Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar Hoje a palavra organizar virou sinônimo de resistir; assim como rua se tornou equivalente ao verbo lutar

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar

por: Saul Leblon

Roberto Parizotti/ CUT
A história apertou o passo no país e quem não entender isso será atropelado pela velocidade dos acontecimentos.

Esse é um tempo em que jornais de hoje amanhecem falando de um remoto mundo de ontem; tempo em que a tergiversação colide com a transparência; tempo em que nenhum discurso faz mais sentido dissociado da tríade: ‘rua’, ‘resistência’ e ‘organização’.

As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.

De um lado, os interesses da maioria da população; de outro, a coalizão da escória parlamentar com o rentismo e a classe média fascista.


No arremate desse enredo a mídia insufla a venezuelanização do Brasil.

Não é sugestivo do lugar da Folha na história que a edição desta 2ª feira, por exemplo, mostre Paulinho Boca festejado pelo 'povo' e Dilma cercada por uma mosca?

Dilma fez no 1º de Maio do Anhangabaú o melhor discurso de sua vida.

Veja a íntegra de sua fala aqui: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/363835267073690

Sim, Dilma incendiou um ato que começou morno e sem a presença de Lula. Como explicar essa mutação que passou batida aos petizes da mídia pautados no Anhangabaú para alimentar o golpe –de moscas, se possível—e não para fazer jornalismo?

A explicação está no acirramento de um conflito que Lula, Dilma, o PT e todas as forças progressistas e democráticas resolveram encarar de frente, pelo simples fato de que não fazê-lo seria trair o país, o povo e, sobretudo, a esperança na construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo e principal referência da luta pelo desenvolvimento no ocidente.

Todo o discurso da Presidenta Dilma irradiou esse discernimento de que o seu governo e mais que ele, o projeto que ele expressa só tem futuro se tiver o desassombro de ser defendido na rua.

Foi isso que Dilma fez ao levar seu governo à rua do 1º de Maio e lá anunciar um aumento médio de 9% para o Bolsa Família, ademais de reafirmar a prorrogação do Mais Médicos por três anos, corrigir a tabela do IR e adicionar mais 25 mil contratações à linha do Minha Casa vinculada à autoconstrução.

Dilma afrontou assim o martelete midiático do ‘país aos cacos’ , que lubrifica a sociedade para a resignação diante do arrocho embutido na tese do golpe ‘saneador’.

Dilma fez mais que isso ao acusar a sabotagem paralisante contra o seu governo, por parte dos interesses que, derrotados quatro vezes no jogo democrático, resolveram destruir a urna e pisotear seus escombros para chegar ao poder.

A propaganda do jornalismo embarcado sonega esse traço central da encruzilhada brasileira: a ofensiva golpista não é uma consequência da crise; ela é a crise em ponto de fusão.

Em outras palavras, ao contrário do que solfejam os violinistasdo golpe, não existe uma ‘macroeconomia responsável’ (a do arrocho) que vai tirar o Brasil da espiral descendente.

O que existe é um acirramento da luta de classes, a exigir uma repactuação política do país e do seu desenvolvimento. Algo que a plutocracia, a mídia, a escória e o fascismo decidiram elidir por meio do golpe e através dele impor a sua agenda à nação.

‘Eu vou resistir’, disse Dilma ovacionada pela multidão no Anhangabaú que teve o privilégio de participar desse pontapé da resistência de uma Presidenta que passou a governar na rua, pela rua, com a rua.

Esse é o requisito para mudar a correlação de forças e destravar as verdadeiras reformas de que a sociedade e o desenvolvimento necessitam.

A saber: reforma política, para capacitar a democracia a se impor ao mercado; reforma tributária, para buscar a fatia da riqueza sonegada à expansão da infraestrutura e dos serviços; reforma do sistema de comunicação, para permitir o debate plural dos desafios brasileiros –que são poucos, nem se resolvem sem ampla renegociação do desenvolvimento.

Quem rumina desalento diante do gigantismo dessa tarefa menospreza o salto histórico percorrido nos últimos meses.

Há exatamente um ano, um outro comício do dia do trabalhador organizado no mesmo Vale do Anhangabaú foi igualmente desdenhado pelo noticiário –e mesmo por uma parte da esquerda.

Foi tratado como mero evento retórico.

Um ano depois, as ruas do Brasil já não dormem mais.

Um ciclo de grandes mobilizações de massa está em curso no país.

Respira-se a expectativa dos campos de batalha no amanhecer do confronto.


A engrenagem capitalista puro-sangue escoiceia o chão do estábulo. Aguarda os cavalariços do golpe que vem lhe trazer a liberdade para matar.

A chance de que o embate resulte em uma sociedade melhor depende da determinação progressista –acenada no discurso de Dilma-- de assumir a rédea das forças xucras do mercado, para finalmente domá-las a favor do povo e da nação brasileira.

O golpe tornou quase inevitável isso que o ciclo do PT sempre adiou em favor de soluções acomodatícias e avanços incrementais.

A natureza ferozmente excludente de sua lógica revela os limites estreitos e irredutíveis de uma parte da elite brasileira, da qual a mídia se fez porta-voz.

No 1º de Maio do ano passado, Lula –ausente nesse por recomendação médica-- lembrou que a primeira universidade brasileira só foi construída em 1920.

Quatro séculos depois do descobrimento.

Em 1507, em contrapartida, 15 anos depois de Colombo chegar à República Dominicana, Santo Domingo já construía sua primeira universidade.


Tome-se o ritmo de implantação do metrô em São Paulo, em duas décadas de poder tucano.


Compare-se a extensão duas vezes maior da rede mexicana, ou a dianteira expressiva da rede argentina e da chilena.

O padrão não mudou.


Lula criou 18 universidades em oito anos. A elite levou 420 anos para erguer a primeira e Fernando Henrique Cardoso não fez nenhuma.

Há lógica na assimetria.

Para que serve uma universidade se não faz sentido ter projeto de nação; se a industrialização será aquela que a ALCA rediviva permitir e se o pre-sal deve ser entregue à Chevron?

O que Lula estava querendo dizer ao povo do Anhangabaú, então, tinha muito a ver com algo que agora assume nitidez desconcertante nos ‘planos’ do golpismo.

O desenvolvimento brasileiro não pode depender de uma elite que dispensa ao destino da nação e à sorte do seu desenvolvimento o mesmo descompromisso do colonizador em relação aos povos oprimidos.

Uma elite para a qual a soberania é um atentado ao mercado não reserva qualquer espaço à principal tarefa do desenvolvimento, que é civilizar o mercado para emancipar a sociedade e, portanto, universalizar direitos.

Reinventar a soberania no Brasil do século XXI, portanto, implica vencer o golpe e seu projeto de terceirização do Estado e do patrimônio nacional aos mercados.

A devastação do mundo do trabalho e a supressão da cidadania social é a lógica que move o golpismo e os homens-abutres que frequentam seu bazar de ministérios.

O que a elite preconiza nos salões onde se negocia o botim é de uma violência inexcedível em regime democrático e muito provavelmente incompatível com ele.

É como se uma gigantesca engrenagem cuidasse de tomar de volta tudo aquilo que transgrediu os limites de uma democracia tolerada por ser apenas formal, mas que o ciclo iniciado em 2003, com todas as suas limitações, desvirtuou em direção a um resgate social transgressivo para o gosto da elite brasileira.

