por Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho, em CartaCapital
Na América Latina, as soluções também precisam levar em conta um esforço para remediar nossa relação com a natureza. Em um futuro próximo, por exemplo, nós teremos de considerar como colocar energia nos nossos carros. Se você produz carros, eles precisam de energia de alguma maneira. Ao mesmo tempo, nós multiplicamos cada vez mais o número de carros porque a produção não pode parar. Mas, o que precisamos fazer é perceber que a real necessidade das pessoas é o transporte, não os carros. Nós precisamos pensar em meios de transportes adequados, não carros individuais que agridem a natureza.
Eu a considero a América Latina, de longe, o continente mais esperançoso do mundo. Aqui, coisas interessantes vêm acontecendo desde os anos 70. A primeira reação aos movimentos que eclodiam, naquela época, foram as ditaduras. Ao menor sinal de problema, os norte-americanos encontravam um ditador. Eles enviavam os fuzileiros ou achavam algum general que pudesse fazer o trabalho por eles. Hoje os Estados Unidos não podem mais fazer isso, essa fase histórica passou, mas ainda carrega consequencias e repercussões.
Eu acredito que as reais transformações estruturais, que levaram séculos para acontecer do feudalismo para o capitalismo, não demorarão tanto para ocorrer. Por quê? Porque nós não temos séculos. Nosso tempo está se esgotando. E essas mudanças não podem ser pensadas como algo isolado ao “mundo subdesenvolvido”. Nós vivemos em um único mundo. Existem alguns conceitos mistificadores como “terceiro mundo”. Eu sempre rejeitei essa expressão. O que é o terceiro mundo? Eu apenas conheço um. Não é o “terceiro mundo”, mas uma parte integrada do mundo na qual os países são explorados. E a América Latina é o continente mais esperançoso onde as mudanças serão iniciadas, mas não poderão ser concluídas.
Globalização é um conceito utilizado apologeticamente. A realidade da globalização é que existe, na verdade, uma tendência para a integração econômica. Mas, politicamente, nada é resolvido. E hoje ainda prevalece a lógica de confrontar problemas políticos por meio da guerra, violência e destruição. É o que fazem os Estados Unidos. Isso é um grande absurdo porque nada na história da humanidade foi resolvido pela guerra.
Eu também tenho ressalvas à expressão “capitalismo avançado”. Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos. Você chamaria isso de avançado? Não é avançado e em muitos aspectos nos traz de volta à condição da barbárie. Rosa Luxemburgo uma vez disse “socialismo ou barbárie”. Eu acrescentaria algo à frase de Rosa Luxemburgo: “barbárie, se tivermos sorte”. Porque a destruição total da humanidade é o que está em nosso horizonte. A tendência é sempre resolver os problemas com guerras e destruições. Na Primeira Guerra, os aliados saíram vitoriosos. Mas o que eles resolveram? Eles criaram Hitler. Por isso eu digo que as decisões estão sendo tomadas às costas das pessoas. Elas nunca antecipam as coisas. Elas nunca imaginam que depois da vitória vem a destruição.
Em 1871, na Comuna de Paris, o que aconteceu foi uma brutal destruição. Bismark, o chanceler alemão, que venceu as tropas francesas anos antes, quando viu as comunas tomando o poder em Paris, ordenou a libertação dos prisioneiros de guerra franceses para destruir a organização. O que aconteceu depois? Três impérios fizeram um pacto para lutar juntos contra esses tipos de distúrbios feitos pela população, caso acontecesse de novo. Isso não é mais possível. Um dos maiores estrategistas de guerra de todos os tempos, general Klausevits, disse uma vez: “a guerra é a continuação da política, só que por outros meios”. Hoje isso é inconcebível. Uma nova guerra mundial acabaria com a humanidade. Essa é a diferença histórica fundamental.
A América Latina é hoje uma das regiões onde se tem mais esperanças, porque as pessoas estão tomando o controle das decisões, assumindo responsabilidades, depois de terem eliminado ditadores.
