Privilégios fiscais foram oferecidos a bancos. A Reserva Federal apresentou linha livre de crédito (flexibilização quantitativa) para o sistema bancário por somente 0,25% de juros anuais até 2011 – isto é, um quarto de um por cento, sem questionamento da validade das hipotecas e de seus bens colaterais.

A criação dos $13 trilhões em dívidas para o salvamento dos bancos não foi acusada de ameaçadora à estabilidade econômica. Ela permitiu aos bancos prosseguirem pagando seus salários exorbitantes, bônus e dividendos, além das contrapartes de suas apostas arbitrárias. Esses pagamentos ajudaram o 1% a receber 93% do rendimento de 2008. O resgate, assim, polarizou a economia, dando ao setor financeiro mais poder sobre o setor produtivo, os consumidores e o governo do que era o caso desde o século XIX, após a Guerra de Secessão.

Tudo isso torna a atual guerra financeira parecidíssima com as consequências da Primeira Guerra Mundial. O efeito é o empobrecimento dos perdedores, a apropriação de ativos públicos pelos vencedores e a imposição de dívidas e impostos como nos tempos da cobrança de tributos. “A crise financeira tem sido tão devastadora economicamente quanto uma guerra mundial e talvez seja um fardo a ser carregado até por nossos netos”, observou recentemente Andrew Haldane, oficial do Banco da Inglaterra. “Em termos de perda de rendimento e produção, a crise foi tão ruim quanto uma guerra mundial”, disse. O aumento da dívida pública sempre incitou a convocação de austeridade econômica. “Seria surpreendente se as pessoas não estivessem se perguntando sobre o que deu errado com as finanças”.

Mas, enquanto o setor financeiro estiver vencendo a batalha contra a economia, ele preferirá que todo mundo pense que não há alternativas. Tendo tomado para si tanto o domínio da economia quanto das políticas econômicas, o setor financeiro busca manter estudantes, eleitores e a mídia longe de perguntarem-se o motivo pelo qual a organização deve se dar desta maneira. Uma vez que busquem tal questionamento, as pessoas podem se dar conta de que os sistemas bancário, de segurança social e de financiamento da dívida pública não necessariamente devem organizar-se assim. Há melhores alternativas para o atual caminho de austeridade e escravidão econômicas.

(*) Michael Hudson é presidente do Instituto de Estudos de Tendências Econômicas, um analista financeiro de Wall Street e professor de economia da Universidade de Missouri. Mantém um site com escritos sobre finanças e o setor imobiliário. http://michael-hudson.com/

Tradução de André Cristi

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A AGENDA POLÍTICA DO ANO NOVO: PACTO ADVERSATIVO X PACTO PROGRESSISTA



Basta um 'mas' depois das vírgulas. Pronto. Cria-se um marco zero em torno do qual pontifica-se livremente sobre o futuro do país: tudo está por fazer. É esse o motor do editorial da Folha desta 4ª feira, sugestivamente intitulado 'Reforma Geral'. Ou  vassourão de fim de ano.Ou 'chamada geral ao pacto conservador contra o governo Dilma'. A cobrança por avanços sintetiza um roteiro de regressão. A razão pode ser resumida num dado: 40 milhões de brasileiros saltaram da pobreza para o mercado  de consumo no ciclo Lula.O país foi pensado por uma elite que achava de bom tamanho governar para 30%  da sociedade. A luta política atual é para  readequar uma coisa a outra. A ponte chama-se ciclo de investimentos.Não é um problema do PT ou da Dilma. Tem a ver com a próxima década. Com a  próxima geração.Pode ou não confirmar as possibilidades e esperanças no pré-sal. Pode ou não viabilizar a travessia de 40 milhões de novos consumidores em novo sujeito histórico.As forças progressistas que pavimentaram a caminhada de  2003  até  o ponto atual, precisam urgentemente repactuar as bases de sua aliança para impulsionar o processo.É preciso conversar antes que as diferenças se transformem em distanciamento e o estranhamento em fragmentação. Cabe ao governo Dilma a iniciativa do jogo. (LEIA MAIS AQUI)

Bancos contra povos: os bastidores de um jogo manipulado

Este segundo artigo desta série mostra como o Banco Central Europeu e a Reserva Federal norte-americana se puseram ao serviço dos grandes bancos privados e não do interesse da população dos países. Os bancos foram confrontados com a ameaça de não conseguirem pagar as dívidas. Foi então que o BCE recomeçou a comprar, em grandes quantidades, títulos de dívida pública grega, portuguesa, irlandesa, italiana e espanhola, para fornecer liquidez aos bancos. O artigo é de Eric Toussaint.