No lugar disso, o que se pretende instituir agora é um paradigma de eficiência feito de desigualdade ascendente. A Constituição Cidadã de 1988 será retalhada. Programas e políticas sociais destinados a combater a pobreza e a desigualdade de oportunidades serão eviscerados. O que restou da esfera pública, privatizado. A riqueza estratégica do pré-sal e o impulso industrializante contido na exigência de conteúdo nacional serão ofertados no altar dos ditos livres mercados (ou Chevron).

A ambição implica regredir aquém do ciclo de redemocratização que subverteu o capitalismo selvagemente antissocial da ditadura. Como disse Dilma no 1º de Maio: lutamos hoje para preservar tudo o que conquistamos com a redemocratização; mas também tudo o fizemos antes para ter a democracia de volta’.

A petulância chega a tal ponto que na véspera deste 1º de Maio, Michel Temer afagou a bancada ruralista com uma promessa obscena: o golpe revisará todos os decretos de desapropriação de glebas para reforma agrária e demarcações de áreas indígenas assinados por Dilma nos últimos meses.

O confronto é aberto.

Não será vencido só com palavras.

No 1ºde Maio de 2015, o presidente da CUT, Vagner Freitas chamou para a frente do palco dirigentes da Intersindical e da CBT; chamou Gilmar, do MST; chamou Boulos, do MTST, e outros tantos; e através deles convocou quase duas dezenas de organizações presentes.

Vagner apresentou ao Anhangabaú, então, a unidade simbólica da esquerda brasileira, fixada em torno de uma linha vermelha a ser defendida com unhas e dentes: a fronteira dos direitos, contra a direita.

Premonitória, sua iniciativa, já não basta mais para deter uma violência que agora marcha ostensivamente para sua consumação.

A defesa da agenda progressista hoje implica, ademais da unidade das direções, promover a capilaridade da resistência popular.

Comitês de resistência da vizinhança; comitês de resistência nos locais de trabalho; comitês profissionais e sindicais; comitês de amigos; comitês de mães de alunos; comitês por escola...

Sobretudo, urge dotar essa capilaridade de uma prontidão articulada, exercida por uma efetiva coordenação da frente progressista nascida no 1º de Maio de 2015.

Hoje para afrontar o golpe; amanhã para vencer uma nova disputa presidencial, essa rede da legalidade é a tarefa inadiável dos dias que correm.

Por uma razão muito forte: sem ela o próximo 1º de Maio talvez encontre o Vale do Anhangabaú cercado por tropas de um golpe vencedor.

O Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja.

Quando o extraordinário acontece na vida de uma nação é inútil reagir com as ferramentas da rotina.

Hoje a palavra organizar é sinônimo de resistir, assim como o substantivo ‘rua’ tornou-se equivalente ao verbo lutar.

As lideranças populares não podem desperdiçar o significado histórico dessa mutação

As ruas do Brasil já não dormem mais, cabe às lideranças dota-las de sonhos reais.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Executivo de Wall Street que virou blogueiro diz que a máquina pode explodir

por Heloisa Villela, de Nova York
Afinal, onde está a revolta?

A pergunta é cada vez mais frequente nos blogs dos Estados Unidos. Richard Eskow já foi músico, consultor e executivo de Wall Street na área de tecnologia.

