A recuperação econômica sem criação de postos de trabalho nos EUA está se convertendo em uma recuperação sem trabalho e renda. Os salários se contraem, os postos de trabalho escasseiam, o auxílio desemprego acaba e o dólar despenca. Pode-se duvidar que os EUA estão em meio a uma depressão? Há 14 milhões de desempregados, 42 milhões dependendo dos cartões de alimentação, os sem teto não param de crescer, os despejos subiram para 2 milhões por ano. A notícia economicamente mais relevante deste primeiro semestre de 2011 é a da queda dos salários reais. A fim de manter os postos de trabalho, milhões de estadunidenses estão aceitando reduções salariais. O artigo é de Mike Whitney.
Mike Whitney
Na semana passada, o Gallup informava que “mais da metade dos estadunidenses diz que a economia está em recessão apesar dos dados oficiais, empenhados em mostrar uma recuperação moderada. A pesquisa Gallup de 20-23 de abril descobriu que só 27% diz que a economia cresce. Outros 29% dizem que a economia encontra-se em depressão, 26% que se trata de uma recessão, enquanto 16% acreditam que ela está em desaceleração”.
Assim, 55% dos estadunidenses acreditam que o país está em uma depressão ou em uma recessão, cinco anos depois do estouro da bolha imobiliária (2006) e três anos depois do colapso de Lehman Brothers (2008). Os resultados obtidos pelo Gallup batem com os de outras pesquisas que revelam um crescente desespero na opinião pública. Uma pesquisa Globescan, por exemplo, descobriu que uma boa quantidade de estadunidenses deixou totalmente de acreditar no capitalismo de livre mercado, enquanto que outras sondagens mostram uma confiança decrescente nas instituições governamentais, na Reserva Federal (FED), no Congresso, no sistema judiciário e nos meios de comunicação.
A propósito disso eis aqui o que foi dito no New York Times:
“De acordo com a última sondagem de opinião de New York Times/CBS News, os estadunidenses estão mais pessimistas do que em nenhum outro momento desde o segundo mês da presidência de Obama a respeito das perspectivas econômicas e dos rumos gerais da nação. Durante os primeiros meses de Obama, o país ainda estava imerso na Grande Recessão (...). Captando o que parece ser uma abrupta mudança de atitude, a pesquisa mostra que o número de estadunidenses que acreditando que a economia piorou saltou 13 pontos percentuais em apenas um mês”.
“A frustração a respeito dos rumos do crescimento econômico só tem aumentado: em outubro passado, 28% dos entrevistados dizia que a economia estava piorando; nesta última sondagem esse número saltou para 39%”. (Nation’s Mood at Lowest Level in Two Years, Poll Shows, New York Times).
Nem toda a propaganda produzida conseguiu alterar a opinião pública, que está convencida de que as coisas estão piorando. E as coisas estão, de fato, piorando, a não ser que você seja executivo de um fundo de investimentos ou pertença à nata de Goldman Sachs. Para estes, as coisas nunca foram melhores. A Reserva Federal inundou o mercado com o combustível supersônico das baixas taxas de juros e tudo vai bem no mundo da bolha de Wall Street. Mas se você for um dos 3 milhões de trabalhadores mais estropiados, o mais provável é que esteja cruzando os dedos no fim do mês à espera de que o crédito de seu cartão não tenha ultrapassado o limite na hora de pagar a mercearia, sob pena de sair envergonhado pela porta por onde entrou. Eis o que disse o Wall Street Journal, ao explicar os êxitos da FED:
“Desde o dia 27 de agosto do ano passado – dia em que Ben Bernanke lançou as bases de sua segunda “flexibilização quantitativa” – os investidores se lançaram a investimentos de maior risco. Desde o dia 26 de agosto, o índice Standard&Poor’s para 500 valores subiu 28%. Valores menores e geralmente de maior risco tiveram melhores resultados todavia com o índice Russell 2000 para pequenas empresas, produzindo lucros de 41% (...)”
“Os bônus das corporações empresariais dispararam e os preços das matérias primas também subiram espetacularmente. O ouro subiu 22% desde o dia 26 de agosto, e a prata 143%, batendo-se em ambos casos marcas nominais históricas. Até a demanda de títulos hipotecários subprime, tão injuriados como causadores da crise financeira, voltou a crescer” (“FED Searches for Next Step”, Wall Street Journal”).
