Altamiro Borges
Na sua penúltima edição, a revista Veja estampou na capa a foto de uma mulher negra, título de eleitor na mão e a manchete espalhafatosa: “Ela pode decidir a eleição”. A chamada de capa ainda trazia a maldosa descrição: “Nordestina, 27 anos, educação média, R$ 450 por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”. O intuito evidente da capa e da reportagem interna era o de estimular o preconceito de classe contra o presidente Lula, franco favorito nas pesquisas eleitorais entre a população mais carente. A edição não destoava de tantas outras, nas quais esta publicação da Editora Abril assume abertamente o papel de palanque da oposição de direita e destina veneno de nítido conteúdo fascistóide.
Agora, o escritor Renato Pompeu dá novos elementos que apimentam a discussão sobre a linha editorial racista desta revista. No artigo “A Abril e o apartheid”, publicado na revista Caros Amigos que está nas bancas, ele informa que “o grupo de mídia sul-africano Naspers adquiriu 30% do capital acionário da Editora Abril, que detém 54% do mercado brasileiro de revistas e 58% das rendas de anúncios em revistas no país. Para tanto, pagou 422 milhões de dólares. A notícia é de maio e foi publicada nos principais órgãos da mídia grande do Brasil. Mas não foi dada a devida atenção ao fato de a Naspers ter sido um dos esteios do regime do apartheid na África do Sul e ter prosperado com a segregação racial”.
Líderes da segregação racial
A Naspers tem sua origem em 1915, quando surgiu com o nome de Nasionale Pers, um grupo nacionalista africâner (a denominação dos sul-africanos de origem holandesa, também conhecidos como bôeres, que foram derrotados pela Grã-Bretanha na guerra que terminou em 1902). Este agrupamento lançou o jornal diário Die Burger, que até hoje é líder de mercado no país. Durante décadas, o grupo, que passou a editar revistas e livros, esteve estreitamente vinculado ao Partido Nacional, a organização partidária das elites africâneres que legalizou o detestável e criminoso regime do apartheid no pós-Segunda Guerra Mundial.
Como relata Renato Pompeu, “dos quadros da Naspers saíram os três primeiros-ministros do apartheid”. O primeiro diretor do Die Burger foi D.F. Malan, que comandou o governo da África do Sul de 1948 a 1954 e lançou as bases legais da segregação racial. Já os líderes do Partido Nacional H.F. Verwoerd e P.W. Botha participaram do Conselho de Administração da Naspers. Verwoerd, que quando estudante na Alemanha teve ligações com os nazistas, consolidou o regime do apartheid, a que deu feição definitiva em seu governo, iniciado em 1958. Durante a sua gestão ocorreram o massacre de Sharpeville, a proibição do Congresso Nacional Africano (que hoje governa o país) e a prolongada condenação de Nelson Mandela.
Já P. Botha sustentou o apartheid como primeiro-ministro, de 1978 a 1984, e depois como presidente, até 1989. “Ele argumentava, junto ao governo dos Estados Unidos, que o apartheid era necessário para conter o comunismo em Angola e Moçambique, países vizinhos. Reforçou militarmente a África do Sul e pediu a colaboração de Israel para desenvolver a bomba atômica. Ordenou a intervenção de forças especiais sul-africanas na Namíbia e em Angola”. Durante seu longo governo, a resistência negra na África do Sul, que cresceu, adquiriu maior radicalidade e conquistou a solidariedade internacional, foi cruelmente reprimida – como tão bem retrata o filme “Um grito de liberdade”, do diretor inglês Richard Attenborough (1987).
Os tentáculos do apartheid
Renato Pompeu não perdoa a papel nefasto da Naspers. “Com a ajuda dos governos do apartheid, dos quais suas publicação foram porta-vozes oficiosos, ela evoluiu para se tornar o maior conglomerado da mídia imprensa e eletrônica da África, onde atua em dezenas de países, tendo estendido também as suas atividades para nações como Hungria, Grécia, Índia, China e, agora, para o Brasil. Em setembro de 1997, um total de 127 jornalistas da Naspers pediu desculpas em público pela sua atuação durante o apartheid, em documento dirigido à Comissão da Verdade e da Reconciliação, encabeçada pelo arcebispo Desmond Tutu. Mas se tratava de empregados, embora alguns tivessem cargos de direção de jornais e revistas. A própria Naspers, entretanto, jamais pediu perdão por suas ligações com o apartheid”.
Segundo documentos divulgados pela própria Naspers, em 31 de dezembro de 2005, a Editora Abril tinha uma dívida liquida de aproximadamente US$ 500 milhões, com a família Civita detendo 86,2% das ações e o grupo estadunidense Capital International, 13,8%. A Naspers adquiriu em maio último todas as ações da empresa ianque, por US$ 177 milhões, mais US$ 86 milhões em ações da família Civita e outros US$ 159 milhões em papéis lançados pela Abril. “Com isso, a Naspers ficou com 30% do capital. O dinheiro injetado, segundo ela, serviria para pagar a maior parte das dividas da editora”. Isto comprova que o poder deste conglomerado, que cresceu com a segregação racial, é hoje enorme e assustador na mídia brasileira.