Com o título acima ele publicou, recentemente, na internet, um artigo comparando Estados Unidos e Brasil — no qual cita o brasileiro Paulo Freire várias vezes. Quando fala da crescente desigualdade na sociedade norte-americana, ele afirma que a retórica do consenso e da busca de acordo, uma constante na atuação política do presidente Barack Obama, é responsável por boa parte do acirramento dessa desigualdade. Conclui com palavras de Paulo Freire: “Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”. Para explicar porque mudou de carreira para se dedicar ao jornalismo na internet, novamente cita o brasileiro, lembrando que a palavra transforma o mundo.
Eskow conheceu as ideias de Paulo Freire bem cedo, através do pai, que era educador. Ele acha que o momento pede a leitura e os pensamentos do pernambucano.
Apesar de se considerar um otimista, Eskow analisou o processo de concentração de renda nos Estados Unidos e concluiu que ele cria um círculo vicioso: dá ainda mais poder de fogo aos grandes grupos, que investem pesado nas campanhas eleitorais e nos lobbies, para garantir leis ainda mais vantajosas ao capital no Congresso.
Eskow também leva em consideração as denúncias recentes sobre espionagem doméstica. Elas refletem um estado policial cada vez mais opressor, que se une aos interesses financeiros para desmantelar qualquer movimento de massa nascente, como aconteceu com o Occupy. Ainda assim, acredita que é possível vencer toda essa máquina e vê, no temor dos poderosos, sinais de que o caldo eventualmente vai entornar.
Que medo é esse? Ainda bem conectado ao mundo das finanças, ele conta que um amigo economista voltou há pouco de uma reunião na Europa com 100 representantes de instituições financeiras mundiais e perguntou qual era o clima entre os banqueiros. “Eles estão aterrorizados”, disse o amigo.
Por quê? Segundo Eskow, eles analisam as estatísticas, os gráficos e dados econômicos. Sabem que a concentração de renda nas mãos de uma camada cada vez menor da população é uma receita desastrosa. Cria uma situação de instabilidade cada vez maior que pode, a qualquer momento, explodir. E nem por isso eles cedem: a ganância vicia.
Na pergunta do título vai implícito: quando essa panela de pressão vai dar sinal de vida? Enquanto a situação econômica da maioria piora, os norte-americanos continuam calados, trancados em casa, provavelmente achando que são uns fracassados.
Olham para os problemas de forma individual. Não conectam o que estão vivendo com o que se passa com o vizinho, com o colega de trabalho que também perdeu o emprego, com o conhecido que perdeu a casa porque não conseguiu mais pagar as prestações…
Eskow também responsabiliza a mídia norte-americana por essa alienação, já que ela não discute os problemas econômicos que a população enfrenta. “Limita-se ao trivial”, afirma.
Para Eskow — uma versão estadunidense de blogueiro sujo, já que o espaço dele se chama Crooks and Liars, Velhacos e Mentirosos — o Brasil ofereceu um bom contraste ao que se passa na terra de Tio Sam.
Enquanto todos os indicadores mostram que houve uma mudança positiva para os mais pobres e uma ascensão de muitos à classe média no Brasil, ainda assim os protestos explodiram. Ou seja, melhoria e mais protestos (no Brasil). Concentração de renda cada vez maior e silêncio (nos Estados Unidos). Na conversa com o Viomundo, ele analisou essa apatia.
Viomundo – Para responder à pergunta do título do artigo, você menciona a alienação. Como ela é produzida?
RE — Existem vários fatores. Um deles é que quando as pessoas perdem de vista o contraste entre o mundo delas, como ele existe, e o mundo como ele poderia ser — ou até mesmo como era alguns anos atrás — quando as pessoas perdem essa noção do contraste, então usamos a expressão “é como um canário em uma mina de carvão”. Quando o oxigênio vai acabando, o canário não percebe que o ar está acabando até que cai e morre.
Os mineiros levam o canário para a mina porque não sabem quando estão perdendo o ar. Se o canário morre eles sabem que estão prestes a sufocar. Acho que é o que acontece conosco.
Não sabemos que nosso oxigênio econômico está desaparecendo à nossa volta. Acho que parte dessa alienação é porque as pessoas estão com medo. Trabalhando muitas horas, foram forçadas a se endividar, vivem em um estado constante de insegurança. Mas aconteceu tão devagar que não têm nada para comparar com isso. Acham apenas que o mundo é mesmo assim.
Acho que isso é parte do problema. Também há o aprendizado desse conceito de impotência: elas tentam eleger republicanos, depois democratas, vão e voltam — e nada funciona. Então, o desânimo se torna parte do processo.
Acho também que é falta de informação. Nossa mídia, em sua grande maioria, não está enfatizando os problemas econômicos que estão acontecendo. Tende a focar no trivial e não enfatizar o que está acontecendo social e economicamente ou apontar as forças subjacentes a esses problemas. Se você soma todos esses fatores, você tem pessoas altamente insatisfeitas, mas desanimadas e alienadas, que não estão reagindo.
Viomundo – Aqui nos Estados Unidos você ainda tem as redes públicas de rádio e tevê — a PBSe a NPR – que são fortes e discutem assuntos com um pouco mais de profundidade, enquanto no Brasil a internet é que se tornou uma ferramenta importante, especialmente para os jovens, para obter informações e discutir as coisas.  Aqui nos Estados Unidos, você encontra na internet uma grande variedade de opiniões e debates. Por que isso não produz algum tipo de discussão maior?
RE — Acho que existem duas razões. Por um período, isso aconteceu. Especialmente durante a presidência de George W. Bush [2000-2008] quando houve uma quase assustadora uniformidade de cobertura da mídia neste país. Realmente fez a gente sentir quase como uma coisa totalitária a forma como certas notícias não estavam sendo transmitidas. A internet realmente explodiu em matéria de blogs e de mídia alternativa para oferecer uma contra-narrativa durante os anos Bush, especialmente sobre a guerra [do Iraque] e algumas das políticas econômicas…
Mas acho que uma das razões pelas quais ela não é tão efetiva agora é porque, com a eleição de Barack Obama e com a decisão do Obama, em várias áreas, de apoiar interesses econômicos aos quais o Bush também deu apoio, o mundo da internet ficou dividido entre os que queriam continuar lutando contra essas forças econômicas e os que se sentem mais à vontade e até leais quando essas medidas estão sendo promovidas por alguém que é democrata ou parece mais liberal – ao menos culturalmente e socialmente mais liberal, como Obama.
Acho que isso criou uma fragmentação na internet. Agora você tem uma proliferação tão grande de pontos-de-vista que não existe uma força coerente argumentando contra esses interesses econômicos. Nós tivemos um pouco durante o movimento Occupy. Foi um curto espaço de tempo fascinante.
Literalmente, em um período de duas ou três semanas, quando o Occupy surgiu, a parte do mundo da internet e do ativismo social que eram leais ao Partido Democrata – me lembro disso vividamente – reagiu de forma bastante negativa.
Depois, quando o movimento se tornou bem sucedido, tentaram cooptá-lo, se juntar a ele. Depois desapareceram e voltaram às suas velhas práticas. Então, acho que existe uma energia potencial que não foi acionada. Mas por causa dessa fragmentação e da ausência de uma mensagem, essa energia não é coerente e não se articula, como está acontecendo no Brasil.
Viomundo – - Como pode se dar essa articulação, a formulação de uma mensagem mais coerente?
RE – De certa forma, eu bem que gostaria de saber. Mas muitos de nós continuamos tentando responder essa pergunta. Para mim é uma questão de continuar reiterando certas mensagens. Existe um artigo recente a respeito da maneira com que os políticos que servem aos interesses corporativos estão usando a agenda social – como casamento gay e os direitos reprodutivos das mulheres — para dividir a oposição.
São boas causas, mas esses políticos dão ênfase a elas e ignoram ou até representam forças econômicas negativas. Conseguem que as pessoas votem contra seus próprios interesses porque ganham a lealdade delas nas causas sociais.
Então, acho que precisamos manter essas mensagens vivas. Infelizmente, se nada for feito, a pressão vai aumentar tanto que vai se tornar insuportável para as massas. No momento em que isso acontecer, existem várias possibilidades. Nem todas são muito atraentes. Uma delas é que as pessoas podem se virar para uma forma de política demagógica, como você viu aqui nesse país com o Tea Party, tipo super nacionalista, até mesmo potencialmente racista.
Ou poderemos ver a volta a algo mais dedicado à igualdade e justiça social e econômica. Podemos ainda ver o ódio, um ódio niilista. Os que, como eu, pensam que isso é um problema, têm a obrigação de preparar o caminho para a melhor reação possível, quando esse momento vier.
Viomundo – Na cultura norte-americana, existe um sentimento individualista muito forte. O mito de que todo mundo precisa se virar por conta própria, a ideia do desbravador do Oeste, a cobrança de que é preciso sair de casa com 17 anos, não importa a situação… Isso tudo dificulta um pouco a atuação em grupo para mudar a atual situação?
RE – Com certeza! Acho que você colocou o dedo na ferida. Falei rapidamente disso no artigo que você leu. Acho que não há dúvida que tem sido muito útil para certos interesses poderosos continuar reforçando esse mito cultural que diz que as pessoas não existem de forma coletiva, só existem no sentido individual.