Em alta, em alta e mais em alta. Tudo em alta. O índice S&P’s 28%; o índice Russell, 41%; e até se registra uma febril demanda de títulos hipotecariamente respaldados. Graças às alegres políticas monetárias de Bernanke, os mercados estão disparados, enquanto que os trabalhadores debilitam-se em um afundamento sem fim, capazes apenas de chegar ao fim do mês. A disparidade entre ricos e pobres é maior agora do que em nenhum outro momento desde a Era da Cobiça (a última terça parte do século XIX), e não há indícios de que essa situação será revertida. Os ricos se tornam mais ricos, e o resto segue despencando rumo à pauperização.
Entretanto, o dólar segue caindo ladeira abaixo, erodindo o poder de compra dos consumidores e forçando à população trabalhadora a optar entre o depósito de gasolina ou o dentista da pequena Jenny. A maioria opta pela gasolina. Assim, ao menos, podem chegar à fábrica na segunda-feira para arrebentar-se em outra semana de trabalhos penosos. Mais um trecho do Wall Street Journal:
“O dólar caiu a um de seus menores valores em muitos anos frente às principais moedas, debilitado por um amálgama de políticas monetárias frouxas e desequilíbrios fiscais que deixaram os investidores com uma cédula verde destroçada (...) A política monetária da Reserva Federal foi primordialmente negativa para o dólar. Em um mercado em que os investidores gravitam em torno de ativos de maiores rendimentos, o dólar foi abandonado pelos vendedores de títulos que parecem se sentir mais confortáveis com os euros, ainda que a Europa se ache em luta aberta para conter uma crise da dívida que vem ficando mais forte nos dois últimos anos”.
“A força diretriz é a política monetária (estadunidense) e o pé de página a política fiscal. Sabemos que se aproxima um trem descarrilhado e isso nos inquieta”, disse Andrew Bush, estrategista para política global de divisas em BMO Capital Markets” (“Dollar Tumbles With US Monetary, Fiscal Policy in Focus”, Wall Street Journal”).
“Trem descarrilhado”: é uma boa metáfora. A enfraquecida cédula verde está causando sofrimento real em lares que se encontram agora menos capazes de poupar, ou de devolver dívidas que herdaram do estouro da bolha imobiliária, quando o valor de sua casa começou a cair para níveis inferiores ao de sua dívida hipotecária. Agora pagam preços mais altos no posto de gasolina ou na mercearia e ficam sem dinheiro para outros usos, incluindo aí as emergências de saúde. Se Sammy cai no ginásio da escola e machuca a clavícula, o gasto resultante se acumulará no cartão Visa, isso no melhor dos casos, ou seja, se o limite do cartão não tiver sido ultrapassado. Que felizardo!
Mas o problema real são os postos de trabalho. Eles simplesmente não existem e ninguém em Washington quer fazer nada a respeito. Em sua coluna da semana passada, Paul Krugman escreveu:
“No mês passado, mais de 14 milhões de estadunidenses estavam desempregados, de acordo com a definição oficial (...) Alguns outros milhões trabalhavam em tempo parcial porque não conseguiam encontrar empregos de turno integral. E não estamos falando de privações temporais. O desemprego de longo prazo, outrora uma raridade neste país, converteu-se em algo demasiadamente normal: mais de quatro milhões de estadunidenses estão fora do mercado de trabalho há um ano ou mais”.
“Pode-se dizer que tudo isso, somado, constitui um argumento claro para que se aja mais. No entanto, o senhor Bernanke acaba de dizer que já fez tudo o que poderia ser feito. Por quê? (“The Intimidated Fed”, Paul Krugman, New York Times).
Sim. Por quê? Se o programa de Bernanke de compra de títulos públicos foi um êxito tão manifesto, por que então ele não dá prosseguimento a ele e consegue com que as pessoas voltem a trabalhar? É perguntar demais? Há 14 milhões de desempregados, 42 milhões dependendo dos cartões de alimentação, os sem teto não param de crescer, os despejos subiram para 2 milhões por ano e a maioria das pessoas acredita que estamos em uma depressão. Não acha que poderia nos dar uma mão, Benny?
