Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Entre o medo e a megalomania

A paranoia americana


Por Mauro Santayana
Entre os documentos diplomáticos divulgados, há um, sobre o Brasil, que merece comentário especial. Os norte-americanos, ao analisarem nossa política estratégica, afirmam que há uma tradicional “paranoia” do Brasil com relação à Amazônia. O vocábulo vem a calhar, como dizem nossos irmãos portugueses. Paranoia, segundo os especialistas, é uma visão paralela da realidade, uma deturpação mental, que pode designar personalidade reduzida e atormentada pelo medo, mas também identificar alguém que se julga em plano superior, como um titã, ou um deus. Se partirmos dessa definição científica, os Estados Unidos são exemplo clássico de nação paranoica.

O que é a grande virtude dos Estados Unidos, a colonização do território pelos puritanos ingleses, e sua obstinação pela liberdade, pode ser entendido, também, como fragilidade. O fundamentalismo protestante, que se expressou na perseguição às bruxas e na violência contra os pecadores, é bem reconstituído por Nathaniel Hawthorne em A letra escarlate, e pela peça clássica de Arthur Miller The crucible (As feiticeiras de Salém). Nessa obra, Miller faz inteligente ligação entre a intolerância ensandecida dos peregrinos e a “caça às bruxas” do macartismo dos anos 50. A paranoia norte-americana se revela na oscilação entre o medo e a megalomania, que lhes serve como escudo contra o sentimento de perseguição de que padecem. Enfim, em termos modernos de psiquiatria, trata-se de um temperamento bipolar, ou psicose maníaco-depressiva. Até mesmo na ficção, na fantasia, os Estados Unidos expressam sua paranoia, ao criar heróis como o super-homem, capazes de vencer a gravidade, blindar o corpo, ou adquirir a fisiologia da aranha e a força dos titãs.

É assim que se explica a preocupação da Secretaria de Estado dos EUA em conhecer a íris dos dirigentes paraguaios (e provavelmente de muitos outros políticos do mundo), além de suas impressões digitais e seu DNA: que perigo pode representar para os Estados Unidos o pequeno país mediterrâneo da América do Sul, com as dificuldades econômicas que todos conhecem?

Esse jogo dialético da paranoia, entre o medo e a megalomania, encontra expressão política clara em O destino manifesto. A ideia de que devem proteger-se contra os inimigos deve ser vencida pela ampliação de suas “virtudes”, mediante a expansão territorial. No mesmo ano em que John O’Sullivan criava a expressão na Democratic review (1857), o presidente Buchanan (hoje marca de uísque) dizia, ao assumir o cargo, em março, que “a expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, do Ártico à América do Sul, é o destino de nossa raça, e nada pode detê-la”. A expansão já se iniciara, com a usurpação da maior parte do México, na Guerra de 1848-49, e seria retomada retomada por McKinley, na anexação do Havaí e na conquista das possessões espanholas no Caribe e nas Filipinas. Os Estados Unidos se acham perseguidos pelo jornalista Julian Assange. É clara a ligação entre o seu trabalho e o pedido de que seja preso, sob a estranha acusação de estupro na Suécia.

A história da cobiça sobre a Amazônia é bem conhecida, para que não seja paranoica a nossa preocupação com a área. Essa cobiça levou-os e aos ingleses a criarem o Anglo-Bolivian Syndicate, que pretendia ocupar um enclave no noroeste amazônico, a partir do Acre.

Há mais coisas a vir, das revelações do WikiLeaks, e muitas delas, pelo que se anuncia, nos trarão constrangimentos, porque denunciarão atos de subserviência, talvez mesmo de traição explícita, de personalidades políticas brasileiras. Há quem veja nos vazamentos uma intenção deliberada de policy makers americanos, a fim de provocar a cizânia entre os países, que a sua paranoia identifica como eventuais adversários. Embora tudo seja possível, isso parece improvável.
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