Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Chiclete eu misturo com banana, Miami com Copacabana

miami
Para a galera “coxinha” que anda sonhando com Miami e acha que nós, “esquerdistas desgraçados” ficamos contando mentiras sobre aquele paraíso dourado de felicidade, branquinho, limpinho e onde higienizaram a vida daqueles pobres inconvenientes, vai um recorte grátis de um veículo de comunicação “bacana”: o Huffington Post.
Traduzo, para os que não lêem o inglês.
Insegurança no Sul da Flórida: Cerca de um milhão de moradores não sabem de onde virá a próxima refeição.
Não chega para dar o que pensar?
Que tal o que diz a Forbes?
“Playground dos ricos e famosos, a cidade da Flórida passa por uma paralisante crise habitacional, tem uma das mais elevadas taxas de criminalidade do país, e seus habitantes passam horas demais no transporte todos os dias”,
Portanto, cuidado.
Vocês vão gastar um dinheirão e arriscam se ver em meio a um monte de pobres.
Para ajudar, deixo aqui o link de um mapa de dados interativos sobre quanto há de gente (eles são gente, ouviram?) vivendo abaixo da linha da pobreza.
Há bairros que superam em muito os níveis de pobreza das nossas favelas de Copacabana ou de Paraisópolis.
Dois terços vivendo abaixo da linha da pobreza.
Na cidade inteira, 35% vivem nessa situação.
Tem gente nos sinais, pedindo dinheiro. Em inglês, é verdade, mas pedindo.
Lamento informar, meninos, o mundo é global.
Pode ter muro para conter mexicanos na Califórnia (vocês não comemoraram tanto a queda daquele outro, ontem), ou “green card”  só para endinheirados,  mas não tem  mais jeito.
O mundo ficou pequeno demais para ser tão desigual.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Como pensa a elite brasileira

Veja aqui o aeroporto pronto, em pleno uso, em Divinópolis (MG), a 40 minutos de onde Aécio construiu o seu; escandalosa redundância custou R$ 14 milhões ao cofre público de MG CLIQUE AQUI

Minas Gerais tem uma área de 586,5 mil km²; é o 4º maior estado brasileiro; que 'razões técnicas' levaram Aécio Neves a aplicar R$ 14 milhões em recursos públicos para erguer um aeroporto exatamente a seis kms de sua fazenda?

Quarta-feira difícil para o conservadorismo: inflação despenca na prévia de julho, diz o IBGE; Dilma lidera e vence em outubro, informa o Ibope

Unicef denuncia a barbárie em Gaza: 120 crianças mortas pelas bombas de Israel; Barack Obama telefona ao premiê israelense Benjamin Netanyahu; manifesta 'preocupação'

 EUA proíbe voos comerciais a Israel depois que um foguete palestino atinge as imediações do aeroporto de Tel Aviv

 

 

A elite brasileira comprou o livro de Piketty, O Capital no Século 21. Não gostou. Achou que era sobre dinheiro, mas o principal assunto é a desigualdade.


Antonio Lassance
Arquivo

A elite brasileira é engraçada. Gosta de ser elite, de mostrar que é elite, de viver como elite, mas detesta ser chamada de elite, principalmente quando associada a alguma mazela social. Afinal, mazela social, para a elite, é coisa de pobre.

A elite gosta de criticar e xingar tudo e todos. Chama isso de liberdade de expressão. Mas não gosta de ser criticada. Aí vira perseguição.

Quando a elite esculhamba o país, é porque ela é moderna e quer o melhor para todos nós. Quando alguém esculhamba a elite, é porque quer nos transformar em uma Cuba, ou numa Venezuela, dois países que a elite conhece muito bem, embora não saiba exatamente onde ficam.

Ideia de elite é chamada de opinião. Ideia contra a elite é chamada de ideologia.

A elite usa roupas, carros e relógios caros. Tem jatinho e helicóptero. Tem aeroporto particular, às vezes, pago com dinheiro público - para economizar um pouquinho, pois a vida não anda fácil para ninguém.

A elite gosta de mostrar que tem classe e que os outros são sem classe.

Mas, quando alguém reclama da elite por ser esnobe, preconceituosa e excludente, é acusado de incitar a luta de classes.

Elite mora em bairro chique, limpinho e cheiroso, mas gosta de acusar os outros de quererem dividir o país entre ricos e pobres.

O negócio da elite não é dividir, é multiplicar.

A elite é magnânima. Até dá aulas de como ter classe. Diz que, para ser da elite, tem que pensar como elite.

Tem gente que acredita. Não sabe que o principal atributo da elite é o dinheiro. O resto é detalhe.

A elite reclama dos impostos, mesmo dos que ela não paga. Seu jatinho, seu helicóptero, seu iate e seu jet ski não pagam IPVA, mesmo sendo veículos automotores.

Mas a elite, em homenagem aos mais pobres e à classe média, que pagam muito mais imposto do que ela, mantém um grande painel luminoso, o impostômetro, em várias cidades do país.

A elite diz que é contra a corrupção, mas é ela quem financia a campanha do corrupto.

Quando dá problema, finge que não tem nada a ver com  a coisa e reclama que "ninguém" vai para a cadeia. "Ninguém" é o apelido que a elite usa para designar o pessoal que lota as cadeias.

A elite não gosta do Bolsa Família, pois não é feita pela Louis Vuitton.

A elite diz que conceder benefícios aos mais pobres não é direito, é esmola, uma coisa que deixa as pessoas preguiçosas, vagabundas.

Como num passe de mágica, quando a elite recebe recursos governamentais ou isenções fiscais, a esmola se transforma em incentivo produtivo para o Brasil crescer.

A elite gosta de levar vantagem em tudo. Chama isso de visão. Quando não é da elite, levar vantagem é Lei de Gérson ou jeitinho.

Pagar salário de servidor público e os custos da escola e do hospital é gasto público. Pagar muito mais em juros altos ao sistema financeiro é "responsabilidade fiscal".