Você tem alguma ideia do mal que é realmente o desemprego? Passe os olhos nisso que aparece em Calculated Risk:
“Há hoje (março de 2011) nos Estados Unidos, 130.738 milhões de postos de trabalho assalariado. Em janeiro de 2000 havia 130.781 milhões. Assim, passados onze anos, não houve nenhum aumento do volume de postos de trabalho assalariado. E a renda familiar média em dólares era de 49.777 em 2009. Apenas um pouco acima dos 43.309 dólares de 1997 e abaixo dos 51.100 dólares de 1998 (...)”.
“Há atualmente 7.25 milhões de postos de trabalho assalariado menos que antes do começo da recessão em 2007. Agora, temos 13,5 milhões de estadunidenses no desemprego; outros 8,4 milhões estão trabalhando em tempo parcial por razões econômicas e cerca de 4 milhões de trabalhadores abandonaram a força de trabalho. Dos desempregados, 6,1 milhões estão sem emprego há seis meses ou mais”. (“More than a Lost Decade”, Calculated Risk)
Uma década inteira sem criar postos de trabalho. Ninguém é contratado, os salários estão congelados e o transbordante déficit em conta corrente atual fornece a cada ano 500 bilhões de dólares para a criação de novos postos de trabalho no estrangeiro. E tudo o que Obama pretende fazer é discursar sobre a necessidade de reduzir os déficits.
E o que acontece com os postos de trabalho que desapareceram? Não eram bons postos de trabalho? Quero dizer, ao menos permitiam a alguém colocar comida na mesa e pagar as contas, não?
Pois a resposta é não. Agora mesmo, cerca de 65 milhões dos 130 milhões de postos de trabalho existentes em nosso país pagam entre 55 mil e 60 mil dólares por ano. Em outras, proporcionam um “salário para viver”, que permite às famílias não cair em uma situação de pobreza abjeta. Os outros 65 milhões de trabalhadores se arrastam com trabalhos de tempo parcial ou com pequenos trabalhos mal pagos, que rendem uma receita entre 20 e 25 mil dólares ao ano.
Esta é, pois, a situação (de acordo com David Stockman): desde 2007, perdemos 6,5 milhões de postos de trabalho bem remunerados, sem que tenhamos sido capazes de criar nenhum. Todo o crescimento se deu entre os postos de trabalho com baixos salários. Stockmnan diz:
“Na última década, perdemos cerca de 10% da economia de receitas médias e, mesmo considerando a suposta recuperação de agora, não conseguimos recuperar um só dos 6,5 milhões de postos de trabalho de classe média perdidos (...) Nesta economia, a distribuição de renda se converteu em um grande problema, e a situação está piorando, não melhorando”. (David Stockman: Lack of Middle Class Jobs plus Low Growth equals “Alleged Reovery”, Yahoo Finance)
Um antigo adepto de Reagan falando de “distribuição de renda”? Agora é um tipo de que provoca escândalo.
Pano de fundo: os postos de trabalho bem remunerados são exportados para ultramar, empurrando ao abismo as classes médias trabalhadoras estadunidenses. E a situação piora porque agora mesmo inclusive os postos de trabalho com baixo salário estão cada vez mais difíceis de encontrar. Olhem só isso, procedente de Bloomberg:
“O McDonald’s e suas franquias contrataram 62 mil pessoas nos EUA logo depois de receber mais de um milhão de solicitações de emprego, disse hoje a companhia com sede em Oak Brooks, Illinois, em uma declaração divulgada por correio eletrônico...” (Bloomberg News)
Um milhão de solicitações para servir hamburguers! Isso diz tudo.
Assim, em resumo, até os postos de trabalho mais servis e degradantes estão escasseando, o que dá uma prova adicional de que nos encontramos em uma depressão. As cifras de desemprego começaram a crescer de novo, lançando mais sombras sobre a suposta recuperação. Os novos casos registrados de desemprego chegaram a 25 mil na terceira semana de abril.