*) Leia também o primeiro artigo desta série: 2007-2012: seis anos que abalaram os bancos.

O BCE e o Fed ao serviço dos grandes bancos privados

A atividade do Banco Central Europeu e do Fed |1|
Os bancos europeus entraram numa fase crítica a partir de junho de 2011. A situação era quase tão grave como após a falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Muitos deles estavam à beira da asfixia, porque as suas enormes necessidades de financiamento a curto prazo (alguns bilhões de dólares) deixaram de ser satisfeitas pelos money market funds americanos, que consideravam que a situação dos bancos europeus era cada vez mais arriscada |2|. 

Os bancos foram confrontados com a ameaça de não conseguirem pagar as dívidas. Foi então que o BCE, na sequência de uma cúpula europeia, que se realizou de urgência a 21 de julho de 2011 para fazer face a uma série de possíveis falências bancárias, recomeçou a comprar, em grandes quantidades, títulos de dívida pública grega, portuguesa, irlandesa, italiana e espanhola, para fornecer liquidez aos bancos e aliviar o peso de uma parte dos títulos que tinham comprado avidamente no período anterior. Mas não foi suficiente. 

A derrocada do preço das ações dos bancos na bolsa continuava. Para os patrões dos bancos, agosto foi o mês de todos os perigos. A abertura pelo BCE, em setembro de 2011, de uma linha de crédito ilimitada, em concertação com o Fed, o Banco de Inglaterra e o Banco da Suíça, foi decisiva para manter à tona os bancos europeus: os bancos com falta de dólares e de euros foram colocados sob observação. Começaram a respirar outra vez, mas a medida foi insuficiente. A descida aos infernos continuava.

Entre 1º de janeiro e 21 de outubro de 2011, a atividade da Société Générale caiu 52,8%, a do BNP Paribas, 33,3%, a do Deutsche Bank, 28,8%, a do Barclays, 30,5%, a do Credit Suisse, 36,7%. O BCE teve de utilizar a sua bazuca LTRO (Long Term Refinancing Operation): emprestou mais de um bilião de euros, a um prazo de três anos e a um juro de 1%, a mais de oitocentos bancos, entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012.

O Fed fez praticamente o mesmo, desde 2008, a uma taxa oficial ainda menor: 0,25%. Na verdade, como revelou, em julho de 2011, um relatório do GAO (equivalente nos Estados Unidos ao Tribunal de Contas), o Fed emprestou 16 trilhões de dólares a uma taxa de juro inferior a 0,25% |3|. O relatório mostra que, ao agir desse modo, o Fed não respeitou as suas próprias regras prudenciais e não informou o Congresso sobre o sucedido. 

De acordo com uma comissão de inquérito do Congresso dos Estados Unidos, o conluio entre o Fed e os grandes bancos privados era evidente: «O diretor-geral do JP Morgan Chase era membro da Reserva Federal de Nova Iorque, na altura em que o “seu” banco recebia ajuda financeira do Fed, no valor de 390 mil milhões de dólares. Além disso, o JP Morgan Chase servia também de intermediário para o crédito de urgência concedido pelo Fed |4|». 

De acordo com Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês, e Pierre Larrouturou, economista, que se baseiam numa investigação realizada pela agência financeira nova-iorquina, Bloomberg, o Fed teria emprestado parte da quantia acima mencionada a um juro ínfimo: 0,01%. Michel Rocard e Pierre Larrouturou afirmam no jornal Le Monde: «Depois de ter desbravado 20.000 páginas de vários documentos, a Bloomberg mostra que a Reserva Federal emprestou secretamente a bancos em dificuldades a quantia de 1,2 trilhões, a juros incrivelmente baixos, de 0,01%» |5|. 