A versão de Margareth Tatcher de que não existe sociedade, apenas indivíduos e famílias. Nos Estados Unidos, nós temos todo tipo de expressão e ícones culturais que dizem: você faz as coisas por conta própria.
O outro lado da moeda disso é que se você não pode pagar a prestação da sua casa, se não consegue arrumar um emprego que pague decentemente, então você é um derrotado. Essa sensação de vergonha e culpa cruel e excruciante, paralisa as pessoas, evita que elas ajam.
Acho que essa cultura da individualidade, nos Estados Unidos, é gigantesca. Mas a grande maioria das pessoas perdeu o poder de uma maneira que seria impensável, aqui mesmo, há cinquenta anos, quando tínhamos na presidência Dwight Eisenhower que, apesar de ser republicano e um general, uma figura militar considerada conservadora, mas não de extrema direita, estava bem à esquerda de Barack Obama e da maioria dos políticos democratas de hoje.
Na campanha pela reeleição, Eisenhower falou muito de aumentar a filiação aos sindicatos e incluir mais gente na fila dos programas sociais para que tivessem segurança financeira quando ficassem mais velhos ou ficassem impossibilitados de trabalhar por problemas de saúde.
Tínhamos uma visão social bem mais aguda durante o governo Eisenhower. Construímos um sistema federal de estradas de uma costa à outra. Tudo isso foi feito com o entendimento de que, apesar do nosso individualismo, existem também coisas que fazemos juntos, uns pelos outros e uns com os outros. Mas agora esse individualismo ficou acima de tudo. Acho que estamos vendo essa ideia de individualismo ser usada para realmente destruir o tecido social.
Viomundo – O senhor vê alguma conexão entre esse estado geral de coisas e o fato de os Estados Unidos serem o país que tem o maior consumo per capita de remédios para depressão?
RE – Bem, ainda somos os primeiros em algo! Somos muito competitivos, você sabe… (ele ri). Nós temos uma doença coletiva para a qual estamos procurando cura individual. E o consumo de antidepressivos se adequa muito bem a isso.
Se você faz tudo o que sua cultura diz que deveria lhe fazer feliz mas isso está deixando você péssimo, essa escravidão à necessidade de consumir produtos, que deveria lhe trazer conforto mas não traz, se você faz o que a sociedade diz que faria de você uma pessoa bem sucedida e está fracassando, não tem como interpretar isso a não ser como uma doença individual. Se isso não está te realizando, você deve estar doente — e temos uma pílula para isso.
O consumo de remédios é uma saída lógica para isso. Aliás, se você estudar a ciência e a economia da indústria farmacêutica neste país, é um exemplo perfeito de como nosso modelo corporativo está se infiltrando em todos os aspectos da nossa cultura.
É bastante chocante ver quão fracas são as provas da eficácia dos remédios psiquiátricos para muitas pessoas. Mas o processo é controlado pelas corporações que fabricam os remédios. Então temos centenas de milhares de médicos neste país que acreditam que estes remédios são eficazes com base em provas bastante duvidosas.
Até mesmo a editora do New England Journal of Medicine, que foi médica, disse que não acredita em nenhum estudo sobre remédios feito neste país porque são financiados pelas empresas farmacêuticas e eles são divulgados seletivamente.
Então, é chocante constatar como os lucros corporativos se infiltraram em tudo, nas nossas publicações, na nossa vida profissional. Some-se a isso esse fracasso do modelo de busca de prazer consumista individual e o resultado é uma porção de gente tomando antidepressivos.
Viomundo – Diante desse controle cada vez maior do estado, evidenciado pelas denúncias de Edward Snowden a respeito do programa de espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional), da concentração de riqueza nas mãos de um número cada vez menor de grandes empresas, que influenciam a política de forma decisiva, você ainda é otimista a respeito da possibilidade de mudar esse estado de coisas. Por que?
RE – Claro que existe maneira de lutar contra tudo isso. E não seria a primeira vez na história que uma enorme e poderosa máquina foi derrubada. Existem meios. Tenho um amigo que é economista e acaba de vir de uma reunião na Europa. Foi uma reunião de 100 líderes da indústria bancária mundial para falar da indústria deles, do que pode ser modificado, etc. Perguntei qual era o clima por lá. Ele me disse que estão “aterrorizados”.
Muitas das pessoas contra as quais nos sentimos impotentes vivem em um estado permanente de medo porque podem ler as estatísticas econômicas tão bem quanto nós. Podem ver o aumento da desigualdade da riqueza entre o 1% e os 99% e entre o 0,1% e o 0,99%.
Até mesmo entre os super-ricos existe uma disparidade enorme. Eles sabem que 400 famílias têm a fatia do leão do poder econômico dos Estados Unidos. Isso é tão visível para eles como é para qualquer pessoa. A história nos mostra que os sistemas de distribuição enormemente injustos são instáveis.
Então, fiquei surpreso quando ele me respondeu isso. Mas depois pensei bem e faz sentido. Por isso o Occupy os assustou tanto e eles reuniram todas as forças disponíveis para marchar contra o Occupy. Acho que eles realmente têm medo do povo se virar contra eles. Acho que essa é uma possibilidade bastante concreta. Eu gostaria que acontecesse de forma justa e humana e não violenta.
Quando escrevi sobre isso, sobre os bancos e tudo isso, recebi comentários no meu blog dizendo que a única maneira de lidar com essas pessoas [os banqueiros] é com uma corda, com a forca. É preciso parar com isso. Esse é o meu medo. Acho que é o que eles temem, também. Acho que existem meios pacíficos de lidar com isso e a história americana tem precedentes nessa área.
Fizemos isso nos anos 30. Com Franklin Roosevelt tínhamos um sistema extremamente injusto e instável e mudou de forma bastante pacífica. Esse novo modelo funcionou, mal ou bem, por quase 50 anos. Então acho que esse é o tipo de mudança que devemos promover. Talvez haja algo ainda melhor que isso. Mas a ideia de que pode haver violência, é o que está deixando muita gente com medo. Se você diz que é impossível parar a máquina, acho que a melhor resposta é que os poderosos não acham isso.
Viomundo — Mesmo assustados e com medo, eles continuam investindo uma fábula no Congresso para impedir a adoção das leis que tem por objetivo reformar o sistema financeiro. Separar novamente bancos comerciais e bancos de investimento, combater os paraísos fiscais, etc. Dinheiro que poderia resolver todos os problemas do país. Se eles têm tanto medo, talvez não devessem investir tanto dinheiro para evitar essas reformas.
RE – É verdade. Mas acho que eles estão chegando a um ponto em que estão começando a agir contra os interesses deles mesmos ao serem tão gananciosos.
Você sabe, havia um chefe de uma tribo indígena americana que ouviu de seu povo a seguinte pergunta a respeito do homem branco: por que eles rompem todos os acordos que fazem conosco? O amor ao dinheiro é uma doença deles, respondeu o chefe.
Acho que o amor ao dinheiro é mesmo uma doença, um vício que eles não podem cortar, mesmo quando sabem que é ruim para eles. Então o medo aumenta, mas o vício também aumenta, a riqueza deles aumenta e estão em uma rota de colisão com a história. Acho que eles sabem disso.
Eles estão enfraquecendo ainda mais a Dodd-Frank [a lei de reforma do sistema financeiro que entrou em vigor em 2010, nos Estados Unidos]. Ela já era uma reforma fraca que fez algumas mudanças importantes, mas longe do que realmente precisamos. Estão resistindo às outras reformas bancárias. Certamente ficaram muito chateados com a proposta Warren-McCain que é bastante razoável e propõe restabelecer as proteções da lei Glass-Steagall [que separava bancos comerciais de bancos de investimento e foi derrubada durante o governo Clinton] que funcionou tão bem, por tantos anos.
Mas eles vivem em um sistema que precisa dar resultados a cada trimestre. É assim que eles são remunerados, valorizados. Quando você vive nesse sistema trimestral não pode, por exemplo, construir um sistema bancário sólido para uma economia estável no futuro porque será demitido e substituído pelo cara que consegue melhores resultados no próximo trimestre.
Para ter melhores resultados no próximo trimestre, você precisa derrubar todas as leis que por ventura estejam no seu caminho. Tem que derrubar qualquer movimento político que esteja no seu caminho. Esse ciclo louco, sempre acelerado de lucros em espaços de tempo cada vez menores, ganância e ausência de leis… ainda tem de garantir a existência de políticos eleitos que não permitam que você seja punido por ter desrespeitado as leis… e assim por diante.
É por isso que muita gente se pergunta se é possível parar essa máquina. Mas eu acho que deveriam perguntar quanto tempo mais essa máquina pode funcionar dessa maneira, antes que exploda.
[Gostou? Garanta outras pautas exclusivas como esta assinando o Viomundo]
Viomundo – E leve todos nós junto…
RE – Claro, e eles também. Por isso acho que existe essa mentalidade de “vamos arrancar todo lucro possível agora, enquanto podemos o mais rápido possível e torcer para que possamos assegurar uma moradia em Doha ou em alguma ilha antes que a merda bata no ventilador”. Quando perguntam como brigar contra essa máquina você tem que partir do princípio de que ela não é invencível, em primeiro lugar.
Em segundo, ver que ela possui defeitos estruturais que a fazem acelerar constantemente até que exploda. E se preparar, ficar pronto para, no momento que ela explodir, dar uma resposta pacífica com propostas para o futuro e não com raiva e violência niilista. É com isso que eu me preocupo.
Leia também:

