A sanha acusatória e condenatória que embriagou há dita “grande imprensa” acaba de ser posta a nu pela revelação de que o atual diretor de Abastecimento da Petrobrás, José Carlos Cosenza, foi acusado injustamente de receber propina de empreiteiras.
Na segunda-feira, Folha de São Paulo, Estadão, o aparato acusatório da Editora Abril, o Jornal Nacional e todo o resto da grande mídia se esbaldaram com a notícia de que Cosenza estaria envolvido no escândalo porque, até aqui, todos os funcionários da Petrobrás que foram acusados trabalharam na empresa antes da gestão da presidente Graça Foster.
Consenza seria um prato saboroso para o aparato de linchamento midiático da grande mídia porque, na visão dela, através do diretor acusado seria possível fazer ilações relativas à presidente Dilma Rousseff.
Por conta disso, o blogueiro do UOL Josias de Souza, um dos linchadores de petistas que dá plantão 24 horas por dia, não esperou para fazer piada com o aparecimento do nome de Cosenza nas investigações, atribuindo à presidente Graça Foster o papel de “maestro do Titanic” por estar ao lado do subordinado em entrevista coletiva à imprensa.
Trecho de post publicado por esse pistoleiro do UOL mostra quão pouco se espera hoje na “grande” imprensa para decretar culpas indubitáveis:
“Afundada em corrupção, a
Petrobras acredita ter encontrado uma saída para a mais grave crise de
toda a sua história. A companhia estuda criar uma nova diretoria. Vem aí
a diretoria de governança. Terá a missão de zelar pelo “cumprimento de
leis e regulamentos”, informou Graça Foster. Vendida como “a mais
importante das ações” da estatal para superar a crise, a provável
criação do novo cargo se assemelha à ordem do maestro do Titanic para
que a orquestra continuasse tocando enquanto o transatlântico afundava.
Graça Foster comunicou a novidade aos jornalistas do lado de diretores
da Petrobras. Entre eles o atual titular da área de Abastecimento, José
Carlos Cosenza. Que foi denunciado pelos delatores Paulo Roberto Costa e
Alberto Youssef como beneficiário de propinas de empreiteiras (…)”
Como se vê, o critério desses jornalistas é o seguinte: surgiu a acusação, independentemente de qualquer aprofundamento da investigação da denúncia, a culpa estará decretada e o acusado já começa a cumprir pena antes de sequer ter sido iniciado eventual processo legal.
Graça Foster, que assumiu a Petrobrás após a época dos funcionários envolvidos em corrupção, torna-se “maestro do Titanic” e sofre ataques por estar ao lado daquele que já começava a ser linchado.
Mas pior do que isso foi o nome de Consenza ser colocado no inquérito e enviado para o juiz federal que cuida do caso, Sergio Moro, e depois sabermos que este se espantou porque, apesar de o nome do diretor de Abastecimento da Petrobrás estar no processo, não havia um único indício de sua participação no esquema criminoso, de modo que Moro requereu à PF que fornecesse os dados que sustentariam aquela acusação.
A PF responde ao juiz que incluiu o nome de Cosenza no inquérito indevidamente. E quem aparece como um dos responsáveis por esse “erro”? Um dos delegados que reportagem recente do jornal O Estado de São Paulo revelou que costuma insultar a presidente da República e seu antecessor em redes sociais.
Surge, pois, uma dúvida: será que os desafetos de Dilma e Lula na PF – que, por “coincidência”, são os que conduzem a operação Lava-Jato – não acharam que, dado o atual clima de linchamento, sustentar uma acusação com provas nem seria necessário?
Afinal, vazar o nome de Cosenza como envolvido no escândalo seria muito útil à responsabilização de Graça Foster e Dilma Rousseff…
Quantos inocentes estão sendo punidos sem julgamento só por terem sido citados por meliantes como Alberto Yousseff e Paulo Roberto Costa? Será difícil entender que esses delatores não são dignos da menor confiança a menos que provem suas afirmações?
Será caso isolado, o de Cosenza, ou – o que é mais provável – outros acusados injustamente haverão de surgir?
No que diz respeito a apuração e divulgação de notícias envolvendo corrupção, envolvendo acusações às pessoas, a imprensa deveria se valer dos mesmos princípios do Bom Direito.
Talvez esses jornalistas não conheçam tais princípios, de modo que artigo de um juiz de Direito aposentado sobre o tema poderia contribuir para ilustrar essa imprensa irresponsável. Confira, abaixo, artigo do ex-juiz, professor e escritor João Baptista Herkenhoff.
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O bom Direito
Por João Baptista Herkenhoff,
Juiz de Direito (ES) aposentado, professor e escritor
Este artigo não se refere a pessoas, mas sim a princípios jurídicos. Suponho que a leitura será proveitosa, não apenas para quem integra o mundo do Direito, mas para os cidadãos em geral.
Os princípios são aplicáveis hoje, como foram aplicáveis ontem e serão aplicáveis amanhã.
Tentarei elencar alguns princípios que constituem a essência do Direito numa sociedade democrática.
- O princípio de que, no processo criminal, a dúvida beneficia o réu permanece de pé. Resume-se nesta frase latina: In dubio pro reo. É melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente.
- No estado democrático de direito todos têm direito a um julgamento justo pelos tribunais. Observe-se a abrangência do pronome todos: ninguém fica de fora. Este princípio persevera em qualquer situação, não cabendo excepcioná-lo à face de determinadas contingências de um momento histórico.
- Ainda que líderes proeminentes de um partido politico ou de um credo religioso estejam sendo julgados, a sentença não pode colocar no banco dos réus o partido político ou o credo religioso. Deve limitar-se aos agentes abarcados pelo processo.
- Todo magistrado carrega, na sua mente, uma ideologia. Não há magistrados ideologicamente neutros. A suposta neutralidade ideológica das cortes é uma hipocrisia. Espera-se, porém, como exigência ética, que a ideologia não afaste os magistrados do dever de julgar segundo critérios de Justiça.
- Os tribunais coletivos existem para que se manifestem as divergências. Dos julgamentos da primeira instância, proferidos em regra por um juiz singular, cabe recurso ao juízo coletivo, justamente para favorecer a expressão de entendimentos divergentes. O voto vencido deve ser respeitado.
- Jamais o alarido da imprensa deve afastar o magistrado da obrigação de julgar segundo sua consciência. Ainda que a multidão grite Barrabás, o magistrado incorruptível caminhará sereno através da corrente ruidosa e, se não estiver plenamente convencido da culpa do acusado, proferirá sentença de absolvição.
- A condenação criminal exige provas. Não se pode basear em ilações, inferências, encadeamento de hipóteses, presunções, suposições. Esta é uma conquista milenar do Direito. Mesmo que o juiz esteja subjetivamente convencido da culpa, não lhe é lícito condenar, se não houver nos autos prova evidente da culpabilidade.
- Quando o advogado coloca seu zelo profissional na sustentação da defesa, não está subscrevendo o delito ou colaborando para sua prática, mas cumprindo um papel essencial à prática da Justiça. O processo criminal é dialético, sustenta-se na ideia de ser indispensável o confronto acusação defesa.
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