Os autores perguntam: «É normal que, em caso de crise, os bancos privados, que habitualmente se financiam a juros de 1% junto dos bancos centrais, possam beneficiar de taxas de 0,01%, quando alguns estados em plena crise são obrigados a pagar juros 600 ou 800 vezes mais elevados?»

Os principais bancos europeus também tiveram acesso a empréstimos do Fed até ao início de 2011 (o Dexia recebeu 159 bilhões de dólares de empréstimos |6|, o Barclays recebeu 868 bilhões de dólares, o Royal Bank of Scotland, 541 bilhões de dólares, o Deutsche Bank, 354 bilhões de dólares, o UBS, 287 bilhões de dólares, o Credit Suisse, 260 bilhões de dólares, o BNP Paribas, 175 bilhões de dólares, o Dresdner Bank, 135 bilhões de dólares, a Société Générale, 124 bilhões de dólares). O fato de o financiamento dos bancos europeus, via Fed, ter secado (nomeadamente sob pressão do Congresso norte-americano) foi uma das razões que levou também os money market funds norte-americanos a fecharem a torneira dos empréstimos aos bancos europeus, a partir de maio-junho de 2011.

Quais as consequências da entrega de 1 trilhão de euros aos bancos pelo BCE?

Em 2012, os bancos, a nadarem em liquidez, compraram, em grandes quantidades, títulos de dívida pública dos seus países. Vejamos o exemplo de Espanha. Os bancos espanhóis pediram emprestado ao BCE 300 bilhões de euros, a três anos, com um juro de 1%, no âmbito do LTRO |7|. Com uma parte desse montante, aumentaram drasticamente as suas compras de dívida, emitida pelas autoridades espanholas. A evolução é impressionante: em finais de 2006, os bancos espanhóis detinham títulos públicos do seu país no valor de apenas 16 bilhões de euros. Em 2010, aumentam as compras de títulos públicos espanhóis. Detinham 63 bilhões.

Em 2011, a compra volta a aumentar. Os títulos espanhóis, na posse dos bancos, atingem o montante de 94 bilhões. E devido ao LTRO, as aquisições explodem literalmente. O montante duplica no prazo de alguns meses, alcançando os 184,5 bilhões de euros, em julho de 2012 |8|. Convém dizer que se trata de uma operação muito rentável para os bancos. Pedindo emprestado a 1%, compram títulos espanhóis, a 10 anos, com juros que variam entre 5,5 e 7,6%, no segundo semestre de 2012.

Em seguida, vejamos o exemplo de Itália. Entre finais de dezembro de 2011 e março de 2012, os bancos italianos pedem emprestado ao BCE 255 bilhões de euros no âmbito do LTRO |9|. Em finais de 2010, os bancos italianos detinham títulos públicos do seu país no valor de 208,3 bilhões de euros, mas o montante aumenta para 224,1 bilhões no final de 2011, poucos dias após o início do LTRO. Logo de seguida, utilizam a enorme quantidade de créditos que recebem do BCE para comprarem títulos italianos. Em setembro de 2012, os bancos detêm títulos italianos no valor de 341,4 bilhões de euros |10|. Como no caso espanhol, trata-se de uma operação muito rentável: pedem emprestado a 1% e comprando títulos italianos a 10 anos conseguem um juro que varia entre 5 e 6,6% no segundo semestre de 2012.

O mesmo fenômeno aconteceu na maioria dos países da zona euro. Houve relocalização de uma parte dos ativos dos bancos europeus para os países de origem. Em concreto, constata-se em 2012, em cada país, um aumento significativo da fatia de dívida pública na posse de instituições financeiras desse mesmo país. Essa evolução tranquilizou os governos da zona euro, em especial os de Itália e de Espanha, porque descobriram que enfrentavam menos dificuldades vendendo aos bancos os títulos públicos que emitiam. O BCE parecia ter descoberto a solução – emprestando grandes quantias aos bancos privados, salvava-os de uma situação crítica e poupava alguns Estados a lançarem-se em novos planos de resgate bancário. O dinheiro emprestado aos bancos era, em parte, utilizado na compra de títulos de dívida pública de Estados da zona euro, o que fez parar a subida das taxas de juro dos países mais frágeis e até provocou uma diminuição das taxas de juro nalguns países.