E como vamos fazer essa transformação? Transformando as pessoas. A exploração da esmagadora maioria das pessoas por poucos não é mais aceito como era antes. No socialismo você não pode fazer isso. Você não aceita uma minoria que controla a política e a economia tomando todas as decisões. Seria um absurdo. Por isso temos que criar uma sociedade da igualdade substancial. A produção de mercadorias e o mercado devem ser as bases dessa equalização. Precisamos ir em direção a um sistema de igualdade substancial, com reorientação, com participação nos processos de decisão, com nossas decisões sobre o que queremos fazer para tornar nossas realizações mais justas, mais igualitárias. Ninguém precisa decidir isso por você.
Em “The Critique of The Gotha Program”, Marx fez a definição do que seriam os estágios inicial e final do socialismo. No primeiro, a distribuição seria feita a cada um de acordo com a sua contribuição para o total do produto social. Na fase avançada, seria de acordo com a sua capacidade ou necessidade. Agora, quem determina o que a gente precisa? Apenas uma pessoa, você mesmo. Hoje, 1% ou 2% da população controla de 40% a 60% dos recursos e riquezas da sociedade. Para mudar isso, será preciso uma cooperação das pessoas pelo mundo. Para produzir e distribuir conforme as necessidades, será preciso criar empresas cooperativas. Isso vai ser a base da sociedade do futuro. E não podemos ter certeza de que essas transformações vão ser feitas apenas dentro da lei. Não estamos enfrentando apenas leis humanas, mas as leis da natureza. A natureza está nos impondo seus limites. Por isso precisamos nos adaptar ao melhor uso dos recursos. Isso vai acontecer em pouco tempo – mas não no meu tempo, infelizmente. As pessoas estão começando a confrontar essa realidade, sobretudo na América Latina.
Era uma manhã fria de junho quando o filósofo húngaro István Mészáros, 81 anos, apareceu à porta da casa no bairro de Sumarezinho, zona oeste de São Paulo, onde se hospeda quando vem ao Brasil. Desta vez, a viagem tinha como escala, além da capital paulista, as cidades de Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. A ideia era participar de encontros e divulgar o livro István Mészáros e os Desafios do Tempo Histórico (Boitempo, 280 pág., R$ 43), uma coletânea de artigos sobre sua obra – inclusive com um artigo de sua autoria.
Mesmo assim, em duas horas e meia de entrevista, Mészáros deixa escapar um certo tom de otimismo em relação ao futuro – “que, infelizmente, não será no meu tempo” – quando fala sobre tomadas de consciência e mudanças que observa na América Latina.
Abaixo, a parte da entrevista concedida por Mészáros sobre a América Latina:
Quando você pensa na totalidade da América Latina, é impossível negar que houve tremendos avanços políticos. Houve mudanças significativas também em outros aspectos. A primeira vez que eu vim ao Brasil foi em 1983. Após uma conferência em João Pessoa, eu dava uma entrevista numa rádio local quando vi pela janela uma grande aglomeração de pessoas. Durante a pausa para os comerciais, fiquei sabendo que a razão daquela movimentação toda era que em algum lugar perto de João Pessoa havia protestos de pessoas famintas, que não tinham o que comer.Alto, os olhos enormes e azuis, Mészáros não parece, à primeira vista, a metralhadora giratória que se apresenta logo no início da entrevista, quando faz um relato de quase 40 minutos sobre a situação políticas na Europa e nos EUA. “Berlusconi é um palhaço criminoso”; “Obama diz que vê a luz no fim do túnel, mas não vê que é a luz de um trem que vem em nossa direção”; “A Alemanha se engana quando pensa que vive um milagre econômico”; “O partido socialista agiu contra os trabalhadores na Espanha”; “Os políticos na Inglaterra parecem uma avestruz que insistem em esconder sua cabeça debaixo da terra”…
Em cada resposta, o professor emérito de Filosofia da Universidade de Sussex e um dos mais destacados marxistas da atualidade deixa sempre explícita a necessidade de se entender o processo histórico da formação da sociedade atual para que se possa compreender, de fato, qualquer questão dos nossos tempos. Crítico da social-democracia européia, que ao longo do século assumiu um tom reformista dentro do sistema dominante, Mészáros, que foi discípulo de György Lukács (de História e Consciência de Classe), vê com desencanto as opções que hoje se apresentam à esquerda, e também as manifestações populares que estouraram pelo mundo desde o início do ano. O motivo é simples: o discurso funciona, mas a realidade é que o sistema capitalista é cada vez mais inviável, com líderes das nações buscando mais dívidas para cobrir rombos colossais e a necessidade de se produzir cada vez mais num momento de esgotamento de recursos. A chamada crise financeira internacional, portanto, não é cíclica, mas estrutural, conforme pontua.Mesmo assim, em duas horas e meia de entrevista, Mészáros deixa escapar um certo tom de otimismo em relação ao futuro – “que, infelizmente, não será no meu tempo” – quando fala sobre tomadas de consciência e mudanças que observa na América Latina.