As empresas estão cortando custos para enfrentar a alta dos preços das matérias primas, que estão minguando os lucros. Uma vez mais, as cifras do desemprego bateram o recorde com 400 mil em três semanas, indicando uma maior debilidade da economia. No Wall Street Journal pode-se ler:
“No ano passado, cerca de um milhão de estadunidenses foram incapazes de encontrar trabalho após esgotar a cobertura do seguro desemprego, segundo dados divulgados pelo Departamento de Trabalho (...)”.
“Cerca de 8,2 milhões de trabalhadores desempregados recebiam uma cobertura de desemprego ao terminar a semana de 9 de abril, disse o Departamento do Trabalho, em seu informe semanal sobre o desemprego. Pode-se comparar essa cifra com os cerca de 10,5 milhões de indivíduos que no ano passado, na mesma época, recebiam subsídios: 2,3 milhões a menos!” (“One Million exhausted jobless benefits in past year”, Wall Street Journal)
Essa é a navalhada mais cruel. E também a que causa mais confusão. Por um lado, as pessoas que, sem comê-lo nem bebê-lo, perderam o emprego e foram jogadas nas filas de desempregados, aproximando-se de um mundo de pobreza demolidora. Por outro lado, ao perder o auxílio desemprego contribuíram para rebaixar as cifras de desemprego, o que dá à política do “não faça nada” de Obama uma aparência de eficácia. Um mal duplo, portanto.
Para terminar, esta nota sobre os salários do antigo Secretário do Trabalho, no governo Clinton, Robert Reich:
“A notícia economicamente mais relevante deste primeiro semestre de 2011 é a da queda dos salários reais (...) A fim de manter os postos de trabalho, milhões de estadunidenses estão aceitando reduções salariais. E se já foram despedidos a única maneira de encontrar um novo trabalho é aceitar salários ainda mais baixos”.
“A contração salarial está colocando as famílias estadunidenses em uma situação esquizoide de duplo vínculo. Antes da recessão eram capazes de pagar as faturas porque dispunham de dois salários. Agora, o mais provável é que disponham de um e meio, ou de somente um e em processo de contração (...)”.
“A recuperação econômica sem criação de postos de trabalho que os EUA estão experimentando está se convertendo em uma recuperação sem salários. O que aponta para uma probabilidade de nova recessão muito maior que o risco de inflação”. (“The Wageless recovery”, blog de Robert Reich)
Quem falou de “duplo mergulho na crise”?
Os salários se contraem, os postos de trabalho escasseiam, o auxílio desemprego acaba e o dólar despenca. Pode-se duvidar que estamos em meio a uma depressão?
(*) Mike Whitney é um analista político independente que vive no estado de Washington e colabora regularmente com a revista CounterPunch.
(**) Tradução de Katarina Peixoto a partir da versão em língua espanhola publicada em Sin Permiso.
Assim, 55% dos estadunidenses acreditam que o país está em uma depressão ou em uma recessão, cinco anos depois do estouro da bolha imobiliária (2006) e três anos depois do colapso de Lehman Brothers (2008). Os resultados obtidos pelo Gallup batem com os de outras pesquisas que revelam um crescente desespero na opinião pública. Uma pesquisa Globescan, por exemplo, descobriu que uma boa quantidade de estadunidenses deixou totalmente de acreditar no capitalismo de livre mercado, enquanto que outras sondagens mostram uma confiança decrescente nas instituições governamentais, na Reserva Federal (FED), no Congresso, no sistema judiciário e nos meios de comunicação.
A propósito disso eis aqui o que foi dito no New York Times:
“De acordo com a última sondagem de opinião de New York Times/CBS News, os estadunidenses estão mais pessimistas do que em nenhum outro momento desde o segundo mês da presidência de Obama a respeito das perspectivas econômicas e dos rumos gerais da nação. Durante os primeiros meses de Obama, o país ainda estava imerso na Grande Recessão (...). Captando o que parece ser uma abrupta mudança de atitude, a pesquisa mostra que o número de estadunidenses que acreditando que a economia piorou saltou 13 pontos percentuais em apenas um mês”.
“A frustração a respeito dos rumos do crescimento econômico só tem aumentado: em outubro passado, 28% dos entrevistados dizia que a economia estava piorando; nesta última sondagem esse número saltou para 39%”. (Nation’s Mood at Lowest Level in Two Years, Poll Shows, New York Times).