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

KRUPP: DUAS OU TRES LIÇÕES DE CAPITALISMO



Celso Furtado dizia que o carrasco das nações no mundo globalizado era a perda dos instrumentos endógenos de decisão.Sem eles tornar-se-ia virtualmente impossível subordinar os interesses do dinheiro aos da sociedade. O fiasco do projeto siderúrgico da Krupp (Tyssenkrupp) no Brasil é mais uma evidência da visão arguta de Furtado. A Companhia Siderúrgica do Atlântico custou US$ 15 bi; foi prevista para produzir cinco milhões de toneladas de placas  de aço por ano.Trombou com um excedente de 500 milhões toneladas no mundo, fruto da desordem neoliberal. A CSA nasceu como uma perfeita obra da globalização dos capitais. Nela, nações e povos figuram como mero substrato logístico ou entreposto de insumos baratos. Mas são coagidos a engolir o prejuízo integral quando ele ocorre. É esse o caso. A Krupp resolveu vender seu elefante branco a um grupo local e pressiona o BNDES a financiar o negócio da China. A pioneira da siderurgia alemã  não sobreviveria por dois séculos  se não  encarnasse a própria essência ágil e mutante do capitalismo. Escrúpulo  não é um ingrediente dessa receita. A contabilidade do grupo registra um momento de virtuosa produtividade na Segunda Guerra, com lucros  vitaminados pela extração da mais valia absoluta de dezenas de milhares de trabalhadores gratuitos. Escravos, cooptados para as  linhas de montagem  diretamente dos campos de concentração. (LEIA MAIS AQUI)


A DILMA VAI À TV COM A REDUÇÃO DE TARIFAS


Caiu a ficha da Dilma: o PiG foi para a “provocação” !

O Sr Botín foi à Dilma dizer que acredita piamente no Fantástico, na massa cheirosa e na Urubóloga

A Presidenta Dilma Rousseff entra em cadeia nacional de radio e tevê nesta quarta-feira, dia 23, para anunciar a redução média de 20% nas tarifas de energia elétrica para empresas e lares.

Parece que a ficha caiu.
O PiG (*) começou 2013 furioso.
A fúria Golpista atingiu a categoria de “provocação” política.
Primeiro, o anuncio do apagão, em que se notabilizaram a da “massa cheirosa” – que levou o Edu a desmoralizar a Folha (**) – e a Urubóloga, que tinha a fita métrica que media o esvaziamento dos reservatórios.
Uma desgraça.
A “massa cheirosa” e a Urubóloga são, como sempre, as Profetisas do Caos, desde o Caosaéreo.
Depois, em 2013, veio a “maquiagem” do superávit primário.
Era a desmoralização das contas públicas, que afugentaria os investidores internacionais.
( Hoje, o dono do Santander, o sr Botín, avisou à Presidenta Dilma que vai investir R$ 5 bilhões em infra-estrutura:http://blog.planalto.gov.br/presidente-do-banco-santander-afirma-que-destinara-r-5-bi-para-projetos-de-infraestrutura/. Um horror !)
O Fantástico deste passado domingo atribuiu a desgraça da seca à incompetência da Dilma, por causa dos atrasos na transposição do rio São Francisco.
A “reportagem” – os jornalistas são piores que os patrões, costuma dizer o Mino Carta – deixa entender que pretendia, na verdade, denunciar uma grande roubalheira, um fluvial desvio de grana.
Mas, não conseguiu provar.
Preferiu cometer o crime de pena mais leve: a Dilma é quem mata o gado sedento do Nordeste.
Agora, é o delírio da Folha (**): vai faltar luz elétrica nos estádios da Copa, SEGUNDO A ANEEL !!!
Segundo a Aneel !!!
Faltou combinar com a Aneel.
Mas, a Folha (**), amigo navegante, é capaz até de fabricar uma ficha falsa da Polícia de uma candidata a Presidenta da República – e nada acontece.
Agora, em 2013, porém, o tom mudou.
Mudou porque a Casa Grande não tem homens nem ideias para 2014.
A Casa Grande se sentiu fortalecida com o julgamento do mensalão (o do PT).
E, de certa, forma, o Supremo contribuiu para isso, de caso pensado – ou, na hora certa, segundo o Big Ben que o Presidente Ayres Britto levava no bolso do colete.
A Casa Grande conseguiu condenar o Dirceu sem provas para chegar ao Lula – clique aqui para ler “Gurgel vai assassinar o caráter do Lula ?” – e, portanto, à Dilma.
Antes de 2014.
Por isso, o PiG subiu o tom.
O PiG está se achando.
Mudou a natureza e a intensidade dos ataques.
Os capatazes do PiG (*) se tornaram mais fortes, mais protegidos (pelo Supremo) – e mais ensandecidos.
A resposta da Dilma pode não ser com a Ley de Medios.
Mas, tudo indica que a ficha caiu.
Que ela já percebeu que, solto, sem uma resposta política, o PiG (*) derruba ela.
Com a anuência constrangida do Supremo do Paraguai, digo, do Brasil.
A Presidenta, como se sabe, reage, com força, por impulso.
Um dia, ele estava no avião de Brasília para São Paulo, a caminho da festa dos “Melhores e Maiores”, daquela instituição que edita o detrito sólido de maré baixa.
Recebeu um telefonema de alguém da copa-e-cozinha da Abril.
Para avisar que a Veja ia publicar a reportagem que deu origem às “denúncias” do Grande Brasileiro Marcos Valério, o do valeriodantas, contra o Presidente Lula.
Dilma mandou o avião voltar.
E deu ordens ao Ministro Mantega que também ia ao convescote: vá, sente-se na mesa, e diga que vai embora em protesto contra a reportagem.
E foi o que aconteceu.
Ela demora.
Mas, reage a seu modo.
A ficha caiu.
Em tempo: o jornal nacional também anuncia que vai faltar luz elétrica no vestiário dos estádios da Copa e o Neymar vai vestir as chuteiras do Cássio.
Paulo Henrique Amorim
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.
(**) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.


sábado, 16 de junho de 2012

Ideologia & política: relendo Hannah Arendt

 