Quando um governo mexe no cálculo do dinheiro que é reservado a pagar juros, é acusado de ser leniente com as contas públicas e de fazer "contabilidade criativa".

Quando o governo da elite, décadas atrás, decidiu fazer contabilidade criativa, gastando menos com educação e saúde do que a Constituição determinava, deram a isso o pomposo nome de "Desvinculação das Receitas da União" -  inventaram até uma sigla (DRU), para ficar mais nebuloso e mais chique.

A elite bebe água mineral Perrier. Os sem classe se viram bebendo água do volume morto do Cantareira.

A elite gosta de passear e do direito de ir e vir, mas acha que rolezinho no seu shopping particular é problema grave de segurança pública.

A elite comprou o livro de um francês, um tal Piketty, intitulado "O Capital no Século 21". Não gostou. Achou que era só sobre dinheiro, até descobrir que o principal assunto era a desigualdade. 

A pior parte do livro é aquela que mostra que as 85 pessoas mais ricas do mundo controlam uma riqueza equivalente à da metade da população mundial. Ou seja, 85 bacanas têm o dinheiro que 3,5 bilhões de pessoas precisariam desembolsar para conseguir juntar.

A elite não gostou da brincadeira de que essas 85 pessoas mais ricas do mundo caberiam em um daqueles ônibus londrinos de dois andares.

Discordou peremptoriamente e por uma razão muito simples: elite não anda de ônibus, nem se for no andar de cima.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Para os que amam Nova York mas detestam o Brasil

Enquanto grupos que se dizem preocupados com a mobilidade urbana fazem demonstrações ornamentais na Vila Madalena, o MTST vai ao ponto: movimento vai cercar a Câmara Municipal de SP nesta 3ª feira para exigir a aprovação do Plano Diretor de Haddad, boicotado pelo PSDB
Plano Diretor de Haddad para SP reserva 20% de áreas da cidade para moradia popular e concentra adensamento junto a eixos de transporte coletivo para facilitar a mobilidade: onde está o Movimento Passe Livre?
700 barracas do MTST ocupam terreno no bairro rico do Morumbi em SP; os sem-teto exigem a votação do Plano Diretor de Haddad, adiada pela Câmara Municipal
'O xote da reeleição: ' Dilma/Coração Valente/ O que tá bom vai continuar/O que não está /a gente vai melhorar' 
'Eles não entendem que a democracia e o amadurecimento de uma Nação requerem participação da sociedade': Rui Falcão, ao defender os conselhos populares, a reforma política e a regulação da mídia na convenção do PT, neste sábado, em Brasília
ryanshelley
Se a nossa elite  mentalmente colonizada tivesse um pingo de lucidez e um grama de compaixão (ou apenas um dos dois) olharia  para o Brasil com um sentimento de paz e esperança, em meio a um mundo que regride à miséria das primeiras décadas do século passado.
Mas teimam em ver o exterior como um mundo ideal, onde tudo é limpo, lindo e tecnológico.
O mundo, em todas as partes, é simplesmente feito de pessoas.
Quando elas vivem reduzidas à condição de bichos, nem a cosmopolita Nova York é civilizada.
Leiam o trecho que reproduzo desta matéria de hoje em O Globo.
E a foto que copio acima, de Ryan e Shelley, um casal de moradores de rua.
Um ex-casal, aliás, porque Ryan, agora, está morto.
É bom para lembrar o que esquecemos depois que passamos a achar Charlie Chaplin apenas um comediante antigo, não um intérprete de gente sem cuidado e sem esperança.
E que o drama humano é só existencial e não também pela sobrevivência.
Talvez com isso os que praguejam contra as nossas alegrias e desprezam os nossos progressos possam entender o quanto caminhamos.
E, por isso, o quanto acreditamos que temos de continuar a caminhar.
Mas sempre assobiando, alegres, como Carlitos.

A Nova York dos excluídos

Isabel Deluca
O número de sem-teto em Nova York atingiu, este ano, o maior nível desde a Grande Depressão nos anos 1930. Segundo as últimas estatísticas federais, a população sem moradia aumentou 13% em comparação com o ano passado, apesar da suposta recuperação da economia — e enquanto a média nacional só faz diminuir. A tendência cresce sobretudo entre famílias e virou um dos maiores desafios do prefeito Bill de Blasio, que fez da habitação acessível um dos pontos centrais do seu discurso de campanha, para comandar uma cidade onde os aluguéis não param de subir.
Os nova-iorquinos que passam a noite em abrigos ou nas ruas chegaram a 64.060, de acordo com o relatório anual do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD, na sigla em inglês), que compila dados de três mil cidades americanas.
Só Los Angeles teve aumento maior: lá, os desabrigados cresceram 27%, embora o total ainda seja menor que o de Nova York. No resto do país, o número caiu 4% desde 2012: hoje são 610.042.
— A maior parte dos EUA mudou a tática de reagir ao problema, e está funcionando — explica o professor de Políticas Sociais da Universidade da Pensilvânia Dennis P. Culhane, autor do relatório do HUD. — O foco tem sido no realojamento imediato, muitas vezes na forma de mediação de conflitos, mas também com ajuda financeira. O modelo de botar num abrigo e esperar até que se consiga encontrar uma moradia, ou que o cidadão consiga juntar dinheiro para sair, não é o novo modelo que emerge no país. Mas é o de Nova York.
Na cidade mais rica do mundo, a crise é resultado sobretudo do aumento no número de famílias que já não podem pagar aluguel. O último censo registrou um declínio no número de apartamentos acessíveis em Nova York, enquanto a renda da classe média baixa só faz cair. Para Culhane, parte do problema ainda pode ser creditado à crise econômica:
— Há desemprego excessivo, afetando a capacidade de pagar o aluguel. Há mais jovens adultos e suas famílias com pais ou avós. Isso cria um ambiente estressante que pode levar ao despejo. É o que acontece em dois terços dos casos. A razão mais comum que os novos sem-teto reportam é conflito familiar na casa superlotada.
Em Nova York, as famílias já representam 75% da população dos abrigos. Há menos sem-teto nas ruas do que há uma década, mas a lotação nos dormitórios é recorde — 52 mil, sendo 22 mil crianças. Relatório divulgado em maio pela ONG Coalizão para os Desabrigados aponta outro recorde: o tempo médio que uma família permanece num abrigo atingiu 14,5 meses.
O Departamento de Serviços para Desabrigados disponibiliza diariamente dados sobre os abrigos. Na última quarta-feira, eram 30.540 adultos e 23.227 crianças. O número de sem-teto que pernoitam em refúgios municipais é, hoje, 73% maior do que em janeiro de 2002, quando o ex-prefeito Michael Bloomberg tomou posse. Ele tentou driblar a questão com uma série de políticas, mas o resultado foi a superlotação dos dormitórios públicos.
— Prefiro dormir na rua do que num abrigo — relata Elliot, um sem-teto de 52 anos que costuma passar as tardes na esquina da Rua 72 com a Broadway. — A comida é pavorosa. Os banheiros são imundos. Há ratos e baratas por todo canto.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