Nem toda a propaganda produzida conseguiu alterar a opinião pública, que está convencida de que as coisas estão piorando. E as coisas estão, de fato, piorando, a não ser que você seja executivo de um fundo de investimentos ou pertença à nata de Goldman Sachs. Para estes, as coisas nunca foram melhores. A Reserva Federal inundou o mercado com o combustível supersônico das baixas taxas de juros e tudo vai bem no mundo da bolha de Wall Street. Mas se você for um dos 3 milhões de trabalhadores mais estropiados, o mais provável é que esteja cruzando os dedos no fim do mês à espera de que o crédito de seu cartão não tenha ultrapassado o limite na hora de pagar a mercearia, sob pena de sair envergonhado pela porta por onde entrou. Eis o que disse o Wall Street Journal, ao explicar os êxitos da FED:
“Desde o dia 27 de agosto do ano passado – dia em que Ben Bernanke lançou as bases de sua segunda “flexibilização quantitativa” – os investidores se lançaram a investimentos de maior risco. Desde o dia 26 de agosto, o índice Standard&Poor’s para 500 valores subiu 28%. Valores menores e geralmente de maior risco tiveram melhores resultados todavia com o índice Russell 2000 para pequenas empresas, produzindo lucros de 41% (...)”
“Os bônus das corporações empresariais dispararam e os preços das matérias primas também subiram espetacularmente. O ouro subiu 22% desde o dia 26 de agosto, e a prata 143%, batendo-se em ambos casos marcas nominais históricas. Até a demanda de títulos hipotecários subprime, tão injuriados como causadores da crise financeira, voltou a crescer” (“FED Searches for Next Step”, Wall Street Journal”).
Em alta, em alta e mais em alta. Tudo em alta. O índice S&P’s 28%; o índice Russell, 41%; e até se registra uma febril demanda de títulos hipotecariamente respaldados. Graças às alegres políticas monetárias de Bernanke, os mercados estão disparados, enquanto que os trabalhadores debilitam-se em um afundamento sem fim, capazes apenas de chegar ao fim do mês. A disparidade entre ricos e pobres é maior agora do que em nenhum outro momento desde a Era da Cobiça (a última terça parte do século XIX), e não há indícios de que essa situação será revertida. Os ricos se tornam mais ricos, e o resto segue despencando rumo à pauperização.
Entretanto, o dólar segue caindo ladeira abaixo, erodindo o poder de compra dos consumidores e forçando à população trabalhadora a optar entre o depósito de gasolina ou o dentista da pequena Jenny. A maioria opta pela gasolina. Assim, ao menos, podem chegar à fábrica na segunda-feira para arrebentar-se em outra semana de trabalhos penosos. Mais um trecho do Wall Street Journal:
“O dólar caiu a um de seus menores valores em muitos anos frente às principais moedas, debilitado por um amálgama de políticas monetárias frouxas e desequilíbrios fiscais que deixaram os investidores com uma cédula verde destroçada (...) A política monetária da Reserva Federal foi primordialmente negativa para o dólar. Em um mercado em que os investidores gravitam em torno de ativos de maiores rendimentos, o dólar foi abandonado pelos vendedores de títulos que parecem se sentir mais confortáveis com os euros, ainda que a Europa se ache em luta aberta para conter uma crise da dívida que vem ficando mais forte nos dois últimos anos”.
“A força diretriz é a política monetária (estadunidense) e o pé de página a política fiscal. Sabemos que se aproxima um trem descarrilhado e isso nos inquieta”, disse Andrew Bush, estrategista para política global de divisas em BMO Capital Markets” (“Dollar Tumbles With US Monetary, Fiscal Policy in Focus”, Wall Street Journal”).
“Trem descarrilhado”: é uma boa metáfora. A enfraquecida cédula verde está causando sofrimento real em lares que se encontram agora menos capazes de poupar, ou de devolver dívidas que herdaram do estouro da bolha imobiliária, quando o valor de sua casa começou a cair para níveis inferiores ao de sua dívida hipotecária. Agora pagam preços mais altos no posto de gasolina ou na mercearia e ficam sem dinheiro para outros usos, incluindo aí as emergências de saúde. Se Sammy cai no ginásio da escola e machuca a clavícula, o gasto resultante se acumulará no cartão Visa, isso no melhor dos casos, ou seja, se o limite do cartão não tiver sido ultrapassado. Que felizardo!
