A revolução inconclusa (3)
05/08/2010 - 23:06 | Enviado por: Mauro Santayana
Por Mauro Santayana
Os paulistas, logo que se formou a Aliança Liberal, denunciaram-na como um movimento contra o estado, fomentado pelo sentimento de inveja dos políticos do resto do país pelo seu deslumbrante progresso. São Paulo fora favorecido pelas circunstâncias, que começaram a reunir-se com a abolição, o trabalho assalariado e a imigração. Nas três primeiras décadas do século 20 a indústria de manufatura, estimulada pela energia elétrica, construiu fortunas e impôs o aparecimento de novas forças econômicas e políticas. Isso levou suas elites à pretensão de hegemonia sobre o resto do Brasil. Os governantes de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba perceberam que, sem a reação do resto do país, as elites de São Paulo transformariam a superioridade econômica do estado em escancarada ditadura política.
E havia a questão social. A República não fora capaz de aliviar a situação da imensa maioria da população do país. Tanto quanto as penosas condições de vida, com salários vis, trabalho de 12 ou mais horas por dia, seis dias por semana nas cidades e de sol a sol no campo, o tratamento ignominioso dos senhores da terra e dos capatazes nos meios urbanos começava a ser insuportável para os trabalhadores. Desde a Revolução Soviética crescia o movimento reivindicatório nas cidades, com sua repercussão, ainda tênue, no campo. Os anarquistas e os comunistas se organizavam, surgiam as primeiras associações sindicais, os intelectuais debatiam o assunto. Na defesa do sistema de domínio oligárquico, Washington Luís desdenhava os movimentos reivindicatórios, com a filosofia de que bastava a polícia para resolver a questão social.
Alguns percebiam o perigo de uma insurreição espontânea, entre eles muitos dos “tenentes” que haviam participado das insurreições de 22, de 24 e da Coluna Prestes, e que viriam a participar do movimento. Antonio Carlos de Andrada, governador de Minas, expressou a situação com a frase conhecida: “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”. Se a revolução não se fizesse sob o comando dos políticos moderados, ela viria do descontentamento social, com violência incontrolável e resultados sangrentos. Por isso, a Aliança Liberal tratava sem subterfúgios da questão social, ao pregar a jornada de oito horas de trabalho, a adoção de salários justos, a emancipação política e social das mulheres, o voto secreto e universal.
Apesar dos insistentes golpes reacionários, no curso dos últimos 80 anos, muitas das reivindicações daquele tempo foram satisfeitas, com Getulio, em 51; Juscelino, em 56; e Jango, em 61. Mas o retorno aos ideais de 30 foi impedido pelo golpe militar de 1964: o poder financeiro ainda prevalece sobre o capital produtivo e os trabalhadores rurais – como os cortadores de cana e os nômades contratados pelas grandes empresas do agronegócio – são tratados como semiescravos. Ainda estamos à espera da reforma agrária, que foi a base da sociedade industrial no mundo desenvolvido.
A Constituição de 1988 restaurou os princípios fundamentais de 30, mas os governos neoliberais, submissos à globalização da economia, mais uma vez interromperam o processo, mediante emendas constitucionais absurdas. Os estados, ofendidos, de fato, pelos interventores do governo militar, perderam, depois de 1995, com o governo tucano, o resto de sua autonomia política e administrativa, impedidos de ter seus bancos oficiais e suas empresas estatais. Dependentes dos recursos tributários federais, ficaram submetidos à força política de Brasília e ao poder econômico de São Paulo.
Para a Aliança Liberal não havia partidos, nem programas. Continuamos sem partidos, sem programas – e sem federação.
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