NY vai cobrar o cafezinho sabotado em SP

Novo prefeito de NY, Bill Blasio, prometeu taxar os endinheirados à razão de um cafezinho com leite no Starbucks por dia (US$ 3) para melhorar a vida dos pobres

por: Saul Leblon 

Arquivo














Endinheirados nativos adoram elogiar os ares cosmopolitas de NY - embora  se sintam espiritualmente melhor em Miami.

A mídia irradia preferências semelhantes.

O democrata Bill de Blasio, recém empossado prefeito de NY, ganha espaços e confetes  por aqui  pela ecumênica trajetória pessoal.

Blasio, um progressista à esquerda de Obama, e cuja eleição teve o apoio do Partido da Família Trabalhadora, que se autodefine como uma espécie de PT dos EUA, é casado com uma poetiza negra.

Chirlane não escondeu na campanha a adesão ao lesbianismo nos anos 70.

A cerimonia de casamento entre ela e Blasio foi oficiada por pastores gays.

Filhos afrodescendentes, Dante e Chiara, fizeram do candidato, que apoiou a causa sandinista na juventude e escolheu a América Latina como objeto de estudo acadêmico,  um símbolo de afirmação dos valores multirraciais.

A cabeleira black power exuberante de Dante tornou-se uma espécie de certificado de garantia dos compromissos progressistas do pai.

O conjunto galvanizou a Nova Iorque.

Formada por 26% de latinos e 25% de negros, a metrópole de 8,7 milhões de habitantes está cindida em duas cidades pela linha da desigualdade.

Blasio prometeu acabar com o conto dickensiano de um povo repartido em dois pelo dinheiro e o urbanismo excludente.

Artistas de seriados famosos trabalharam com afinco para arrastar votos de um pedaço da classe média branca e  dar a esse projeto  o apoio esmagador de 73% do eleitorado.

Não é pouca coisa.

Desde 1993  a população de NY não entregava a prefeitura a um democrata.

Temas como o mergulho de Blasio no alcoolismo --após o suicídio do pai, ademais de vídeos da filha discutindo abertamente a questão das drogas, reforçaram o apelo contemporâneo da candidatura.

Mas não só.

Tido como bom administrador, seu antecessor, o bilionário Bloomberg, provou que é possível ser eficiente na gestão sem alterar o apartheid de uma metrópole.

Há cinco anos ele se alarga em NY e em toda a sociedade norte-americana mergulhada na pior crise do capitalismo desde 1929.

A relação da Forbes de 2013, que atualiza o ranking dos 400 norte-americanos mais ricos do país, ilustra a expansão do fosso.

A riqueza total dos ‘400’ aumentou quase 20% sobre 2012.

Passou de US$ 1,7 trilhão para US$ 2,02 trilhões de dólares em dezembro último.

Equivale ao valor do  PIB da Rússia.

Estamos falando de apenas  400 cidadãos e uma fortuna equiparável à oitava economia do globo, ou 15% do PIB dos EUA.

Mas a coisa é pior que isso.

Em 2012, pela primeira vez desde 1917, os 10% mais ricos passaram a abocanhar mais da metade de toda a renda norte-americana (50,4% , segundo pesquisa feita pela Universidade de Berkeley).

Só há dois precedentes históricos no gênero: antes da Depressão de 1929; e antes da falência do Lehman Brothers, em 2007, gatilho da presente crise mundial.

A política de injeção de liquidez de Obama –lapidada pelos interditos do Tea Party— paradoxalmente ajudou a consumar esse feito.

A renda média nos EUA cresceu 6% no triênio finalizado em 2012.

Dentro dessa média, os ganhos do 1% mais rico aumentaram mais de 31% no período (recuperando assim quase completamente as perdas decorrentes da crise, da ordem de 35%).

Os demais 99% tiveram um ganho de apenas 0,4% em três anos. Estão hoje 12% abaixo da soleira em que se encontravam antes do colapso neoliberal.

O Ocuppy Wall Street tinha razão.

Não surpreende que muitos de seus integrantes tenham se engajado na vitória a Blasi, que emerge assim como uma segunda aposta, mais à esquerda, depois do fiasco de Obama.

O cabelo black power de Dante deu confiabilidade a quem batia forte na tirania do 1% sobre os 99%.

Mas Blasio não foi eleito apenas pela fiança familiar.

Para investir em escolas e serviços destinados aos subúrbios –que empobreceram adicionalmente desde 2007, ele a prometeu elevar o imposto sobre os ricos que lucraram com a crise.

Quem ganha entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão pagará um adicional em taxas municipais de US$ 973 por ano em sua gestão.

Significa menos que US$ 3 por dia – ‘um cafezinho com leite no Starbucks’, alfinetou o novo prefeito.