Hannah Arendt


Sempre que a retórica neoliberal e neoconservadora, cujo discurso ideológico, velado ou explícito, onipresente em todas as mídias, se torna demasiado absurda, cruel, intragável, esta colunista se “refugia” politicamente nas palavras e no pensamento de Hannah Arendt (1906-1975), esta pensadora política e humanista magistral, discípula de Karl Jaspers e Martin Heidegger, dos quais herdou a tradição culturalista alemã.
Arendt não usa nenhuma retórica, objetivamente vai logo ao ponto, revelando impiedosamente a face horrível das classes dominantes. Aliás, ela é especialmente precisa, quase cruel, ao se reportar ao filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que considera o verdadeiro ideólogo não-reconhecido da burguesia (os atuais neocon e neoliberais). Diz ela: ”É importante observar que os modernos adeptos da força estão de acordo com a filosofia do único grande pensador que jamais tentou derivar o bem público a partir do interesse privado e que, em benefício deste bem privado, concebeu uma comunidade de estados cuja base e objetivo final é o acúmulo de poder”.
A doutrina de Hobbes é exposta com tanta crueza, que não admira que os ricos burgueses lhe tivessem horror: a imagem que projetava deles no espelho era monstruosa!
Segundo Hobbes, via Arendt, esse processo de acúmulo de poder, necessário à proteção de um constante acúmulo de capital, criou a ideologia “progressista” no final do século 19, prenunciando o surgimento do imperialismo (leia-se hoje “globalização”). A compreensão de que o acúmulo de poder era o único modo de garantir a estabilidade das chamadas leis econômicas, tornou irresistível o progresso. A noção de progresso do século 18, tal como concebido na França, pretendia que a crítica do passado fosse um meio de domínio do presente e de controle do futuro. Mas essa noção bem pouco ou nada teve em comum com a infindável evolução da sociedade burguesa, que não apenas desejava a liberdade e a autonomia do homem, mas estava pronta a sacrificar tudo e todos a leis históricas supostamente supra-humanas.
Como nas terríveis palavras de Walter Benjamin: “O que chamamos de progresso é o vento que impele o anjo da História irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas enquanto o monte de ruínas diante de si se ergue até os céus”. Somente no sonho de Marx – de uma sociedade sem classes que faria a humanidade despertar do pesadelo da História – é que surge um último vestígio, infelizmente utópico, do século 18.
“O empresário de mentalidade imperialista, a quem as estrelas aborreciam porque não podia anexá-las”, comenta Arendt, (lembram-se de Donald Rumsfeld, secretário de Defesa do governo Bush, que teria adorado privatizar o Sol?) “sabia que o poder organizado como finalidade em si geraria mais poder”, isto é, com força bastante para expandir-se além das fronteiras do Estado-Nação. E tal processo não poderia ser brecado, tampouco estabilizar-se, sem provocar catástrofes destruidoras.
Reiterando: embora nunca reconhecido, Hobbes foi o verdadeiro filósofo da burguesia, porque compreendeu que a aquisição de riqueza, idealizada como um processo sem fim, só pode ser garantida pela tomada do poder político, pois o processo de acumulação violará, cedo ou tarde, todos os limites territoriais existentes. Previu que uma sociedade, que havia escolhido o caminho da aquisição contínua, tinha que engendrar uma política dinâmica, um processo contínuo de geração de poder. E pode esboçar tanto os principais traços psicológicos do novo tipo de homem que se encaixaria nessa sociedade, quanto a tirania de sua estrutura política.
Hobbes previu que tal homem ficaria lisonjeado ao ser chamado “animal sedento de poder”, embora a sociedade o forçasse a renunciar a todas as forças naturais, suas virtudes e seus vícios, e fizesse dele o pobre sujeitinho manso que não tem sequer o direito de se erguer contra a tirania e que, longe de lutar pelo poder, submete-se a qualquer governo existente e não move um dedo nem mesmo quando seu melhor amigo cai vítima duma razão de estado incompreensível.
Assim, uma comunidade baseada no poder acumulado e monopolizado de todos os seus membros individuais, torna a todos necessariamente impotentes, privados de suas capacidades naturais e humanas. Degrada o indivíduo à condição de peça insignificante na máquina de acumular poder, máquina construída de forma a ser capaz de devorar o mundo.
O objetivo final de destruição dessa comunidade é indicado na interpretação filosófica da igualdade humana como “igual capacidade de matar um ao outro”!Vivendo com as outras nações “numa condição de guerra perpétua”, não tem outra lei de conduta senão “a que melhor leve ao seu benefício”, e gradualmente devorará as estruturas mais fracas até que chegue a uma última guerra “que dê a todos os homens a vitória ou a morte”.
Com “vitória ou morte” (traduzindo em tempos atuais, “vencer ou vencer”), o Leviatã, segundo Hobbes, pode suplantar todas as limitações políticas provenientes da existência de outros povos e envolver toda a terra em sua tirania. Mas quando vier a última guerra e todos os homens tiverem recebido seu quinhão, nenhuma paz final terá sido estabelecida no planeta: a máquina de acumular poder, sem a qual a expansão contínua seria impossível, precisará de novo material para devorá-lo em seu infindável processo.
E Arendt conclui: “Se o último Estado vitorioso não puder anexar os planetas, então passará a devorar-se a si mesmo, para começar novamente o infinito processo de geração de poder”.
(1) In Arendt, Hannah, As origens do totalitarismo II: imperialismo, a expansão do poder, uma análise dialética. Rio, Editora Documentário, 1976

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cooperação e neoliberalismo: agora todos vêem mais claro


A proclamação da 'nova ordem internacional sem fronteiras nacionais' foi prematura e oportunista. O fracasso do modelo neoliberal e a crise do 'modelo social europeu', em particular, agora cobram uma “colaboração” igualitária de todos os atingidos para reorganizar a economia mundial, numa decisão política de longo alcance para o que vai ocorrer neste século. É como se todos tivessem o mesmo grau de responsabilidade e a mesma capacidade para superar os efeitos da crise. O artigo é de Tarso Genro.

I

Eric Hobsbawn, alguns anos após a queda do “socialismo real” na URSS, publicou um texto intitulado “O que restou para os vencedores?”. Nele Hobsbawn sugeria que, rompido o equilíbrio mundial com a falência soviética, as forças destrutivas do neoliberalismo poderiam explicitar-se sem reservas e os direitos sociais conquistados dentro do capitalismo estariam expostos a sua ação predatória e antissocial.

Sustento que saímos de um primeiro período de igualdade mítica, na globalização (no qual se propagava que os seus “proveitos” seriam repartidos de forma equânime), para um segundo novo período (no qual são socializadas as perdas), no bojo da crise aguda já evidenciada na experiência do “sub-prime”.

O fracasso do modelo neoliberal e a crise do “modelo social europeu”, em particular, agora cobram uma “colaboração” igualitária de todos os atingidos para reorganizar a economia mundial, numa decisão política de longo alcance para o que vai ocorrer neste século. É como se todos tivessem o mesmo grau de responsabilidade e a mesma capacidade para superar os efeitos da crise. A fantasia de um progresso igual e justo para todos é sucedida, então, pela realidade do ajuste sobre os ombros dos mais débeis. A “globalização não é mais o que era, ou o que pensamos que poderia ser, na década de noventa. Nem os otimistas, nem os pessimistas, nem os neoliberais, nem os críticos, foram suficientemente lúcidos para avaliar o que nos atingiria. Este início de século é também o fim da ingenuidade global.” [1]

Bordieu [2] sustentou, já em 2001, que a Europa é “ambígua”. De uma parte, quer apresentar-se como autônoma em relação às potências econômicas que estão fora do seu território para desenvolver um importante papel político em escala mundial; e, de outra, quer outorgar-se à condição de protagonista de uma espécie de “união aduaneira” com os EEUU, para, a partir daí, transformar-se num território-estado que, embora privado de poder para promover um específico modelo econômico com modo de vida próprio, passa a torna-se mais rico, mas despojado assim dos “arcaísmos protetivos” do modelo social europeu.

Na Europa a maioria dos governos socialistas e sociais-democratas foram levados a aceitar as mesmas tarefas que foram encomendadas aos governos conservadores neoliberais. Aumenta, assim, a ambiguidade e a indeterminação europeia que promove o afastamento da política de uma parte cada vez maior dos seus cidadãos comuns e aumenta o ceticismo destes frente aos desafios para organizar a vida social.

