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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

GABRIEL, FILHO DE OPERÁRIO, NETO DE GARI E UNIVERSITÁRIO O caminho é fortalecer as instituições públicas de ensino – como a UFABC

Gabriel tem um amigo que deixou de ser peão para estudar Engenharia


Conversa Afiada conversou nessa quinta-feira (05), por telefone, com o estudante Gabriel Camargo de Carvalho, 21 anos, aluno do curso de bacharelado de Ciência em Tecnologia e do bacharelado em Neurociência, da Universidade Federal do ABC.

Gabriel é presidente do Diretório Central dos Estudantes e um dos responsáveis pela homenagem ao ex-presidenteLula que recebeu o título de doutor Honoris Causa, pela UFABC.

Filho de operário e neto de gari, ele é o primeiro na família a chegar à universidade, na que talvez seja o melhor símbolo das 14 universidades federais criadas por Lula: um filho de operário se formar doutor numa universidade que tem o ABC no nome. 

Centro das greves dos anos 70 e 80, do novo trabalhismo e do próprio PT, o ABC paulista se confunde com a Historia dos trabalhadores brasileiros.

Segundo Gabriel, ele não está sozinho: muitos dos colegas são como ele, filhos de operários, ou até mesmo ex-operários, que deixaram o pátio da fábrica para estudar e se tornarem engenheiros, médicos, professores.

Segue a integra da conversa em áudio e texto:

Murilo Silva: Gabriel, você esteve no evento que concedeu título de doutor Honoris Causae ao presidente Lula, aí, na Universidade Federal do ABC. Você declarou na cerimonia que é filho de operário, neto de gari e o primeiro em sua família a alcançar o ensino superior. Você vê outros casos semelhantes aí na UFABC?


Gabriel Camargo de Carvalho: Vejo. Felizmente, eu não sou o único caso aqui na Federal do ABC.

Nós temos vários outros casos. Filhos de imigrantes nordestinos, que vieram para São Paulo e que não chegaram ao ensino superior.

Outros casos interessantes – de amigos próximos a mim, inclusive – que eram eles próprios operários.

Tem amigo meu que trabalhou muito tempo no chão da fábrica, catava entulho no fundo do galpão, limpava chão, e hoje está deixando de ser o ”peão” – o torneiro, o ferramenteiro – para estudar Engenharia, aqui na Universidade.


Murilo: Você também é presidente do DCE, Diretório Central dos Estudante. Outra ferramenta de democratização do ensino superior é o Prouni (Programa Universidade Para Todos).

Parte do movimento estudantil, inclusive na esquerda, critica o Prouni por entender que o programa não é o instrumento adequado para promover mudanças no ensino superior. Defendem que o Governo deveria se concentrar nas universidades federais. Qual a sua opinião sobre o Prouni?


Gabriel: Minha opinião é que existe uma urgência, que o Brasil pede, de incluir uma grande parte da população que está numa faixa etária para estudar no ensino superior e que, historicamente, não teve acesso.

O Prouni é um programa que cobre essa urgência. Só que ele tem realmente, algumas fragilidades, porque você desvia os equipamentos do Estado para oferecer educação gratuita de qualidade, e coloca isso na mão da iniciativa privada. Muitas vezes isso cria problemas de formação, no controle da qualidade (do ensino).

Então, como eu vejo?

Eu sou a favor do Prouni. Mas, eu vejo que o Governo tem que tomar cautela para não estabelecer o Prouni como política de Estado, mas como uma política que agora é necessária.

Existe um caminho para se fortalecer as instituições públicas de ensino e esse caminho já foi criado.

O mesmo governo que instituiu o Prouni instituiu também o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).

Então, eu acho que nós começamos bem. Nós precisamos agora fazer uma análise de para onde queremos ir: é daqui um tempo acabar com o Prouni ? Ou é reduzi-lo ? É cobrar uma contrapartida melhor das universidades privadas? Elas (universidade privadas) recebem muito dinheiro.

Então, nós temos que olhar com atenção, porque não é só colocar o pessoal na faculdade. Mas o Prouni ainda é necessário.


Murilo: No vestibular de 2012 da USP, dos 533 alunos matriculados nos cinco cursos mais disputados da Fuvest (fundação responsável pelo vestibular da USP) apenas um deles é negro.

No total de alunos que entraram na USP em 2012, pouco mais de 2% são negros. Aí na Universidade Federal do ABC a coisa é diferente, Gabriel?


Gabriel: Olha, na Universidade Federal do ABC é diferente. Não como a gente gostaria, se você olhar, a maior parte dos nossos estudantes não é de negros. Mas o percentual de negros na universidade já é maior.

Eu não tenho os números exatos aqui da Universidade do ABC, mas eu tenho certeza de que são maiores do que os da USP.

Eu conheço a USP, tenho amigos lá, e aqui na UFABC isso é diferente. Eu vejo muito mais alunos negros aqui do que em outras universidades, principalmente do que na USP e em outras universidades públicas mais elitistas.


Murilo: Inclusive, aí vocês tem sistemas de cotas, não é isso?

Gabriel: Sim, aqui nós temos o sistema de cotas da universidade.

Tem os 50% de inclusão para alunos de escolas públicas – inclusive essa cota da UFABC é anterior à lei do ano passado que estabelece isso para todas as universidades federais, portanto, a UFABC foi pioneira nisso – e dentro dos 50% temos o percentual étnico, para afrodescendente e para outras etnias também.

Nós agora vamos ter cotas para deficientes físicos e a cota sócio-econômica também.


Murilo: Vocês, do movimento estudantil, são a favor da política de cotas?

Gabriel: Sim, absolutamente.

Murilo: Qual é o próximo passo para esse processo de democratização do ensino superior? Quais são as bandeiras que o movimento estudantil levanta, na UFABC, pela educação?


Gabriel: O principal caminho para democratizar, de fato, o ensino superior é estruturar muito bem a Educação básica.

Garantir que no período de formação cognitiva, na infância, a criança tenha um bom desenvolvimento.

Consolidar o ensino publico e gratuito nos níveis fundamental, médio e técnico deve ser a prioridade.

No ensino superior, é preciso continuar com as políticas afirmativas e, ao mesmo tempo, fortalecer a expansão das instituições públicas de ensino – mas que elas realmente tenham essa proposta inclusiva.

A UFABC tem muito dessa disposição de fazer diferente, de mudar esse paradigma de universidade pública elitista.

O caminho é levar esses ares que nós temos aqui na UFABC, do cerne de sua fundação, para outras instituições. Mostrar que o ensino superior público tem uma responsabilidade social inerente.

A gente desenvolve aqui na Federal do ABC – o que também é uma aposta do movimento estudantil nacional – um trabalho para cobrar do Governo mais permanência.

Um grande problema hoje nas universidades é o auxilio permanência. Muitas vezes não é como a gente gostaria, o estudante consegue entrar pelas políticas de cota inclusiva, mas tem dificuldade em se manter na universidade.

A bolsa não tem reajuste e o aluguel do estudante muitas vezes tem, a comida sobe com a inflação, então é preciso ter essa preocupação com o aluno depois que ele entra na universidade.


[Hoje, a Universidade Federal do ABC paga 907 ''bolsas permanência'' e o valor é reajustado a cada edital. No último foi de 400 reais. A Universidade oferece também 489 “bolsas moradia” no valor de 300 reais.]




Murilo Silva é editor do Conversa Afiada

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