Pedro Maciel
A ministra Cármen Lúcia, futura presidente do STF, não pode ser lembrada apenas pela sua malcriação recente, pois ela é uma pessoa de idéias interessantes.
Ela já falou sobre a pertinência de um mandato para os ministros da mais alta corte de Justiça do País, com tempo de permanência: nove a 12 anos, talvez ela, como eu, veja que há uma triste e indesejada relação entre a aristocracia e o Poder Judiciário no Brasil.
Isso mesmo. Penso que tanto o Poder Judiciário, quanto outras carreiras de Estado estão contaminados por uma cultura aristocrática de privilégios.
Dos três poderes clássicos do Estado Democrático de Direito apenas o Judiciário não é essencialmente democrático, já que não é submetido ao escrutínio do "demos" (povo) na definição de seu acesso, composição, promoção e acesso às funções de direção dos tribunais, e em pleno século XXI merece reflexão.
E por que não é democrático? Porque o acesso dos membros do Poder Judiciário dá-se com fundamento na meritocracia, na medida em que seus membros são escolhidos com base numa demonstração de mérito técnico, ou profissional, mediante concursos públicos; já no Executivo e no Legislativo os detentores do poder decisório principal são políticos eleitos diretamente pelo povo.
Nos cursos de graduação, aprendemos que a jurisdição é prerrogativa dos membros do Poder Judiciário, mas a hiperconcentração de poder e legitimidade no Poder Judiciário, e mais recentemente no Ministério Público, esvazia os demais Poderes, esvazia o necessário movimento e envolvimento da sociedade civil nas questões políticas e cidadãs.
Um exemplo disso são as decisões que interferem nos orçamentos municipal, estadual e federal, ou seja, decisões monocráticas que alteram leis e políticas públicas de cujo processo construtivo o Judiciário sequer não participou, como escrevi recentemente.
E recupero o conceito também porque acredito que o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico não está propriamente na legislação, na burocracia, na ciência do direito ou na jurisprudência, mas na sociedade mesma.
Há na sociedade, entre a ação humana e as estruturas sociais, uma tensão contínua, pois na primeira a diversidade se contrapõe à unidade da segunda. E as estruturas e instituições nada mais são que artefatos humanos cabendo ao Direito harmonizar a tensão entre ação humana e estruturas sociais, assim como compatibilizar diversidade e unidade. Tanto isso é verdade que podemos afirmar que as estruturas e instituições transformam-se continuamente.
A doutrina faz uma distinção entre agentes públicos e agentes políticos, sendo que os agentes políticos seriam "... os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente, governadores, prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos chefes do Executivo, isto é, ministros e secretários das diversas pastas, bem como os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público?"
Contudo, a reflexão necessária é a seguinte: sendo os juízes, órgãos do Poder Judiciário ou titulares de cargos estruturais à organização política do País, não deveriam ser tratados como agentes políticos? E os cargos de direção dos diversos tribunais não deveriam ser ocupados através de eleição direta, com participação popular efetiva?
Como escrevi acima penso que há um viés aristocrático na forma de acesso dos juízes à carreira, mas esse não é o maior problema. Acredito que as promoções de juiz substituto para juiz titular de 1ª, 2ª, 3ª entrâncias e entrância especial e depois para desembargador poderiam ocorrer através de outros concursos públicos ou através de eleições. Porque a função jurisdicional torna os magistrados verdadeiros agentes políticos, são profissionais que carregam grande responsabilidade, suas decisões são capazes de influenciar no destino da sociedade à qual eles que devem servir e que os legitima. Não são os magistrados agentes públicos comuns, essa é mais uma razão para, através de Emenda Constitucional, ser revista a forma de promoção e de acesso aos cargos de direção do Poder Judiciário.
Não sendo realizado esse debate estaremos apenas reproduzindo a lógica aristocrática de natureza essencialmente elitista. Acredito na Democracia como um sistema de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos.
Mas e os concursos nesse contexto?
Creio que o acesso de magistrados por concursos não são garantia permanente à sociedade. Afinal, se por um lado os políticos ineficazes ou corruptos são submetidos ao escrutínio popular e podem não voltar a ser eleitos (e hoje existem os controles do Ministério Público, Tribunal de Contas dos Estados e da União. "Ficha Limpa", etc.), por outro os funcionários concursados gozam de estabilidade no emprego, e gozam de vitaliciedade e inamovibilidade, o que os diferencia.
A vitaliciedade e inamovibilidade são condições necessárias ao bom exercício e adequada prestação jurisdicional, pois a sociedade não pode ter juízes receosos de uma eventual demissão, ou de uma transferência involuntária. Contudo, se por um lado tais proteções viabilizam bons julgamentos, por outro criam uma categoria profissional extremamente diferenciada e privilegiada o que pode afastá-la dos anseios sociais. Isto é particularmente grave por se tratar de funcionários do Estado que, diferentemente dos demais burocratas públicos, tomam decisões de especial gravidade para os cidadãos. É necessário pensarmos em anular o caráter aristocrático do Poder Judiciário.
A parte mais simples da solução seria a extinção dos privilégios, como as férias duplas, por exemplo, mas a parte mais complexa é a criação de mecanismos institucionais que torne a magistratura mais adequada ao século XXI e às sociedades democráticas, começando com a existência e manutenção de órgão de controle como o Conselho Nacional de Justiça e com a abertura de um debate amplo sobre formas mais democráticas de promoção e de acesso às funções de direção nos tribunais e quando falo em formas democráticas me refiro a eleições que garantam o respeito à soberania popular.