Bordieu prossegue asseverando que, contrariamente à ideia de uma globalização produtora da morte do estado, estes prosseguem cumprindo papéis políticos determinantes. Fazem-no, agora, mais a serviço de políticas que os tornam cada vez mais impotentes para dirigir a economia no seu território, abdicando de promover as políticas públicas de coesão social mínima, promovidas pela social-democracia.

Neste contexto desenvolvem-se as campanhas oportunistas de uma boa parte da mídia contra a corrupção (antigo problema que se exacerbou na América Latina nas ditaduras), apontando-a como centro e núcleo da crise. A corrupção e a política passaram a ser, para esta parte da mídia, a mesma coisa: o “mal” absoluto cujas causas não são procuradas em nenhum outro lugar, seja na desigualdade ou na exclusão, seja no modelo anti-social, predatório dos direitos, ensejado pela globalização neoliberal. São campanhas processadas deliberadamente sem qualquer juízo crítico ao modelo econômico-social promovido pelo tatcherismo e pelo trabalhismo inglês, a partir dos anos 70. O grave é que isso se tornou uma dogmática aceita pelo receituário de parte da social-democracia.

É preciso devolver crescimento da taxa de lucro obtida na produção industrial tradicional e moderna, sugada pela acumulação sem trabalho do capital financeiro, que é escorada principalmente na dívida pública.

II

Quero apontar, sumariamente, dois macroproblemas dos quais derivam “cooperações” que alimentam fragmentações e que impedem a integração comandada pela política. Digo “comandadas pela política”, porque as sugestões sugeridas segundo os interesses dos países ricos, para sair da crise, aumentam as dificuldades para promover coesão social e inclusão.

Primeiro macroproblema exemplar de políticas unilaterais: a guerra às drogas e à drogadição. Começada há quarenta anos por Nixon, esta guerra, segundo estudos da Comissão Mundial para a Política Antidrogas, é um rotundo e irremediável fracasso. Europa e EEUU atualmente consomem algo como trezentas toneladas de cocaína por ano e já temos duzentos e setenta milhões de pessoas usuárias de drogas, no mundo. Além disso, de cada dez armas apreendidas no México (território de excelência do narcotráfico e dos crimes dele derivados), sete têm procedência americana, principal território do consumo sofisticado.

Estes dados indicam as consequências de uma “cooperação” tutelada pelos interesses imediatos dos países dominantes, com os respectivos resultados nas suas políticas internas: é a época do ceticismo em relação à política, derivado da insegurança e da corrupção; da intervenção nos embates eleitorais pelo crime organizado, desprestigiando a representação; das seguidas crises agudas da segurança pública; e, logo, da degradação do ambiente de cooperação política, necessário a qualquer regime democrático [3].

Segundo macroproblema: a “colaboração” tutelar permanece vencedora e ainda subsiste. “Colaboração tutelar” é como qualifico a colaboração Norte-Sul, em regra. Ela não mudou, como se comprova com o “caso grego”, o mais exemplar de todos neste momento. Lá, vê-se uma contração brutal do PIB, de 7,3% no segundo trimestre deste ano de 2011 e, ainda, o compromisso do país de resgatar ou refinanciar 137 bilhões de euros em 2020. Ninguém em seu perfeito juízo imporia um sacrifício desta proporção - guardadas os protocolos exigíveis às boas relações de uma vida comum - a qualquer vizinho que despertasse algum tipo de compaixão colaborativa [4].

O ceticismo que mencionei, no que diz respeito a Europa, está bem retratado no artigo “La generación indignada”, no jornal “El País”, de 19/09/2011: “É um fantasma com múltiplas caras, ainda que a mais visível tenha um rosto juvenil. Apareceu primeiro na periferia de Paris e Atenas, logo no centro do Cairo, Lisboa, Madri e Barcelona, e voltou a irromper em Londres, Santiago do Chile e Tel Aviv. Atrás do fantasma, uma presença: a do novo lumpemproletário da era pós-industrial, constituído por esses jovens hiperformados - e hiperinformados – e sem dúvida precarizados, conectados através das redes sociais, que às vezes raciocinam de maneira criativa e pacífica (em forma de comédia) e outras em forma mais irada e violenta (em forma de tragédia). Atrás dessa presença inquietante, um espectro: o da crise econômica global que afeta com particular intensidade as novas gerações, cujos efeitos vão mais além da precariedade material, apresentando-se em forma de crise de valores (ou, melhor, de valores da crise)”.

Há alguns anos a visão mítica da globalização diria que estes acontecimentos seriam incidentes ocorridos no “centro do mundo”, que seriam “passageiros”. Mais de perto, o que vemos é a crise de financiamento do desenvolvimento capitalista; novos movimentos de massas através das redes sociais; drogadição financeira do mundo, que impulsiona a degeneração democrática. Tudo isso ocorrendo, agora, a partir da inspiração do próprio “centro do mundo”, capilarizando-se no planeta. Mas (há sempre um “mas”), hoje (há sempre a “centralidade ontológica” do presente), onde está o centro do mundo? “Onde está o centro do mundo? Em Paris, Washington, Londres, Brasília ou Pequim? Até alguns anos a resposta era inequívoca: as três capitais ocidentais eram os núcleos do poder mundial. Hoje já não são. O século XXI marca o fim da dominação ocidental sobre o resto do mundo e abre uma nova fase histórica que o economista francês Alexander Kateb define como a segunda globalização dominada pelos países do sul. Para ele, Brasil e China tem um papel central na reconfiguração econômica e moral dos centros de poder.” [5]

É a partir das funções do Estado que se configuram, claramente, os efeitos da globalização na vida pública. Tanto nas finanças públicas como no direito público, que, nos países ricos, promove o fenecimento do Estado Nacional Público (Wellfare), mas enseja um Estado continental duro, em termos de ortodoxia financeira, comandado pelos Bancos Centrais. Na nova configuração geoeconômica e geopolítica, o mito da unificação do local e do global, da primeiríssima etapa da globalização financeira, está acabado pela separação radical das concepções que versam sobre as funções públicas do Estado.

Na América Latina - ao contrário dos ex-“centros do mundo” - em regra fortalece-se o Estado Nacional Público para fazer a promoção de políticas anticíclicas contra as crises que vem daqueles ex-“centros do mundo”. Aqui, fortalecem-se os Estados nacionais, combinados com a relativização dos poderes dos seus bancos centrais. Assim, o que se pode perceber é que para os latino-americanos, na segunda etapa da globalização, o que se torna dominante não é mais a subsunção do local ao global, mas a oposição dos interesses locais, ou regionais, da América Latina, aos interesses nacionais dos superestados controlados por seus Bancos Centrais. (Nos Estados Unidos pelo FED, na Europa pelo Banco Central Europeu.)

Desta forma, a cooperação que parecia fluir em sua santa espontaneidade, por dentro de uma legalidade meramente econômica (o “glocal” que incluiria os “nós” de uma rede global), agora já se revela plenamente como oposição de interesses. É a oposição entre Estados Nacionais, tendentes ao “interesse público” e os Superestados Continentais, tendentes a responder preponderantemente aos interesses dos grupos superiores da sociedade. Estados, assim, menos republicanos e menos democráticos.