Não há como não enxergar nessa aritmética um espelho do que se passa na São Paulo dirigida pelo prefeito  Fernando Haddad.

Financiar a tarifa congelada dos ônibus na capital, modernizar  o transporte coletivo com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms) e investir em educação e saúde exigiriam um aumento do IPTU com atualização de valores venais defasados pela supervalorizados nos últimos anos.

Aqui como lá os ricos arcariam com a maior fatia do adicional arrecadado.

1/3 dos moradores mais pobres  não pagariam nada, conforme a proposta original de Haddad.

Os demais, em média, contribuiriam com  um adicional de R$ 15,00 ao mês.

Cinquenta centavos ao dia.

Para somar o preço de um café com leite no Starbuscks em São Paulo ( R$ 3,90 no Shopping Eldorado, na capital), seriam necessários quase o equivalente a  oito dias de  IPTU.

O prefeito Haddad foi ao STF solicitar apoio a uma contribuição 12 vezes inferior a de NY, vetada aqui pelo matrimônio de interesses que uniu a  Fiesp, a mídia, endinheirados, senhorios e o PSDB.

Ao contrário da cumplicidade selada entre afrodescedentes e Blasio, Haddad encontrou na Suprema Corte alguém que age e pensa aqui como aqueles que, em passado sombrio, destinaram a seus semelhantes a senzala e a chibata.

E depois delas, as periferias  conflagradas das grandes metrópoles.

Cerca de R$ 100 milhões arrecadados com o novo IPTU iriam financiar a construção de creches nos bairros mais pobres de SP, onde 150 mil crianças aguardam na fila.

Continuarão a aguardar enquanto os endinheirados, seus ventríloquos e serviçais tomam seu cafezinho no Starbucks.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

GABRIEL, FILHO DE OPERÁRIO, NETO DE GARI E UNIVERSITÁRIO O caminho é fortalecer as instituições públicas de ensino – como a UFABC

Gabriel tem um amigo que deixou de ser peão para estudar Engenharia


Conversa Afiada conversou nessa quinta-feira (05), por telefone, com o estudante Gabriel Camargo de Carvalho, 21 anos, aluno do curso de bacharelado de Ciência em Tecnologia e do bacharelado em Neurociência, da Universidade Federal do ABC.

Gabriel é presidente do Diretório Central dos Estudantes e um dos responsáveis pela homenagem ao ex-presidenteLula que recebeu o título de doutor Honoris Causa, pela UFABC.

Filho de operário e neto de gari, ele é o primeiro na família a chegar à universidade, na que talvez seja o melhor símbolo das 14 universidades federais criadas por Lula: um filho de operário se formar doutor numa universidade que tem o ABC no nome. 

Centro das greves dos anos 70 e 80, do novo trabalhismo e do próprio PT, o ABC paulista se confunde com a Historia dos trabalhadores brasileiros.

Segundo Gabriel, ele não está sozinho: muitos dos colegas são como ele, filhos de operários, ou até mesmo ex-operários, que deixaram o pátio da fábrica para estudar e se tornarem engenheiros, médicos, professores.

Segue a integra da conversa em áudio e texto:

Murilo Silva: Gabriel, você esteve no evento que concedeu título de doutor Honoris Causae ao presidente Lula, aí, na Universidade Federal do ABC. Você declarou na cerimonia que é filho de operário, neto de gari e o primeiro em sua família a alcançar o ensino superior. Você vê outros casos semelhantes aí na UFABC?


Gabriel Camargo de Carvalho: Vejo. Felizmente, eu não sou o único caso aqui na Federal do ABC.

Nós temos vários outros casos. Filhos de imigrantes nordestinos, que vieram para São Paulo e que não chegaram ao ensino superior.

Outros casos interessantes – de amigos próximos a mim, inclusive – que eram eles próprios operários.

Tem amigo meu que trabalhou muito tempo no chão da fábrica, catava entulho no fundo do galpão, limpava chão, e hoje está deixando de ser o ”peão” – o torneiro, o ferramenteiro – para estudar Engenharia, aqui na Universidade.


Murilo: Você também é presidente do DCE, Diretório Central dos Estudante. Outra ferramenta de democratização do ensino superior é o Prouni (Programa Universidade Para Todos).

Parte do movimento estudantil, inclusive na esquerda, critica o Prouni por entender que o programa não é o instrumento adequado para promover mudanças no ensino superior. Defendem que o Governo deveria se concentrar nas universidades federais. Qual a sua opinião sobre o Prouni?


Gabriel: Minha opinião é que existe uma urgência, que o Brasil pede, de incluir uma grande parte da população que está numa faixa etária para estudar no ensino superior e que, historicamente, não teve acesso.

O Prouni é um programa que cobre essa urgência. Só que ele tem realmente, algumas fragilidades, porque você desvia os equipamentos do Estado para oferecer educação gratuita de qualidade, e coloca isso na mão da iniciativa privada. Muitas vezes isso cria problemas de formação, no controle da qualidade (do ensino).

Então, como eu vejo?

Eu sou a favor do Prouni. Mas, eu vejo que o Governo tem que tomar cautela para não estabelecer o Prouni como política de Estado, mas como uma política que agora é necessária.

Existe um caminho para se fortalecer as instituições públicas de ensino e esse caminho já foi criado.

O mesmo governo que instituiu o Prouni instituiu também o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).

Então, eu acho que nós começamos bem. Nós precisamos agora fazer uma análise de para onde queremos ir: é daqui um tempo acabar com o Prouni ? Ou é reduzi-lo ? É cobrar uma contrapartida melhor das universidades privadas? Elas (universidade privadas) recebem muito dinheiro.

Então, nós temos que olhar com atenção, porque não é só colocar o pessoal na faculdade. Mas o Prouni ainda é necessário.


Murilo: No vestibular de 2012 da USP, dos 533 alunos matriculados nos cinco cursos mais disputados da Fuvest (fundação responsável pelo vestibular da USP) apenas um deles é negro.