Mas o problema real são os postos de trabalho. Eles simplesmente não existem e ninguém em Washington quer fazer nada a respeito. Em sua coluna da semana passada, Paul Krugman escreveu:
“No mês passado, mais de 14 milhões de estadunidenses estavam desempregados, de acordo com a definição oficial (...) Alguns outros milhões trabalhavam em tempo parcial porque não conseguiam encontrar empregos de turno integral. E não estamos falando de privações temporais. O desemprego de longo prazo, outrora uma raridade neste país, converteu-se em algo demasiadamente normal: mais de quatro milhões de estadunidenses estão fora do mercado de trabalho há um ano ou mais”.
“Pode-se dizer que tudo isso, somado, constitui um argumento claro para que se aja mais. No entanto, o senhor Bernanke acaba de dizer que já fez tudo o que poderia ser feito. Por quê? (“The Intimidated Fed”, Paul Krugman, New York Times).
Sim. Por quê? Se o programa de Bernanke de compra de títulos públicos foi um êxito tão manifesto, por que então ele não dá prosseguimento a ele e consegue com que as pessoas voltem a trabalhar? É perguntar demais? Há 14 milhões de desempregados, 42 milhões dependendo dos cartões de alimentação, os sem teto não param de crescer, os despejos subiram para 2 milhões por ano e a maioria das pessoas acredita que estamos em uma depressão. Não acha que poderia nos dar uma mão, Benny?
Você tem alguma ideia do mal que é realmente o desemprego? Passe os olhos nisso que aparece em Calculated Risk:
“Há hoje (março de 2011) nos Estados Unidos, 130.738 milhões de postos de trabalho assalariado. Em janeiro de 2000 havia 130.781 milhões. Assim, passados onze anos, não houve nenhum aumento do volume de postos de trabalho assalariado. E a renda familiar média em dólares era de 49.777 em 2009. Apenas um pouco acima dos 43.309 dólares de 1997 e abaixo dos 51.100 dólares de 1998 (...)”.
“Há atualmente 7.25 milhões de postos de trabalho assalariado menos que antes do começo da recessão em 2007. Agora, temos 13,5 milhões de estadunidenses no desemprego; outros 8,4 milhões estão trabalhando em tempo parcial por razões econômicas e cerca de 4 milhões de trabalhadores abandonaram a força de trabalho. Dos desempregados, 6,1 milhões estão sem emprego há seis meses ou mais”. (“More than a Lost Decade”, Calculated Risk)
Uma década inteira sem criar postos de trabalho. Ninguém é contratado, os salários estão congelados e o transbordante déficit em conta corrente atual fornece a cada ano 500 bilhões de dólares para a criação de novos postos de trabalho no estrangeiro. E tudo o que Obama pretende fazer é discursar sobre a necessidade de reduzir os déficits.
E o que acontece com os postos de trabalho que desapareceram? Não eram bons postos de trabalho? Quero dizer, ao menos permitiam a alguém colocar comida na mesa e pagar as contas, não?
Pois a resposta é não. Agora mesmo, cerca de 65 milhões dos 130 milhões de postos de trabalho existentes em nosso país pagam entre 55 mil e 60 mil dólares por ano. Em outras, proporcionam um “salário para viver”, que permite às famílias não cair em uma situação de pobreza abjeta. Os outros 65 milhões de trabalhadores se arrastam com trabalhos de tempo parcial ou com pequenos trabalhos mal pagos, que rendem uma receita entre 20 e 25 mil dólares ao ano.
Esta é, pois, a situação (de acordo com David Stockman): desde 2007, perdemos 6,5 milhões de postos de trabalho bem remunerados, sem que tenhamos sido capazes de criar nenhum. Todo o crescimento se deu entre os postos de trabalho com baixos salários. Stockmnan diz:
“Na última década, perdemos cerca de 10% da economia de receitas médias e, mesmo considerando a suposta recuperação de agora, não conseguimos recuperar um só dos 6,5 milhões de postos de trabalho de classe média perdidos (...) Nesta economia, a distribuição de renda se converteu em um grande problema, e a situação está piorando, não melhorando”. (David Stockman: Lack of Middle Class Jobs plus Low Growth equals “Alleged Reovery”, Yahoo Finance)
Um antigo adepto de Reagan falando de “distribuição de renda”? Agora é um tipo de que provoca escândalo.