Entendo, pois, que o desafio da cooperação e o desafio de “inovar para governar o local”, hoje difere da visão desenvolvida sobretudo nos anos 90 - muito apropriada para a primeira etapa da globalização - por vários autores brilhantes, como Castells e Borja [6]. É importante lembrar que, para ambos, o local-territorial seria considerado o “nó” (pontos de convergência e enlace de redes horizontais), que, ao mesmo tempo, localizaria e globalizaria o território. E que, por isso, seriam espaços privilegiados de oportunidades, de democracia e desenvolvimento. Para ambos, também, os arranjos institucionais locais, orientados pela democracia participativa local e a relação público-privada, operante na localização territorial, constituiriam os eixos principais da boa governabilidade democrática. Uma governabilidade que comporia uma vasta rede de uma globalização democratizante.

III

Hoje, esta concepção inovadora deve sofrer um acréscimo qualitativo essencial, sem perder de vista sua importância estratégica: o local (o “nó”) deve reportar-se, privilegiadamente, para incidir nas políticas nacionais. Desta forma promoverá uma intervenção concreta sobre o destino político nacional, que alimenta as redes de ideias e de recursos, para que a cooperação extraterritorial - de regiões para regiões - sejam designadas por políticas nacionais de cooperação preferencial. Assim, políticas arbitradas a partir dos países até então subordinados, como o nosso, cuja modelagem da economia não coincide com aquelas queridas pelos Bancos Centrais dos países ex-centros do mundo. Estas cooperações, em consequência, não se basearão mais em projetos que sejam lineares às políticas dos Bancos Centrais, tutelares, da Europa e Estados Unidos. Serão políticas que alimentarão a cooperação interdependente com resguardo dos interesses nacionais.

A concepção “global” dos “nós”, naquele sentido de Castells e Borja, não considera as assimetrias hoje explicitadas em sua plenitude:

• A desigualdade estrutural de condições para conexões e recepções do trânsito global de informações e, portanto, de meios para hierarquizar a sua utilização nos “nós” da rede global.

• A desigualdade para promover a utilização da “produtividade do espaço urbano”, ocupado pela pobreza extrema e pela pobreza em geral, nas grandes aglomerações metropolitanas, que é essencial para o aproveitamento produtivo daquele espaço.

• A desigualdade para financiar o trânsito dos fluxos de informações nos territórios, destinados aos setores mais pobres da sociedade que ficaram à margem da “sociedade informática” e que devem ser incluídos neles.

Em resumo, a inovação para a governança local e regional, seja ela tecnológica, institucional ou econômica, deve ser precedida da “inovação política” nas relações multilaterais. O centro da questão é impedir que as cooperações sejam moldadas para transferências de crises, ou, ainda, tornem-se (como já são com certa frequência), suportes para sustentar políticas de depredação dos direitos sociais, em curso na Europa e nos EEUU.

A visão de base estritamente “glocalista” (“paciente” da globalização), que num primeiro período orientava as democracias participativas locais, foi importante para romper com o autarquismo impotente. Agora ela já se reporta a uma totalidade hostil à democracia, à participação e aos direitos sociais. Na verdade, reporta-se uma totalidade “pseudoconcreta”, manipulatória e falsa, do capital financeiro encurralado por suas crises.

É o mesmo Jordi Borja que hoje assegura: “A globalização hoje não é somente um processo econômico-financeiro e cultural-comunicacional propiciado pela revolução digital. É também uma realidade político-militar imperial, uma dominação exercida pelo governo da única superpotência existente, que hoje não tem contrapeso algum e que uniu uma cruzada messiânica à realização descarnada dos negócios por parte de grupos econômicos multinacionais”. [7]

A inovação preliminar a todas as inovações então, hoje, é a inovação para construir um novo “bloco social e político”, regional e local. Um bloco produto de uma ação política concertada - no âmbito do território - para vinculações a outro “bloco social e político”, regional e local, para gerar acordos de cooperação fora do controle dos bancos centrais. São acordos contra as políticas recessivas, tratando a economia a partir de valores ético-morais; acordos para a promoção da sustentabilidade e da inovação tecnológica; acordos contrapostos à lógica do capital financeiro, retomando a supremacia da política sobre a “naturalidade” financeira.

Enquanto a sociedade industrial tradicional impelia os “de baixo” à solidariedade e ao pensamento voltado para o coletivo, a sociedade globalizada pelas finanças impele-os ao auto-isolamento e à solidão. Enquanto naquela sociedade industrial os sujeitos eram as classes orgânicas na produção, na sociedade atual elas dispersaram-se em redes e os seus poderes e demandas são mais “difusos”. Enquanto na sociedade industrial o contrato político poderia ser controlado pelas partes contratantes (“burgueses” e “proletários” organizados), na sociedade atual qualquer concertação é multipolar, inclusive sujeita a surpresas dos “choques” externos. [8]

Eis alguns exemplos de inovação para um novo tipo de cooperação:

As inovações para transferência de experiência, engenharia institucional e uso de tecnologia inovadoras, para promover a participação cidadã nos negócios públicos;

As inovações em cooperação entre grandes, médias e pequenas empresas, para reciclagem de materiais e socialização de inovação tecnológica e novas tecnologias;

As inovações para a produção de alimentos saudáveis;

As inovações para cooperação no plano da bioética;

As inovações para cooperação entre cooperativas de produção, instituições da economia solidária e cooperativas de comercialização da agricultura familiar;

As inovações em cooperação contra a instrumentalização sexual da infância e da adolescência;

As inovações para a cooperação através de incentivos fiscais destinados a empresas que se comprometam a adquirir insumos na base produtiva local e a respeitar as cláusulas internacionais de proteção ao trabalho da mulher, dos jovens e das crianças.

A proclamação da “nova ordem internacional sem fronteiras nacionais” foi prematura e oportunista. Ela tem servido sobretudo para a socialização de perdas originárias das sucessivas crises da globalização tutelada pelos bancos centrais, principalmente o americano e o europeu. Este é o novo desafio da cooperação solidária na ordem global em crise, que os processos mundializaram-se em termos econômicos [9], mas a interferência sobre eles parte do estado-nação e do seu território.

(*) Tarso Genro é governador do Estado do Rio Grande do Sul

(**) Texto preparado a partir de palestra proferida em 21/09/2011, em Rosário (Argentina), na reunião promovida pela URB-social (União Europeia).


NOTAS
[1] BORJA, Jordi. “La ciudad conquistada”. Madrid (Espanha), Alizanza Editorial, 2005, p. 312.

[2] BORDIEU, Pierre. “Contrafogos 2 – por um movimento social europeu”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

[3] NEPOMUCENO, Eric. “América Latina, mundo de droga”. In: www.cartamaior.com.br, 19/09/2011

[4] NADAL, Alexandro. “O espectro da moratória percorre a Europa”. In> www.cartamaior.com.br, 18/09/2011.

[5] FEBBRO, Eduardo. “O centro do mundo mudou de lugar?”. In: www.cartamaior.com.br, 20/09/2011.

[6] BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. “Local y global – la gestión de las ciudades em la era de la información”. Barcelona: ed. Taurus, 1997, pp. 369 e segts.

[7] BORJA, Jordi. “La ciudad conquistada”. Madrid (Espanha), Alizanza Editorial, 2005, p. 313.

[8] O parágrafo acima foi extraído do meu texto “A questão democrática como questão da esquerda”, escrito em 2006, para a revista Italianieuropei. (TG)

[9] SARTORIUS, Nicolás (org.). “Una nueva gobernanza global: propuestas para el debate”. Madrid / Barcelona / Buenos Aires: Fundación Alternativas –Marcial Pons, 2011, 2ª edicion, p. 59.