No total de alunos que entraram na USP em 2012, pouco mais de 2% são negros. Aí na Universidade Federal do ABC a coisa é diferente, Gabriel?


Gabriel: Olha, na Universidade Federal do ABC é diferente. Não como a gente gostaria, se você olhar, a maior parte dos nossos estudantes não é de negros. Mas o percentual de negros na universidade já é maior.

Eu não tenho os números exatos aqui da Universidade do ABC, mas eu tenho certeza de que são maiores do que os da USP.

Eu conheço a USP, tenho amigos lá, e aqui na UFABC isso é diferente. Eu vejo muito mais alunos negros aqui do que em outras universidades, principalmente do que na USP e em outras universidades públicas mais elitistas.


Murilo: Inclusive, aí vocês tem sistemas de cotas, não é isso?

Gabriel: Sim, aqui nós temos o sistema de cotas da universidade.

Tem os 50% de inclusão para alunos de escolas públicas – inclusive essa cota da UFABC é anterior à lei do ano passado que estabelece isso para todas as universidades federais, portanto, a UFABC foi pioneira nisso – e dentro dos 50% temos o percentual étnico, para afrodescendente e para outras etnias também.

Nós agora vamos ter cotas para deficientes físicos e a cota sócio-econômica também.


Murilo: Vocês, do movimento estudantil, são a favor da política de cotas?

Gabriel: Sim, absolutamente.

Murilo: Qual é o próximo passo para esse processo de democratização do ensino superior? Quais são as bandeiras que o movimento estudantil levanta, na UFABC, pela educação?


Gabriel: O principal caminho para democratizar, de fato, o ensino superior é estruturar muito bem a Educação básica.

Garantir que no período de formação cognitiva, na infância, a criança tenha um bom desenvolvimento.

Consolidar o ensino publico e gratuito nos níveis fundamental, médio e técnico deve ser a prioridade.

No ensino superior, é preciso continuar com as políticas afirmativas e, ao mesmo tempo, fortalecer a expansão das instituições públicas de ensino – mas que elas realmente tenham essa proposta inclusiva.

A UFABC tem muito dessa disposição de fazer diferente, de mudar esse paradigma de universidade pública elitista.

O caminho é levar esses ares que nós temos aqui na UFABC, do cerne de sua fundação, para outras instituições. Mostrar que o ensino superior público tem uma responsabilidade social inerente.

A gente desenvolve aqui na Federal do ABC – o que também é uma aposta do movimento estudantil nacional – um trabalho para cobrar do Governo mais permanência.

Um grande problema hoje nas universidades é o auxilio permanência. Muitas vezes não é como a gente gostaria, o estudante consegue entrar pelas políticas de cota inclusiva, mas tem dificuldade em se manter na universidade.

A bolsa não tem reajuste e o aluguel do estudante muitas vezes tem, a comida sobe com a inflação, então é preciso ter essa preocupação com o aluno depois que ele entra na universidade.


[Hoje, a Universidade Federal do ABC paga 907 ''bolsas permanência'' e o valor é reajustado a cada edital. No último foi de 400 reais. A Universidade oferece também 489 “bolsas moradia” no valor de 300 reais.]




Murilo Silva é editor do Conversa Afiada

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

“COMEÇARIA DE NOVO PELO BOLSA FAMÍLIA”, DIZ LULA

domingo, 13 de outubro de 2013

Índices FH x Lula-Dilma não “empatam”. Ou como a estatística pode esconder o que você percebe 13 de outubro de 2013 | 09:21