É fácil de ver que, do ponto de vista do interesse da população dos países em questão, teria sido necessário adotar uma abordagem completamente diferente: o BCE deveria emprestar diretamente aos Estados a menos de 1% (como acontece com os bancos privados desde maio de 2012) ou mesmo sem juro. Dever-se-ia também socializar os bancos, sob controle cidadão.

Em vez disso, o BCE resolveu proteger os bancos privados, abrindo uma linha de crédito ilimitada, a taxas de juro muito baixas (entre 0,75 e 1%). Os bancos privados deram diferentes usos a esse maná de financiamento público. Como acabamos de ver, por um lado compraram títulos soberanos de países que, sob pressão dos próprios bancos, aceitaram pagar juros altos (entre 5 e 7,6%, a 10 anos), como aconteceu em Espanha e Itália. Por outro lado colocaram uma parte do crédito concedido pelo BCE... no BCE...! Entre 300 e 400 bilhões são depositados pelos bancos, todos os dias, no BCE, a uma taxa de 0,25%, no início de 2012, e a 0%, desde maio de 2012. E por que fazem isso? Porque querem mostrar aos outros banqueiros e aos outros prestadores privados de crédito (money market funds, fundos de pensões, companhias de seguros) que têm cash, em permanência, para fazerem face à explosão de bombas ao retardador que se encontram nas suas contas. Porque se não tivessem esse cash disponível, os potenciais credores afastar-se-iam ou imporiam taxas muito elevadas. Com o mesmo objetivo de tranquilizar os credores privados, compram também títulos soberanos de Estados que não representam risco a curto ou médio prazo: Alemanha, Holanda, França... Os bancos privados são a tal ponto sôfregos que esses Estados podem dar-se ao luxo de lhes vender títulos a dois anos, a uma taxa de 0% ou até mesmo com um rendimento ligeiramente negativo (sem ter em conta a inflação). 

Os juros pagos pela Alemanha e pelos outros países considerados financeiramente sólidos caíram significativamente, devido à política do BCE e ao agravamento da crise nos países da periferia. Houve uma fuga de capital da periferia europeia para o centro. Os títulos alemães são tão fiáveis, que, no caso de ser necessário cash, podem ser vendidos, de um dia para o outro, sem perdas. Os bancos adquirem-nos, não com o objetivo de ganharem dinheiro, mas para terem permanentemente, no BCE ou sob a forma de títulos com liquidez, quantidades de dinheiro disponíveis a fim de darem uma impressão (muitas vezes falsa) de solvência e de estarem prontos para qualquer eventualidade. Os bancos obtêm lucro emprestando a Espanha e a Itália e isso compensa as perdas que possam ter com os títulos alemães. É muito importante notar que os bancos não aumentaram os seus empréstimos a famílias e empresas, apesar de um dos objetivos oficiais dos empréstimos do BCE ser fazer crescer esses créditos para relançar a economia.

Qual o balanço a fazer da atividade do BCE na perspetiva das elites?

Coloquemo-nos, por um instante, no lugar do 1% mais rico, para avaliarmos a atividade do BCE. O discurso oficial considera que o BCE foi bem sucedido na transição do seu antigo presidente, o francês Jean-Claude Trichet, para o novo presidente, Mario Draghi |11|, ex-governador do Banco de Itália e antigo vice-presidente da Goldman Sachs Europa. O BCE e os dirigentes dos principais países europeus conseguiram negociar uma redução da dívida grega, convencendo os bancos privados a aceitarem uma diminuição de cerca de 50% dos seus créditos e assegurando que o governo grego implementaria um novo plano radical de austeridade, que incluísse privatizações em massa, e que concordaria em abrir mão de boa parte da soberania do país. 

