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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A crise, os banqueiros e a intervenção do Estado


DEBATE ABERTO

Na crise de 1929, quase todos os grandes países entenderam que a questão se centrava no desemprego e que era necessária a intervenção do Estado nas atividades econômicas, a fim de dar trabalho aos homens e, com ele, a produção de bens de consumo à sociedade.

O que mais surpreende na crise econômica e social na Europa e nos Estados Unidos é a desmemória dos governantes de nossos dias. Não fosse isso, e estariam, em seus encontros, relembrando a crise econômica e política dos anos 20, que chegaria ao seu auge em 1929, e nas medidas tomadas pelos governantes daquele tempo a fim de resolvê-la. Quase todos os grandes países entenderam que a questão se centrava no desemprego, e que era necessária a intervenção do Estado nas atividades econômicas, a fim de dar trabalho aos homens e, com ele, a produção de bens de consumo à sociedade. Foi essa consciência que promoveu a maior e mais bem sucedida intervenção na economia, a do New Deal de Roosevelt, sem que fossem violados os princípios constitucionais nem o sistema democrático.

Foi um homem do povo de situação profissional muito modesta, o assistente social Harry Hopkins, que convenceu Roosevelt, ainda como governador do Estado de Nova Iorque, a tomar o partido dos pobres, durante a grande crise econômica de 1929. Hopkins conhecia a miséria por dentro, trabalhando junto aos miseráveis dos cortiços do baixo East Side de Nova Iorque.

Enquanto Herbert Hoover, o presidente anterior, de olhos perdidos nas névoas, prometia o retorno da prosperidade ao país, Roosevelt, a conselho de Hopkins, autorizou vasto programa de ajuda em seu estado, não só com o fornecimento de comida e agasalhos aos desempregados, mas, também, com a criação de empregos temporários. A experiência foi transferida para o governo federal, com a eleição do democrata em 1932. Em seu discurso de campanha, Roosevelt prometeu “new deal”, novo pacto nacional em favor do “forgotten man”, do homem esquecido pelos governos.

Ao assumir, o presidente não se preocupou em salvar bancos, nem banqueiros, mas, sim, em reestruturar o sistema financeiro em bases seguras, que evitassem as fraudes e a especulação. Seu primeiro cuidado, nesse setor, é conhecido: criou um sistema federal de seguros, para proteger os depositantes, e, com a Security Exchange Comission, estabeleceu a fiscalização contra as fraudes bancárias que haviam levado à crise de 1929. Infelizmente, os banqueiros retomaram todo o seu poder, começando por impor à Casa Branca seus secretários de Tesouro, como vemos em nossa atualidade.

Mais importantes foram as drásticas intervenções na agricultura, na indústria e nos serviços, com a criação de milhões de empregos, o que significou aumento de consumo e desenvolvimento generalizado da economia. Ao mesmo tempo, a mão de obra não absorvida pela recuperação industrial foi empregada nas grandes obras públicas, como as do Vale do Tennessee, que incorporaram à vida moderna dos Estados Unidos as zonas atrasadas dos sete estados da extensa região.

O nazismo e o fascismo italiano – o que não os redime, de forma alguma, dos crimes contra a Humanidade que praticaram – também assim entenderam. No caso da Alemanha, a mobilização se apoiou no espírito de revanche contra a derrota militar, e a indústria bélica impeliu o crescimento da economia, com o pleno emprego na indústria, nos serviços, nos corpos militares e policiais. Na Itália de Mussolini, a criação do IRI (Instituto pela Reconstrução Industrial), conduzido pelo antigo socialista Alberto Beneduce, foi a mais violenta intervenção do Estado na economia, desde a Revolução Soviética. Em 1934, 48,5% de todas as atividades industriais e de serviços se encontravam sob o domínio do Estado. E a intervenção no sistema bancário foi radical: os bancos foram compelidos a transferir para o IRI toda a sua participação nas atividades industriais, fosse em ações, fosse em créditos, o que significou o domínio das principais indústrias pelo governo.

Beneduce resumiria essa intervenção no relatório da presidência do IRI, ainda em março de 1934. Depois de registrar que, ao contrário do que se temia (uma corrida aos bancos), a intervenção fora muito bem vista pelo público, escreve Beneduce: “Naquele momento cessou uma tradição de sujeição do Estado aos bancos que, por longos anos, dele haviam subtraído o comando dos órgãos essenciais à política de crédito”.

Se Beneduce fosse ainda vivo, podemos imaginar o seu desespero ao ver o governo da Itália entregue a Mário Monti, simples serviçal de um banco internacional, o Goldman Sachs. Ele, que sempre via o Estado a serviço da nação, teria preferido o fascista Mussolini no comando da Itália ao membro do grupo de Bielderberg.

Beneduce era, como ele mesmo se identificava, homem das classes populares, menino pobre de Caserta, senhor de privilegiada inteligência matemática e um gênio financeiro, que dera às suas filhas os nomes de Idéia Socialista, Vittoria Proletária e Itália Líbera. Sua colaboração com Mussolini se explica pelo seu patriotismo, embora não seja pelo seu natural antifascismo, mas não há dúvida de que foi um êxito da intervenção do Estado na economia.

É bem provável que Ângela Merkel, Sarkozy, Rajoy, Berlusconi, Durão Barroso e seus comparsas não saibam quem foi Hopkins e quem foi Beneduce, nem o seu papel na recuperação da economia de seus paises. Do New Deal e do IRI devem ter noções tão vagas quanto as das crateras marcianas. Mario Draghi, Mario Monti e outros tecnocratas devem ter aprendido um pouco das duas experiências em seus bancos acadêmicos. Mas lhes falta, como falta aos falsos líderes de hoje, aquela consciência de classe, de que foram portadores, de um lado e do outro do Atlântico, Harry Hopkins, filho de pequeno caixeiro-viajante e lojista do interior, e Alberto Beneduce, o menino pobre de Caserta, que teve, o seu primeiro emprego em uma feira de bairro.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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