Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Honduras explica como a mídia (não) te engana (mais)


O golpe de Estado em Honduras em 2009 é um dos exemplos mais eloqüentes de como os grandes meios de comunicação enganam – ou tentam enganar – a sociedade. Em 28 de junho daquele ano, o então presidente do país, Manuel Zelaya, foi retirado à força de sua residência em Tegucigalpa, ainda de pijamas, e deportado para a Costa Rica.
Em um primeiro momento, a mídia brasileira mergulhou em processo idêntico àquele em que se encontra agora mesmo diante da crise em uma das ditaduras contra as quais jamais dissera um A, a ditadura de Hosni Mubarak, no Egito. Naquele momento, do golpe em Honduras, adotou a mesma postura meramente declaratória de agora, evitando juízos de valor.
Contudo, com o passar dos dias, a mesma mídia foi comprando a versão dos golpistas hondurenhos, como demonstra artigo do colunista de O Globo Merval Pereira publicado em 25 de setembro daquele mesmo 2009, e que reproduzo abaixo.
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O GLOBO, 25 de setembro de 2009
De Merval Pereira:
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e o protoditador venezuelano Hugo Chávez encarregaram-se em questão de poucas horas de desmontar a versão oficial de que as autoridades brasileiras nada sabiam sobre a sua estratégia de regressar ao país e abrigar-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Falando à rádio Jovem Pan, o presidente deposto, Manuel Zelaya, disse que a escolha da representação diplomática brasileira foi uma “decisão pessoal”, depois de consultas feitas ao presidente Lula e ao chanceler Celso Amorim.
Já Chávez revelou, rindo, como “enganou” todo mundo, monitorando a viagem de Zelaya através de um telefone via satélite, e que quando todos esperavam que o presidente deposto estaria em Nova York, para a reunião da ONU, ele “se materializou” na embaixada brasileira.
A reboque da estratégia bolivariana, o governo brasileiro está participando de uma farsa política com ares de “república de banana”, só que dessa vez o papel de interventor não é dos Estados Unidos, mas do Brasil, conivente com a irresponsabilidade de Chávez.
Um advogado paulista, Lionel Zaclis, doutor e mestre em Direito pela USP, publicou no site “Consultor Jurídico” um estudo detalhado sobre o processo de destituição do presidente hondurenho, à luz da Constituição do país, e chegou à conclusão de que não houve golpe de Estado.
Segue um resumo de seu relato:
“De acordo com a Constituição de Honduras, como destacamos aqui ontem, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos (artigo 237), vedada expressamente a reeleição. Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública.”
“(…) Em 23 de março de 2009, o presidente Zelaya baixou o Decreto Executivo PCM-05-2009, estabelecendo a realização de uma consulta popular sobre a convocação de uma assembleia nacional constituinte para deliberar a respeito de uma nova carta política.”
“(…) Em 8 de maio de 2009, o Ministério Público promoveu, perante o ‘Juzgado de Letras Del Contencioso Administrativo’ de Tegucigalpa, uma ação judicial contra o Estado de Honduras, pleiteando a declaração de nulidade do decreto (…).”
“(…) E, como tutela antecipatória, que foi aprovada, requereu-lhe a suspensão dos efeitos, sob o fundamento de que produziria danos e prejuízos ao sistema democrático do país, de impossível ou difícil reparação, e em flagrante infração às normas constitucionais e às demais leis da República, para não falar dos prejuízos econômicos à sociedade e ao Estado, tendo em vista a dimensão nacional da consulta.”
“(…) Em 3 de junho, o Juizado proibiu o presidente Zelaya de continuar a consulta. Contra essa decisão, impetrou ele um Recurso de Amparo — similar ao nosso Mandado de Segurança — perante a Corte de Apelações do Contencioso Administrativo, o qual foi rejeitado em 16 de junho.”
“(…) Assim, o Juizado do Contencioso Administrativo expediu, no dia 18 de junho, uma segunda ordem contra o presidente, tendo uma terceira sido expedida nesse mesmo dia. Em virtude dessa desobediência, o promotor-geral da República ofereceu, perante a Suprema Corte, denúncia criminal contra o presidente Zelaya, sustentando configurar sua conduta crimes de atentado contra a forma de governo, de traição à pátria, de abuso de autoridade e de usurpação de funções, em prejuízo da administração pública e do Estado.”
“(…) A Suprema Corte aceitou a denúncia em 26 de junho, com fundamento no art. 313 da Constituição e designou um magistrado para instruir o processo. Foi decretada a prisão preventiva do denunciado, com o que foi expedido mandado de captura, cujo cumprimento ficou a cargo do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.”
“(…) No mesmo dia, o Juizado de Letras do Contencioso Administrativo deu ordem às Forças Armadas para suspender a consulta pretendida pelo presidente Zelaya e tomar posse de todo o material que nela seria utilizado.”
“(…) O presidente Zelaya, então, ordenou ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas que distribuísse o material eleitoral de qualquer modo, porém o último, invocando a ordem judicial, se negou a fazê-lo, ao que foi destituído, tendo, em seguida, impetrado junto à Suprema Corte um recurso de amparo para ser reconduzido ao cargo.”
“(…) Em 25 de junho a Suprema Corte cassou o ato do presidente Zelaya, sob o fundamento de que a remoção do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas constitui ato privativo do Congresso Nacional nos termos do artigo 279 da Constituição.”
“Uma frase famosa na diplomacia brasileira é a do chanceler do governo Geisel Azeredo da Silveira, que vivia repetindo: “O Brasil não pode dar a impressão de que é uma Honduras”.
A preocupação tinha sentido: Honduras é o país inspirador do termo “República de bananas” ou “República bananeira” cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que, no livro de contos curtos Cabbages and Kings, (Repolhos e Reis) de 1904, usou pela primeira vez a expressão, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiado pelo governo dos Estados Unidos.
A cláusula pétrea da Constituição de 1982 de Honduras tinha justamente o objetivo de cortar pela raiz a possibilidade de permanência no poder de um presidente, pondo fim à tradição caudilhesca no país.
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Se não estiver bom para você, leitor, ou se achar que foi uma opinião isolada, vai, aí, mais um exemplo de como praticamente toda a grande mídia, tendo a Globo à frente, foi aderindo à teoria de que fora “legal” o golpe que depôs Zelaya, nas palavras eivadas das mesmas mentiras de Arnaldo Jabor.
Cerca de um ano e meio depois do golpe, no dia 12 do mês passado, porém, o Congresso de Honduras aprovou reforma na Constituição pedida pelo partido do presidente Porfírio Lobo, o Partido Nacional. Por conta dela, Lobo poderá disputar a reeleição sem restrições.
Abaixo, vídeo da sessão do Congresso em que foi aprovada exatamente a mesma proposta que levou à destituição do ex-presidente Manuel Zelaya, até hoje exilado do país.
Poucos dias depois das mudanças na Constituição de Honduras que levaram à cassação e à deportação de Zelaya, a população do país promoveu uma grande marcha em Tegucigalpa em protesto contra essa bofetada que o regime apoiado pelos Mervais Pereiras tupiniquins deu na face do povo que oprime inclusive por meio dos tão conhecidos “desaparecimentos políticos”, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Abaixo, o vídeo da manifestação.

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