Desde março de 2012, os membros da Troika instalaram-se nos ministérios de Atenas para acompanharem de perto as contas do Estado. Os novos empréstimos concedidos à Grécia passam agora diretamente por uma conta controlada pelas autoridades europeias, que a podem, portanto, bloquear. Cereja no topo do bolo, os novos títulos de dívida grega deixaram de ser competência dos tribunais gregos. As novas obrigações emitidas ao abrigo desse programa são regidas por lei inglesa e os conflitos entre o governo grego e os credores privados são arbitrados no Luxemburgo |12|.

Mas não é tudo: sob pressão do BCE e de dirigentes europeus, o governo Pasok, de George Papandreou, muito submisso, mas cada vez mais impopular, foi substituído por um governo não eleito de unidade nacional, Nova Democracia-Pasok, sendo os lugares-chave entregues a ministros provenientes da banca.

Pode-se completar o quadro com mais três boas notícias para o BCE e para os dirigentes europeus: 

1. Silvio Bersluconi foi forçado a demitir-se e foi substituído por um governo de técnicos, aparecendo à cabeça Mario Monti, antigo comissário europeu, muito próximo da banca e capaz de impor aos italianos um aprofundamento das políticas neoliberais |13|. 

2. Na Espanha, o presidente do governo, Mariano Rajoy, do Partido Popular, há alguns meses no cargo, está também pronto a radicalizar as políticas neoliberais do seu antecessor, o socialista José Luis Zapatero. 

3. Os dirigentes europeus |14| chegaram a acordo sobre um pacto de estabilidade, que vai deixar para a posteridade a austeridade fiscal, a perda de soberania nacional por parte dos Estados-membros e uma dose extra de obediência à lógica do capital privado. 

Finalmente, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) vai, em breve, ser acionado, permitindo ajudar mais os Estados e os bancos |15| nas próximas crises do setor bancário, que vão continuar a ocorrer, e dos Estados-Membros que lutam para se financiarem.

Os diferentes exemplos mostram que os líderes europeus, ao serviço do grande capital, conseguem marginalizar o poder legislativo, ignorando as escolhas das eleitoras e dos eleitores. Além disso, onde fica a democracia, quando as eleitoras e os eleitores que pretendem recusar em massa a austeridade já não têm oportunidade de expressar o seu voto, ou quando veem o seu sentido de voto ser anulado, porque a escolha dos eleitores não coincide com a dos governantes, como em 2005, em França e na Holanda, após o «não» ao Tratado Constitucional Europeu, como na Irlanda e em Portugal após as eleições de 2011 e como em França e na Holanda de novo, após as eleições de 2012. Tudo é feito para que a margem de manobra dos governos nacionais e dos poderes públicos seja limitada por um enquadramento europeu cada vez mais restritivo. Trata-se de uma tendência muito perigosa, a menos, é certo, que os governos, apoiados pela população, decidam desobedecer.

Se nos colocarmos, por um instante, na posição de Mario Draghi, dos principais dirigentes europeus e dos bancos, podemos concluir que, em março-abril de 2012, tinham motivos para sorrir. Tudo decorria como previsto.

Os entraves ao sucesso do BCE e dos governos europeus

As nuvens negras chegam depois. A situação complica-se, a partir de maio de 2012, quando o Bankia, o quarto banco espanhol, dirigido pelo ex-diretor-geral do FMI, Rodrigo de Rato, entra em falência técnica. Segundo as fontes, as necessidades dos bancos espanhóis em termos de recapitalização variam entre 40 e 100 bilhões de euros e Mariano Rajoy, que não quer recorrer à ajuda da Troika, está numa posição muito difícil. A juntar a isso, o fato de se sucederem vários escândalo bancários em nível internacional. O caso da manipulação da taxa Libor, a taxa interbancária londrina, é o mais sonante e envolve uma dúzia de grandes bancos. 

Acrescente-se ainda o caso da conduta danosa do HSBC, que envolve lavagem de dinheiro da droga e outros negócios criminosos.

