Não há projeto alternativo claro às ditaduras e semi-ditaduras aliadas dos EUA no Oriente Médio. Mas a saturação popular após décadas de obscurantismo e miséria acumula vapor suficiente para arrebentar as tampas da blindagem repressiva que protegia regimes e seus cúmplices internacionais. A perplexidade das elites locais é a mesma de seus aliados urbi et orbi --não só os EUA ou a direita de Israel, mas também o conservadorismo político brasileiro, por exemplo. Nos últimos anos, a coalizão de interesses demotucanos criticou acidamente a política externa independente de Lula na região. Não seguir a cartilha da subserviência esférica às linhas do departamento de Estado norte-americano no Oriente Médio era apontado como sinal de complacência com o desrespeito aos direitos humanos --caso da tentativa brasileira de mediar o conflito iraniano/norte-americano em aliança com a Turquia. Nada se dizia, porém, sobre a podridão social e repressiva em regimes vistos como confiáveis --entre eles o do Egito, agora em chamas. Graças a ousadia do Itamaraty sob o comando de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, hoje o Brasil goza de prestígio e simpatia junto às forças políticas emergentes em diferentes países da região, onde o furor difuso das ruas já provoca debandadas e concessões. No Iêmen, Ali Abdullah Saleh, desistiu da reeleição em 2013 e tenta, ao menos, garantir-se até lá oferecendo prendas aos militares. Na Jordânia, caiu o primeiro-ministro. Na Síria, Bashar al Assad, promete mais mudanças econômicas e institucionais. Na Argélia, sob 'estado de exceção' há 20 anos, Bouteflika garante que vai restaurar o poder das urnas. No Egito, Mubarak insiste em comandar seu próprio funeral, mas nem os EUA tem mais paciência com o cadáver político do seu aliado. A intenção é sepultar o corpo rapidamente para evitar que a putrefação contamine até possíveis substitutos de confiança do Ocidente --entre eles a alta oficialidade do Exército. A mídia demotucana finge não ver o óbvio: graças à postura independente dos últimos oito anos, o Brasil emerge nesse cenário como um interlocutor respeitado e confiável, um parceiro equidistante que coloca a paz e o desenvolvimento social e econômico acima dos fundamentalismos, não apenas aqueles inspirados em Alá, mas também os que, ajoelhados no altar dos direitos humanos, abençoaram a tortura e a miséria como o 'preço' a ser pago pela estabilidade do suprimento de petróleo.
(Carta Maior, 6º feira, 0402/2011)
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