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Matéria publicada hoje em O Globo mostra que “os tucanos foram os responsáveis por avanços mais sólidos na Educação, na expansão de serviços públicos e na ampliação dos bens de consumo básicos, enquanto os petistas tiveram resultados sensivelmente melhores nos indicadores relacionados ao trabalho, à renda e à redução da desigualdade social.”
Será?
pnad-comparacao-psdb-pt1aDe fato, se fizermos uma comparação, como está muito bem feita pelos gráficos que acompanham a matéria e que a gente reproduz ao lado, a afirmação estaria, aparentemente, correta.
Mas, em matéria de indicadores sociais, as comparações aritiméticas tem lá os seus limites, porque, nos extremos, essas grandezas atingem características “logarítmicas”, quando é preciso muita ação para fazer algo “tender a zero”.
Complicado? Simples, e você vai entender como.
Veja o caso do analfabetismo.
Itamar e FH encontraram uma taxa de 16,4% e a entregaram, 10 anos depois, em 10,9%. Já Lula e Dima a reduziram para 7,8%.
Aritmeticamente, os primeiros conseguiram uma queda de 5,5%, enquanto os segundos de “apenas” 3,1%.
Isso é verdadeiro, mas não explica tudo.
16,4% dos brasileiros que dizer, praticamente, uma em cada seis pessoas analfabetas. Isso inclui, pelo volume, gente de todas as idades; crianças, jovens, adultos e idosos.
Então, imagine que um governo alfabetize 50% deles. Ele, portanto, ele baixará de 16 para 8% índice. Portanto, reduziu em 8% a taxa global de analfabetismo. E os que ficaram, em geral, são os mais idosos, os mais desmotivados, os mais remotos geograficamente, é claro.
Agora, pense que vem um novo governo e faça a mesma proposta: a de baixar à metade o analfabetismo. Como agora o que permanece analfabeto é menos motivado, mais idoso e mais remoto, o esforço é maior. Agora, trata-se de agir sobre uma parcela remanescente, mais resistente ou inacessível a políticas públicas de alfabetização.
É como colher frutos em uma árvore: a primeira colheita é mais fácil, a segunda exige mais esforço, para alcançar os galhos mais altos e difíceis.
Sobre o assunto de índices de analfabetismo, bom assistir a entrevista da educado Ilona Becskeházy, comentarista – e de ótima qualidade, ao lado de sua colega Paula Louzano – da rádio CBN, que explica bem como o analfabetismo hoje, está basicamente restrito às parcelas mais idosas da população e a redução da velocidade de sua queda está, também, ligada a sobrevida maior das camadas mais velhas de brasileiros.
O mesmo raciocínio se pode fazer para os demais índices de educação: quanto mais baixo o índice que se encontra, mais fácil fazê-lo subir expressivamente, quanto mais alto, mais esforço para resultados proporcionalmente menores, porque quanto mais próximo do 100% (ou do zero, se a escala é inversa) justamente porque o que falta para a totalidade é exatamente o mais difìcil – ou até impossível.
No caso da energia elétrica nos domicílios, então, é fácil perceber.
Se hoje temos 99,7% dos lares brasileiros com luz elétrica, um governo que fizer das tripas coração para levar, selva ou sertão adentro, nos lugares mais isolados, um par de fios para eletrificar todas as casas deste país, agora que quase todos já têm luz, terá feito aumentar em apenas 0,3% do total de domicílios atendidos.
Em alguns casos, ainda, as coisas podem sofrer mudanças por conta da entrada de novas tecnologias. 
É o caso da telefonia, em que a década de 1990 marca o tímido início da telefonia celular no Brasil. É mais que compreensível que, neste campo, o início de um serviço que, de repente, passou a dispensar uma rede física complicada para o serviço de comunicação,
Portanto, ainda que o Governo Lula e o de Dilma, sem dúvidas, ainda sejam insatisfatórios sob muitos aspectos – na minha visão, sobretudo, na falta de uma revolução educacional que, agora, com os recursos do pré-sal, parece finalmente desenhar-se no horizonte -, é uma tolice rematada pretender criar uma espécie de “equilíbrio” com o de FHC, o que todas as pessoas sabem, por experiência própria, que não é verdade.
Não é preciso ser panfletário ou raivoso sobre isso, basta que se mostre o porquê de certas aparentes contradições entre os números e as evidências que todos percebemos.
Mas é importante estar atento e ser capaz de esclarecer o que houver de confusão, porque o objetivo disto é mostrar que “todos são iguais” na política e nos governos.
Não são.
E estas diferenças repercutem em quem mais precisa do Governo: os pobres, o povão.
Porque, para os ricos, a vida é 100% em quase todos os indicadores sociais, e há muito tempo.
Exceto num: no desconforto profundo em viver num país injusto, seja porque para muitos isso traz insegurança e medo da violência, seja porque ninguém pode ser plenamente feliz se vê, ao seu lado, em seu país, milhões de seres humanos mergulhados no atraso e na pobreza.
A menos que, como imaginou o Governo FHC, se pudesse construir uma “ilha de modernidade” no Brasil cercada, por todos os lados, por um oceano de injustiças.
Por: Fernando Brito



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Quase 60% não votariam em candidato apoiado por FHC


Essa matéria não precisa de muitas análises. Basta olhar o gráfico do Datafolha (extraído de matéria no site da Folha). Os números falam por si. Em seguida, trago ainda um videozinho para contextualizar.
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O vídeo é desse ano, da campanha de FHC em favor de Aécio Neves para presidente do PSDB.
Por: Miguel do Rosário

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Depois de visitá-los, repórter pergunta: Onde está a blindagem dos médicos cubanos?

Na região de Belém, médicas cubanas comemoram o aniversário de colega

Onde está a blindagem dos médicos cubanos?

por Dario de Negreiros*, de Belém, especial para o Viomundo

Algumas notícias deixam especialmente preocupado um repórter que viaja para longe. “Assessor interrompe entrevista de médica cubana em Tocantins”, diz uma matéria do portal Terra, com vídeo e tudo“Ministério ‘blinda’ médicos estrangeiros em São Paulo”, conta o Estadão. “Isso não é normal. Qual o medo? Qual o receio?”, questiona-me um amigo paulista, médico, pelo chat do Facebook. Eu, do Pará, começo a imaginar as desculpas que terei de dar ao meu editor quando voltar de viagem com meia dúzia de declarações dos tais dos cubanos, todas elas colhidas – por sorte, creio – na confusão de um desembarque na Base Aérea de Belém.
No domingo, dia em que vi o vídeo do Terra, haveria um evento no hotel onde estão hospedados todos os cubanos que vieram ao Pará. Lá, oficialmente, participam de uma “semana de acolhimento”. Na prática, como se sabe, o governo federal ganha tempo enquanto tenta resolver o imbróglio jurídico que envolve os seus registros nos CRMs (Conselhos Regionais de Medicina). “O secretário de saúde estará lá. Amanhã vai ser quente!”, diz, ao celular, um repórter paraense. É tudo o que eu não quero: jornais, televisões, autoridades locais à solta e os cubanos, imagino, blindados.
Em vez de ir ao evento “quente”, ligo para a assessora da secretaria de saúde do Pará: “Me perdi para chegar a Mosqueiro [ilha fluvial, nos arredores de Belém, onde fica o hotel]. Posso ir amanhã?”. Ser o único jornalista no local, andando livremente pelo hotel, conversar com os médicos longe das câmeras e das autoridades, parece-me uma boa estratégia.
Mas não havia blindagem alguma. Ao contrário, as assessoras, simpáticas ao extremo, facilitam de todas as formas meu trabalho. Para melhorar, minha estratégia não podia ser mais bem sucedida. Sendo o único repórter no local, posso acompanhar os médicos nas palestras, conversar tranquilamente nas varandas de seus chalés, encontrá-los no salão de jantar, entrevistá-los, relaxados, à beira da piscina do hotel. Ninguém, evidente, conversa à vontade na presença de câmeras de TV, fotógrafos de jornal e secretários de Estado, com seus auxiliares e assessores andando pra lá e pra cá.
É verdade que há uma certa homogeneidade incômoda no discurso destes profissionais, todos eles submetidos aos termos do convênio firmado pelo governo brasileiro, via Opas (Organização Pan-americana da Saúde), com Cuba. Nesta reportagem, procuro mostrar que, em situações mais informais, suas vozes chegam a expor algumas dissonâncias, mas nenhuma capaz de desfazer o uníssono fundamental. “Solidariedade” e “internacionalismo” formam um leitmotiv cujo volume nunca diminui. Se estes cantores têm liberdade interpretativa ou se são regidos por alguma batuta invisível, que julgue o leitor.