Pano de fundo: os postos de trabalho bem remunerados são exportados para ultramar, empurrando ao abismo as classes médias trabalhadoras estadunidenses. E a situação piora porque agora mesmo inclusive os postos de trabalho com baixo salário estão cada vez mais difíceis de encontrar. Olhem só isso, procedente de Bloomberg:
“O McDonald’s e suas franquias contrataram 62 mil pessoas nos EUA logo depois de receber mais de um milhão de solicitações de emprego, disse hoje a companhia com sede em Oak Brooks, Illinois, em uma declaração divulgada por correio eletrônico...” (Bloomberg News)
Um milhão de solicitações para servir hamburguers! Isso diz tudo.
Assim, em resumo, até os postos de trabalho mais servis e degradantes estão escasseando, o que dá uma prova adicional de que nos encontramos em uma depressão. As cifras de desemprego começaram a crescer de novo, lançando mais sombras sobre a suposta recuperação. Os novos casos registrados de desemprego chegaram a 25 mil na terceira semana de abril.
As empresas estão cortando custos para enfrentar a alta dos preços das matérias primas, que estão minguando os lucros. Uma vez mais, as cifras do desemprego bateram o recorde com 400 mil em três semanas, indicando uma maior debilidade da economia. No Wall Street Journal pode-se ler:
“No ano passado, cerca de um milhão de estadunidenses foram incapazes de encontrar trabalho após esgotar a cobertura do seguro desemprego, segundo dados divulgados pelo Departamento de Trabalho (...)”.
“Cerca de 8,2 milhões de trabalhadores desempregados recebiam uma cobertura de desemprego ao terminar a semana de 9 de abril, disse o Departamento do Trabalho, em seu informe semanal sobre o desemprego. Pode-se comparar essa cifra com os cerca de 10,5 milhões de indivíduos que no ano passado, na mesma época, recebiam subsídios: 2,3 milhões a menos!” (“One Million exhausted jobless benefits in past year”, Wall Street Journal)
Essa é a navalhada mais cruel. E também a que causa mais confusão. Por um lado, as pessoas que, sem comê-lo nem bebê-lo, perderam o emprego e foram jogadas nas filas de desempregados, aproximando-se de um mundo de pobreza demolidora. Por outro lado, ao perder o auxílio desemprego contribuíram para rebaixar as cifras de desemprego, o que dá à política do “não faça nada” de Obama uma aparência de eficácia. Um mal duplo, portanto.
Para terminar, esta nota sobre os salários do antigo Secretário do Trabalho, no governo Clinton, Robert Reich:
“A notícia economicamente mais relevante deste primeiro semestre de 2011 é a da queda dos salários reais (...) A fim de manter os postos de trabalho, milhões de estadunidenses estão aceitando reduções salariais. E se já foram despedidos a única maneira de encontrar um novo trabalho é aceitar salários ainda mais baixos”.
“A contração salarial está colocando as famílias estadunidenses em uma situação esquizoide de duplo vínculo. Antes da recessão eram capazes de pagar as faturas porque dispunham de dois salários. Agora, o mais provável é que disponham de um e meio, ou de somente um e em processo de contração (...)”.
“A recuperação econômica sem criação de postos de trabalho que os EUA estão experimentando está se convertendo em uma recuperação sem salários. O que aponta para uma probabilidade de nova recessão muito maior que o risco de inflação”. (“The Wageless recovery”, blog de Robert Reich)
Quem falou de “duplo mergulho na crise”?
Os salários se contraem, os postos de trabalho escasseiam, o auxílio desemprego acaba e o dólar despenca. Pode-se duvidar que estamos em meio a uma depressão?
(*) Mike Whitney é um analista político independente que vive no estado de Washington e colabora regularmente com a revista CounterPunch.
(**) Tradução de Katarina Peixoto a partir da versão em língua espanhola publicada em Sin Permiso.
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