Na França, a maioria dos eleitores afasta Nicolas Sarkozy. François Hollande é eleito em 6 de maio de 2012, mas a mudança não preocupa as instituições financeiras internacionais, que contam com o pragmatismo dos socialistas franceses e dos outros partidos socialistas europeus para darem continuidade à austeridade. Embora convenha ter sempre presente que o povo francês é muito propenso a excessos e suscetível de acreditar que é preciso uma verdadeira mudança.

Na Grécia, a situação é mais tensa para o BCE, pois o Syriza, coligação de esquerda radical que promete revogar as medidas de austeridade, suspender o pagamento da dívida e desafiar as autoridades europeias, está à beira duma vitória eleitoral. Para os defensores da austeridade europeia é preciso impedir a situação a todo custo. Na noite de 17 de junho de 2012 respira-se de alívio no BCE, na sede dos governos europeus e nos conselhos de administração das grandes empresas: o partido de direita, a Nova Democracia, passa à frente da Syriza. Até o novo presidente socialista francês saúda o resultado da eleição. E no dia seguinte os mercados respiram – vão poder manter a via da austeridade, da estabilização da zona euro e do saneamento das contas dos bancos privados.

(continua...)

A parte 3 desta série debruça-se sobre os dois objetivos pretendidos pelos dirigentes europeus: levar a bom porto a maior ofensiva contra os direitos sociais desde a segunda guerra mundial e evitar um novo crash financeiro/bancário, que poderia revelar-se ainda pior do que o crash de setembro de 2008.

Tradução Maria da Liberdade, revisão de Rui Viana Pereira

Eric Toussaint, professor na Universidade de Liège, é presidente do CADTM Bélgica (Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, www.cadtm.org) e membro do conselho científico da ATTAC França. Escreveu, com Damien Millet, AAA. Audit Annulation Autre politique, Seuil, Paris, 2012.

Notas

|1| O Banco de Inglaterra e outros bancos centrais seguem, grosso modo, a mesma política.

|2| Desde agosto de 2011 que descrevo a situação, numa fase em que poucos comentadores financeiros falavam do assunto. Veja-se a série No Cerne do Ciclone: a crise da dívida na União Europeia: «Os bancos financiaram e continuam a financiar os seus empréstimos aos Estados e às empresas europeias graças aos empréstimos que contraem nos money market funds dos EUA. Ora estes ganharam medo pelo que acontece na Europa [...]. A partir de julho de 2011, esta fonte de financiamento a juros baixos quase secou, principalmente à custa dos grandes bancos franceses, o que precipitou uma queda no mercado bolsista e aumentou a pressão exercida pelos bancos sobre o BCE, para que este comprasse títulos fornecendo assim dinheiro fresco. Em resumo, temos aqui mais uma prova da amplitude dos vasos comunicantes entre a economia dos EUA e a dos países da UE. Daí os contactos incessantes entre Barack Obama, Angela Merckel, Nicolas Sarkozy, o BCE, o FMI… e os grandes banqueiros, do Goldman Sachs ao BNP Paribas, passando pelo Deutsche Bank… Uma ruptura dos créditos em dólares, que trazem muito benefício aos bancos europeus, pode provocar uma crise muito grave no velho continente, da mesma maneira que a dificuldade dos bancos europeus em reembolsar os emprestadores norte-americanos pode precipitar uma nova crise na Wall Street» (http://cadtm.org/No-cerne-do-ciclon...). 

Um estudo recente do Banco Natixis confirma a angústia que experimentaram os bancos franceses durante o verão de 2011: Flash Economie, «bancos franceses no turbilhão dos mercados monetários», 29 de outubro de 2012. Lê-se também: «De junho a novembro de 2011, os fundos monetários norte-americanos retiraram, de repente, a maior parte do seu financiamento aos bancos franceses. [...] Foram cerca de 140 mil milhões de dólares de financiamento, a curto prazo, que os bancos franceses não receberam, no final de novembro de 2011, e nenhum foi poupado» (http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...). O fechar da torneira afetou também a maioria dos outros bancos europeus, como mostra o estudo publicado por Natixis.

|3| GAO, Federal Reserve System, Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency Assistance, julho de 2011,http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf. O relatório do Tribunal de Contas (GAO = United States Government Accountability Office) foi realizado devido a uma alteração da lei Dodd-Frank (ver mais à frente), introduzida pelos senadores Ron Paul, Alan Grayson e Bernie Sanders, em 2010. Bernie Sanders, senador independente, tornou-a pública (http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/GAO%20Fed%20Investigation.pdf).