Em treinamento

“Mucho diñero!”
É com atenção que os 62 médicos cubanos assistem à palestra do também médico Raimundo Sena, diretor da Escola Técnica do SUS (Sistema Único de Saúde). Sena fala pausadamente e os alunos, juntos, complementam: “Estes são os obje…?”: “…tivos!”. É assim o tempo todo, de forma que, tanto quanto nas entrevistas, ressoa na sala um coro de uma só voz. Se alguma bagunça irrompe – como quando Sena diz que no Brasil “o pessoal usa muita sigla”, ao que os cubanos riem vigorosamente –, surge rápido um “ssshhhhhh” e o silêncio se restabelece.
“A dificuldade maior é a comunicação, por causa da língua”, conta o professor. “Mas eles não têm dificuldade de compreensão do que se está discutindo, porque eles têm uma formação elevada. A grande maioria, além da graduação, tem especialização, alguns têm mestrado, doutorado. Isso facilita o diálogo”, afirma.
Mas há no ar uma tensão facilmente perceptível. “Eles estão ansiosos porque têm dificuldades de comunicação com Cuba, com seus familiares”, confirma Sena. De fato, quando acaba a aula, é este o único assunto. A assessora da secretaria de saúde paraense diz que lhes trará quatro notebooks, três modems e um celular com roaming internacional desbloqueado. Os cubanos explicam que, de Cuba, não se pode fazer chamadas internacionais. Os assessores, então, ligam para a operadora, consultam a tarifa da ligação para Cuba e voltam com a resposta: não será possível garantir o contato telefônico. “Custa R$4,99 por minuto! Mucho diñero!”.
Diante do único computador da sala, os médicos formam uma longa fila. Começo a conversar com um deles, que me parece bastante aflito. Compadecido, ofereço-lhe meu celular. “Quanto custa?”. Esse não é mais vendido – respondo. Esse é velho. “Mas quanto custa?”. Com a tampa traseira rachada, assim? Sei lá, uns duzentos reais – digo, chutando. “Quer vender agora?”.
É inacreditável, mas em um programa de tamanha importância para os governos brasileiro e cubano, a simples comunicação telefônica com os familiares daqueles que protagonizam a ação não foi garantida. Os assessores se preocupam, em especial, com uma das médicas, cuja filha de dois anos e meio está em Cuba. No dia anterior, ela teria “entrado em pânico”, dizem, com a dificuldade de comunicação.

Rene (acima) e o casal Yusmel-Lisset

René, Yusmel e Lisset
É na varanda de seu chalé que converso tranquilamente com René Alberto Marrero Fernandez, 41, formado na Faculdade de Medicina de Holguín. Pergunto-lhe sobre um assunto amplamente debatido na chamada grande mídia: qual é, afinal, o destino da bolsa de R$10 mil paga, por médico, pelo governo federal?
Eis a resposta mais frequente: “este dinheiro vai, quase por inteiro, para o governo cubano; para mim, resta apenas um estipêndio mensal, o suficiente para me manter no país. Fora isso, meu salário, em Cuba, continua sendo integralmente recebido pela minha família”. Ou seja: quase todos os médicos negam que as missões internacionais sejam uma oportunidade de fazer um pé-de-meia.
René, entretanto, responde de modo um pouco diferente. “Em missões internacionais, recebemos uma compensação”, admite. “Fora isso, ajudamos um pouco a economia de Cuba, que – e isso não é segredo pra ninguém – é um país pobre. Ademais, estamos bloqueados pelo imperialismo. O embargo econômico é muito grande. Com este trabalho, melhoramos também a economia do nosso povo, que tanto necessita.”
As referências às dificuldades econômicas dão ensejo à formação de outra polifonia consonante: todos fazem questão de dizer que, em Cuba, não existe nem pobreza extrema, nem diferenças sociais importantes. “É um tema muito complicado, a economia de Cuba”, diz René. “Mas, em meu país, a pobreza extrema não existe. A saúde é totalmente gratuita para todos, assim como a educação.”
E onde não há pobreza extrema ou grandes diferenças de renda, não há violência urbana. Mais cedo, ainda durante a palestra, dois policiais militares, armados e com coletes à prova de balas, entram na sala para conversar com uma das assessoras. Esta, posteriormente, faz questão de tranquilizar a classe. “Não se preocupem. Eles só vieram aqui para dizer que, ao lado do hotel, há uma invasão, uma favela. Então, por favor, após as 21h não saiam do hotel.”
“Isso não existe, para nós”, conta Yusmel Reve, 36. “Em Cuba, você pode sair para qualquer lugar, a qualquer hora.” A médica Lisset Guerra, 33, emenda: “Sozinho!”. E Yusmel: “E não tem problema”. E Lisset: “Não acontece nada”.
Yusmel e Lisset são casados há sete anos. Juntos, estiveram também durante cinco anos em missão na Venezuela, onde garantem já terem se acostumado às limitações das restrições de segurança. “Lá, a partir das 18h já não se podia sair”, conta Lisset.
Tanto Yusmel quanto Lisset são professores de medicina: Yusmel é mestre em atenção integral à criança e Lisset, em urgências médicas. Além disso, ambos possuem pós-graduação em medicina de desastre. Das missões de que ambos participaram, a mais importante ocorreu, justamente, em meio a uma catástrofe. No dia 8 de outubro de 2005, um terremoto de 7,8 graus na escala Richter deixaria mais de 80 mil mortos na região da Caxemira. 2.564 médicos cubanos foram, então, enviados ao Paquistão.