Abaixo, a parte da entrevista concedida por Mészáros sobre a América Latina:
O programa de Lula de combate à fome foi uma resposta a situações como a que eu vi. Hoje, pelo o que sei, não existem mais protestos por comida no Brasil. O aumento do salário mínimo também foi uma contribuição importante. E mudanças também ocorreram na Venezuela, Bolívia, Paraguai e Argentina. A Argentina, por exemplo, deveria ser um daqueles milagres econômicos. Mas o milagre argentino terminou na total falência do País. Eles chegaram até a dolarizar sua economia, abandonaram sua moeda e foram sufocados por isso. Os protestos populares levaram à mudanças significativas na Argentina. Então, a América Latina é um continente onde várias experiências interessantes ocorreram e ainda estão em curso.
Agora, eu não afirmo com isso que a América Latina, assim como o restante do mundo, poderá se isentar de enfrentar esses problemas estruturais que eu já mencionei. E esse é o grande desafio para o futuro. A dimensão muito positiva é que na América Latina existem movimentos extremamente importantes como o campesinos e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). São movimentos sociais que não tem a perspectiva de implorar por favores políticos, mas que tomam a iniciativa e tentam controlar as coisas por si mesmo. Uma das características mais importantes desses movimentos é que eles tentem controlar a situação.Na América Latina, as soluções também precisam levar em conta um esforço para remediar nossa relação com a natureza. Em um futuro próximo, por exemplo, nós teremos de considerar como colocar energia nos nossos carros. Se você produz carros, eles precisam de energia de alguma maneira. Ao mesmo tempo, nós multiplicamos cada vez mais o número de carros porque a produção não pode parar. Mas, o que precisamos fazer é perceber que a real necessidade das pessoas é o transporte, não os carros. Nós precisamos pensar em meios de transportes adequados, não carros individuais que agridem a natureza.
Eu a considero a América Latina, de longe, o continente mais esperançoso do mundo. Aqui, coisas interessantes vêm acontecendo desde os anos 70. A primeira reação aos movimentos que eclodiam, naquela época, foram as ditaduras. Ao menor sinal de problema, os norte-americanos encontravam um ditador. Eles enviavam os fuzileiros ou achavam algum general que pudesse fazer o trabalho por eles. Hoje os Estados Unidos não podem mais fazer isso, essa fase histórica passou, mas ainda carrega consequencias e repercussões.
Eu acredito que as reais transformações estruturais, que levaram séculos para acontecer do feudalismo para o capitalismo, não demorarão tanto para ocorrer. Por quê? Porque nós não temos séculos. Nosso tempo está se esgotando. E essas mudanças não podem ser pensadas como algo isolado ao “mundo subdesenvolvido”. Nós vivemos em um único mundo. Existem alguns conceitos mistificadores como “terceiro mundo”. Eu sempre rejeitei essa expressão. O que é o terceiro mundo? Eu apenas conheço um. Não é o “terceiro mundo”, mas uma parte integrada do mundo na qual os países são explorados. E a América Latina é o continente mais esperançoso onde as mudanças serão iniciadas, mas não poderão ser concluídas.