Além disso, de acordo com um estudo independente do Instituto Levy, onde colaboram economistas como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e James K Galbraith, os créditos do Fed atingiram um montante superior ao revelado pelo GAO. Não seriam 16 biliões, mas 29 biliões. Veja-se James Felkerson, «$29,000,000,000,000: A Detailed Look at the Fed’s Bailout by Funding Facility and Recipient», www.levyinstitute.org/pubs/wp_698.pdf

|4| «The CEO of JP Morgan Chase served on the New York Fed’s board of directors at the same time that his bank received more than $390 billion in financial assistance from the Fed. Moreover, JP Morgan Chase served as one of the clearing banks for the Fed’s emergency lending programs»,http://www.sanders.senate.gov/newsroom/news/?id=9e2a4ea8-6e73-4be2-a753-...

|5| Michel Rocard e Pierre Larrouturou, «Pourquoi faut-il que les Etats payent 600 fois plus que les banques?», Le Monde, edição de 3 de janeiro de 2012

|6| Ver o relatório do GAO, mencionado mais acima, na p. 196, que refere empréstimos ao Dexia no valor de 53 bilhões de dólares, o que representa apenas uma parte dos empréstimos concedidos ao Dexia pelo Fed

|7| Financial Times, «Banks plot early repayment of ECB crisis loans», edição de 15 de novembro de 2012, p. 25.

|8| Retirado do diário económico espanhol El Economista

|9| Financial Times, ibid.

|10| Ver: Banco da Itália

|11| Mario Draghi assumiu a presidência do BCE a 1 de novembro de 2011.

|12| Ver http://fr.wikipedia.org/wiki/Crise_.... Ver também Alain Salles e Benoït Vitkine, «Fatalisme face à un sauvetage échangé contre une perte de souveraineté», Le Monde, edição de 22 de fevereiro de 2012,http://www.forumfr.com/sujet448690-....

|13| Mario Monti, primeiro-ministro desde 13 de novembro de 2011, foi nomeado senador vitalício pelo presidente da república, Giorgio Napolitano. Devido à sua nomeação, deixou vários cargos de responsabilidade: a presidência da mais prestigiada universidade privada italiana, a Bocconi, a presidência do departamento Europa, a Trilateral, um dos mais importantes círculos da elite oligárquica internacional, o comité de direção do clube Bilderberg e a presidência do think tank neoliberal Bruegel. Monti foi conselheiro internacional da Goldman Sachs, entre 2005 e 2011 (na qualidade de membro do Research Advisory Council do Goldman Sachs Global Market Institute); foi nomeado Comissário Europeu do Mercado Interno (1995-1999) e foi comissário europeu da Concorrência, em Bruxelas (1999-2004). Foi membro do Senior European Advisory Council da Moody’s e conselheiro da Coca-Cola. É ainda um dos presidentes do Bussiness and Economics Advisory Group do Atlantic Council (um think tank americano que promove a liderança dos EUA) e faz parte da presidência dos Friends of Europe, influente think tank com sede em Bruxelas.

|14| Com exceção do Reino Unido e da República Tcheca.

|15| Numa cimeira europeia, em 21 de junho de 2012, foi decidido que o MEE seria também usado para salvar os bancos. Na ocasião, foi apresentado por Mariano Rajoy como uma vitória, permitindo à Espanha escapar às novas condições impostas pela Comissão Europeia ou pela Troika. Rajoy explicou que a ajuda, que seria concedida pelo MEE aos bancos espanhóis, não seria contabilizada na dívida pública espanhola, o que levou dirigentes de vários países da zona euro (Alemanha, Holanda, Finlândia...) a protestar, assim como o FMI. No final de novembro de 2012, ainda não havia consenso sobre essa questão.