O alojamento, antes de seguir viagem para o interior. Muitos médicos cubanos vão ficar bem isolados.

Maribéis
Saindo da sala de aula, apresento-me às duas médicas que mais queria conhecer: as Maribéis. Maribel Herrera Hernandez, 43, e Maribel Morera Saborat, 44, foram escolhidas para trabalhar na paupérrima Melgaço, no Arquipélago do Marajó. Quando, depois de 18 horas de viagem de barco, elas chegarem aos seus postos de trabalho, serão recebidas, se não por mais ninguém, ao menos por mim. Pois é Melgaço, município com o pior IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do Brasil, que escolhemos para acompanhar o início do Mais Médicos.
Que não haveria blindagem alguma, já havia percebido. Mas não poderia imaginar que elas fossem tão simpáticas e receptivas. “Amigas, vejam só, nós teremos um jornalista particular”, brincam. E caminhamos até a varanda do chalé, onde fazemos a entrevista. De longe, as amigas brincam, enquanto elas posam para as fotos: “Vizinhas, a publicidade vai acabar com vocês!”, divertem-se.
“Antes de chegar, já sabíamos que o povo era muito pobre, que o índice de analfabetismo era muito alto”, conta Maribel, a Herrera Hernandez. “Não obstante, não nos amedrontamos com isso, ao contrário: vamos com muito mais desejo de mudar as condições de saúde dessa população”, diz. “Ou, pelo menos, de fazer o pouquinho que nós podemos fazer.”
É curioso: em Tocantins, o assessor do Ministério da Saúde teria provocado uma “interrupção abrupta” na entrevista – diz a vídeo-reportagem – justamente “quando uma jornalista brasileira perguntava à médica sobre o conhecimento dela sobre a realidade do Tocantins”. Sobre este assunto, todos os médicos com quem conversei, sem exceção, se mostraram particularmente à vontade para dissertar. Um deles me contou que, ainda em Cuba, fora-lhes exibido o filme “Ilha das flores”, de Jorge Furtado – talvez um dos mais conhecidos e contundentes documentos audiovisuais sobre a pobreza extrema brasileira.
“Sabemos que as principais problemas de saúde que existem em Melgaço são as doenças infectocontagiosas, que são as que mais podem ser prevenidas”, conta a outra Maribel, a Morera Saborat. “Ou seja: melhorando as condições ambientais, com medidas de higiene, de educação sanitária, podemos prevenir essas doenças. Sobretudo a tuberculose, a hanseníase e a malária. São doenças que, com determinadas medidas de educação da população, pode-se erradicar ou, ao menos, diminuir bastante seu índice de incidência”, garante. “E também vamos tratar as doenças crônicas que existem, sobretudo hipertensão e diabetes, que são as mais frequentes.” E resumindo suas expectativas – que não são baixas – afirma: “Então, acreditamos que sim: que com o nosso modesto trabalho vamos ajudar a aumentar o nível de saúde do povo de Melgaço”.
Assustou-me saber, digo-lhes em seguida, que enquanto ainda estão em um hotel da região metropolitana de Belém, não passado sequer um mês de viagem ao Brasil, a comunicação com Cuba e as saudades da família já tinham se tornado problemas tão grandes para eles. Como seria, então, passar três anos em pequenas cidades do interior do Pará?
“Nós temos uma formação, desde que começamos a estudar medicina, pautada na colaboração e no internacionalismo”, explica Saborat, lembrando-me que já esteve por quatro anos na missão venezuelana. “Veremos, dentro das possibilidades que existem em Melgaço, como podemos nos comunicar.”
“A nossa família também conhece este nosso princípio de solidariedade, e compartilha dele”, completa Hernandez, que já trabalhou em missões por dois anos na Venezuela e por 14 meses na Bolívia. Em Cuba, ambas têm à sua espera marido e dois filhos. “Eles entendem quando não podemos nos comunicar continuamente. Esperam, sim, ansiosos. Mas entendem que é a situação do momento.”
Não é à toa que Melgaço receberá duas Maribéis. Esta, aliás, é uma característica que chama logo a atenção de quem bate os olhos na lista de alocações dos médicos cubanos: não é possível depreender dela nenhuma outra ordem que não seja a alfabética. Logo, conclui-se: salvo casos especiais, os médicos não parecem dar qualquer palpite sobre o lugar em que trabalharão. Em dado momento, perguntei para um deles: “Vocês não escolhem a cidade?”. Respondeu-me com uma gargalhada.
“E nós não estamos com medo, como alguns têm dito, das condições do lugar ou de quão longe eles sejam”, afirma Hernandez. “Ao contrário, é um incentivo para nós: temos de nos esforçar um pouco mais em nossa ajuda.” E Saborat completa: “Vemos as pessoas como seres humanos, não como mercadoria.”
Dizendo-me isso, olhando-me nos olhos, estas mulheres me fazem lembrar de Lorenzo Nacheli, um missionário italiano que há anos passa sua vida, vinte e quatro horas por dia, cuidando de pessoas em situação de rua, no Arsenal da Esperança, em São Paulo. “Quando estou conversando com você, Dario”, dizia-me Lorenzo, “você é a pessoa mais importante do mundo para mim. E é assim com todas as pessoas com quem converso”. Agora, na minha lembrança, por uma dessas inversões que a gente não explica, são os olhos de Lorenzo que me lembram os olhos das Maribéis, como se tivesse visto estes antes daquele. “Nos vemos em Melgaço”, despeço-me.
Não sei até onde vai a perspicácia e em que ponto começa a inocência do repórter, mas me parece ser necessário muito esforço para abstrair destas falas o tom opressivo e castrador de um discurso previamente combinado. De qualquer maneira, contenho-me: como disse, cabe ao leitor tirar as suas conclusões.
*Dario de Negreiros viaja financiado pelos leitores do Viomundo. Para nos ajudar a produzir mais conteúdo exclusivo como este, clique aqui.