Globalização é um conceito utilizado apologeticamente. A realidade da globalização é que existe, na verdade, uma tendência para a integração econômica. Mas, politicamente, nada é resolvido. E hoje ainda prevalece a lógica de confrontar problemas políticos por meio da guerra, violência e destruição. É o que fazem os Estados Unidos. Isso é um grande absurdo porque nada na história da humanidade foi resolvido pela guerra.
Eu também tenho ressalvas à expressão “capitalismo avançado”. Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos. Você chamaria isso de avançado? Não é avançado e em muitos aspectos nos traz de volta à condição da barbárie. Rosa Luxemburgo uma vez disse “socialismo ou barbárie”. Eu acrescentaria algo à frase de Rosa Luxemburgo: “barbárie, se tivermos sorte”. Porque a destruição total da humanidade é o que está em nosso horizonte. A tendência é sempre resolver os problemas com guerras e destruições. Na Primeira Guerra, os aliados saíram vitoriosos. Mas o que eles resolveram? Eles criaram Hitler. Por isso eu digo que as decisões estão sendo tomadas às costas das pessoas. Elas nunca antecipam as coisas. Elas nunca imaginam que depois da vitória vem a destruição.
Em 1871, na Comuna de Paris, o que aconteceu foi uma brutal destruição. Bismark, o chanceler alemão, que venceu as tropas francesas anos antes, quando viu as comunas tomando o poder em Paris, ordenou a libertação dos prisioneiros de guerra franceses para destruir a organização. O que aconteceu depois? Três impérios fizeram um pacto para lutar juntos contra esses tipos de distúrbios feitos pela população, caso acontecesse de novo. Isso não é mais possível. Um dos maiores estrategistas de guerra de todos os tempos, general Klausevits, disse uma vez: “a guerra é a continuação da política, só que por outros meios”. Hoje isso é inconcebível. Uma nova guerra mundial acabaria com a humanidade. Essa é a diferença histórica fundamental.
A América Latina é hoje uma das regiões onde se tem mais esperanças, porque as pessoas estão tomando o controle das decisões, assumindo responsabilidades, depois de terem eliminado ditadores.
E como vamos fazer essa transformação? Transformando as pessoas. A exploração da esmagadora maioria das pessoas por poucos não é mais aceito como era antes. No socialismo você não pode fazer isso. Você não aceita uma minoria que controla a política e a economia tomando todas as decisões. Seria um absurdo. Por isso temos que criar uma sociedade da igualdade substancial. A produção de mercadorias e o mercado devem ser as bases dessa equalização. Precisamos ir em direção a um sistema de igualdade substancial, com reorientação, com participação nos processos de decisão, com nossas decisões sobre o que queremos fazer para tornar nossas realizações mais justas, mais igualitárias. Ninguém precisa decidir isso por você.
Em “The Critique of The Gotha Program”, Marx fez a definição do que seriam os estágios inicial e final do socialismo. No primeiro, a distribuição seria feita a cada um de acordo com a sua contribuição para o total do produto social. Na fase avançada, seria de acordo com a sua capacidade ou necessidade. Agora, quem determina o que a gente precisa? Apenas uma pessoa, você mesmo. Hoje, 1% ou 2% da população controla de 40% a 60% dos recursos e riquezas da sociedade. Para mudar isso, será preciso uma cooperação das pessoas pelo mundo. Para produzir e distribuir conforme as necessidades, será preciso criar empresas cooperativas. Isso vai ser a base da sociedade do futuro. E não podemos ter certeza de que essas transformações vão ser feitas apenas dentro da lei. Não estamos enfrentando apenas leis humanas, mas as leis da natureza. A natureza está nos impondo seus limites. Por isso precisamos nos adaptar ao melhor uso dos recursos. Isso vai acontecer em pouco tempo – mas não no meu tempo, infelizmente. As pessoas estão começando a confrontar essa realidade, sobretudo na América Latina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
comentários sujeitos a moderação.