A ministra Cármen Lúcia, futura presidente do STF, não pode ser lembrada apenas pela sua malcriação recente, pois ela é uma pessoa de idéias interessantes.
Ela já falou sobre a pertinência de um mandato para os ministros da mais alta corte de Justiça do País, com tempo de permanência: nove a 12 anos, talvez ela, como eu, veja que há uma triste e indesejada relação entre a aristocracia e o Poder Judiciário no Brasil.
Isso mesmo. Penso que tanto o Poder Judiciário, quanto outras carreiras de Estado estão contaminados por uma cultura aristocrática de privilégios.
Dos três poderes clássicos do Estado Democrático de Direito apenas o Judiciário não é essencialmente democrático, já que não é submetido ao escrutínio do "demos" (povo) na definição de seu acesso, composição, promoção e acesso às funções de direção dos tribunais, e em pleno século XXI merece reflexão.
E por que não é democrático? Porque o acesso dos membros do Poder Judiciário dá-se com fundamento na meritocracia, na medida em que seus membros são escolhidos com base numa demonstração de mérito técnico, ou profissional, mediante concursos públicos; já no Executivo e no Legislativo os detentores do poder decisório principal são políticos eleitos diretamente pelo povo.
Nos cursos de graduação, aprendemos que a jurisdição é prerrogativa dos membros do Poder Judiciário, mas a hiperconcentração de poder e legitimidade no Poder Judiciário, e mais recentemente no Ministério Público, esvazia os demais Poderes, esvazia o necessário movimento e envolvimento da sociedade civil nas questões políticas e cidadãs.
Um exemplo disso são as decisões que interferem nos orçamentos municipal, estadual e federal, ou seja, decisões monocráticas que alteram leis e políticas públicas de cujo processo construtivo o Judiciário sequer não participou, como escrevi recentemente.
E recupero o conceito também porque acredito que o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico não está propriamente na legislação, na burocracia, na ciência do direito ou na jurisprudência, mas na sociedade mesma.
Há na sociedade, entre a ação humana e as estruturas sociais, uma tensão contínua, pois na primeira a diversidade se contrapõe à unidade da segunda. E as estruturas e instituições nada mais são que artefatos humanos cabendo ao Direito harmonizar a tensão entre ação humana e estruturas sociais, assim como compatibilizar diversidade e unidade. Tanto isso é verdade que podemos afirmar que as estruturas e instituições transformam-se continuamente.
A doutrina faz uma distinção entre agentes públicos e agentes políticos, sendo que os agentes políticos seriam "... os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente, governadores, prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos chefes do Executivo, isto é, ministros e secretários das diversas pastas, bem como os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público?"
Contudo, a reflexão necessária é a seguinte: sendo os juízes, órgãos do Poder Judiciário ou titulares de cargos estruturais à organização política do País, não deveriam ser tratados como agentes políticos? E os cargos de direção dos diversos tribunais não deveriam ser ocupados através de eleição direta, com participação popular efetiva?
Como escrevi acima penso que há um viés aristocrático na forma de acesso dos juízes à carreira, mas esse não é o maior problema. Acredito que as promoções de juiz substituto para juiz titular de 1ª, 2ª, 3ª entrâncias e entrância especial e depois para desembargador poderiam ocorrer através de outros concursos públicos ou através de eleições. Porque a função jurisdicional torna os magistrados verdadeiros agentes políticos, são profissionais que carregam grande responsabilidade, suas decisões são capazes de influenciar no destino da sociedade à qual eles que devem servir e que os legitima. Não são os magistrados agentes públicos comuns, essa é mais uma razão para, através de Emenda Constitucional, ser revista a forma de promoção e de acesso aos cargos de direção do Poder Judiciário.
Não sendo realizado esse debate estaremos apenas reproduzindo a lógica aristocrática de natureza essencialmente elitista. Acredito na Democracia como um sistema de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos.
Mas e os concursos nesse contexto?
Creio que o acesso de magistrados por concursos não são garantia permanente à sociedade. Afinal, se por um lado os políticos ineficazes ou corruptos são submetidos ao escrutínio popular e podem não voltar a ser eleitos (e hoje existem os controles do Ministério Público, Tribunal de Contas dos Estados e da União. "Ficha Limpa", etc.), por outro os funcionários concursados gozam de estabilidade no emprego, e gozam de vitaliciedade e inamovibilidade, o que os diferencia.
A vitaliciedade e inamovibilidade são condições necessárias ao bom exercício e adequada prestação jurisdicional, pois a sociedade não pode ter juízes receosos de uma eventual demissão, ou de uma transferência involuntária. Contudo, se por um lado tais proteções viabilizam bons julgamentos, por outro criam uma categoria profissional extremamente diferenciada e privilegiada o que pode afastá-la dos anseios sociais. Isto é particularmente grave por se tratar de funcionários do Estado que, diferentemente dos demais burocratas públicos, tomam decisões de especial gravidade para os cidadãos. É necessário pensarmos em anular o caráter aristocrático do Poder Judiciário.
A parte mais simples da solução seria a extinção dos privilégios, como as férias duplas, por exemplo, mas a parte mais complexa é a criação de mecanismos institucionais que torne a magistratura mais adequada ao século XXI e às sociedades democráticas, começando com a existência e manutenção de órgão de controle como o Conselho Nacional de Justiça e com a abertura de um debate amplo sobre formas mais democráticas de promoção e de acesso às funções de direção nos tribunais e quando falo em formas democráticas me refiro a eleições que garantam o respeito à soberania popular.
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