Os interesses alienígenas
Mas as relações alienígenas da revista Veja não são recentes nem se dão apenas com os racistas da África do Sul. Até recentemente, ela sofria forte influência na sua linha editorial das corporações dos EUA. A Capital International, terceiro maior grupo gestor de fundos de investimentos desta potência imperialista, tinha dois prepostos no Conselho de Administração do Grupo Abril – Willian Parker e Guilherme Lins. Em julho de 2004, esta agência de especulação financeira havia adquirido 13,8% das ações da Abril, numa operação viabilizada por uma emenda constitucional sancionada por FHC em 2002.
A Editora Abril também têm vínculos com a Cisneros Group, holding controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais mentores do frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. O inimigo declarado do líder venezuelano é proprietário de um império que congrega 75 empresas no setor da mídia, espalhadas pela América do Sul, EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Segundo Gustavo Barreto, pesquisador da UFRJ, as primeiras parcerias da Abril com Cisneros datam de 1995 em torno das transmissões via satélites. O grupo também é sócio da DirecTV, que já teve presença acionária da Abril. Desde 2000, os dois grupos se tornaram sócios na empresa resultante da fusão entre AOL e Time Warner.
Ainda segundo Gustavo Barreto, “a Editora Abril possui relações com instituições financeiras como o Banco Safra e a norte-americana JP Morgan – a mesma que calcula o chamado ‘risco-país’, índice que designa o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em outras palavras, ela expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras instituições financeiras de peso são os debenturistas – detentores das debêntures (títulos da dívida) – da Editora Abril e de seu principal produto jornalístico. Em suma, responsáveis pela reestruturação da editora que publica a revista com linha editorial fortemente pró-mercado e anti-movimentos sociais”.
Um ninho de tucanos
Além de ser controlada por grupos estrangeiros, a Veja mantém relações estreitas com o PSDB, que é o núcleo orgânico do capital rentista, e com o PFL, que representa a velha oligarquia conservadora. Emílio Carazzai, por exemplo, que hoje exerce a função de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi presidente da Caixa Econômica Federal no governo FHC. Outra tucana influente na família Civita, dona do Grupo Abril, é Claudia Costin, ministra de FHC responsável pela demissão de servidores públicos, ex-secretária de Cultura no governo de Geraldo Alckmin e atual vice-presidente da Fundação Victor Civita.
Não é para menos que a Editora Abril sempre privilegiou os políticos tucanos. Afora os possíveis apoios “não contabilizados”, que só uma rigorosa auditoria da Justiça Eleitoral poderia provar, nas eleições de 2002, ela doou R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB. O deputado federal Alberto Goldman, hoje um vestal da ética, recebeu R$ 34,9 mil da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC, foi agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta da DNA Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um ilícito esquema de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB. Estes e outros “segredinhos” da Editora Abril ajudam a entender a linha editorial racista da revista Veja e a sua postura de opositora radical do governo Lula.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
09.2006
Na sua penúltima edição, a revista Veja estampou na capa a foto de uma mulher negra, título de eleitor na mão e a manchete espalhafatosa: “Ela pode decidir a eleição”. A chamada de capa ainda trazia a maldosa descrição: “Nordestina, 27 anos, educação média, R$ 450 por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”. O intuito evidente da capa e da reportagem interna era o de estimular o preconceito de classe contra o presidente Lula, franco favorito nas pesquisas eleitorais entre a população mais carente. A edição não destoava de tantas outras, nas quais esta publicação da Editora Abril assume abertamente o papel de palanque da oposição de direita e destina veneno de nítido conteúdo fascistóide.
Agora, o escritor Renato Pompeu dá novos elementos que apimentam a discussão sobre a linha editorial racista desta revista. No artigo “A Abril e o apartheid”, publicado na revista Caros Amigos que está nas bancas, ele informa que “o grupo de mídia sul-africano Naspers adquiriu 30% do capital acionário da Editora Abril, que detém 54% do mercado brasileiro de revistas e 58% das rendas de anúncios em revistas no país. Para tanto, pagou 422 milhões de dólares. A notícia é de maio e foi publicada nos principais órgãos da mídia grande do Brasil. Mas não foi dada a devida atenção ao fato de a Naspers ter sido um dos esteios do regime do apartheid na África do Sul e ter prosperado com a segregação racial”.
Líderes da segregação racial
A Naspers tem sua origem em 1915, quando surgiu com o nome de Nasionale Pers, um grupo nacionalista africâner (a denominação dos sul-africanos de origem holandesa, também conhecidos como bôeres, que foram derrotados pela Grã-Bretanha na guerra que terminou em 1902). Este agrupamento lançou o jornal diário Die Burger, que até hoje é líder de mercado no país. Durante décadas, o grupo, que passou a editar revistas e livros, esteve estreitamente vinculado ao Partido Nacional, a organização partidária das elites africâneres que legalizou o detestável e criminoso regime do apartheid no pós-Segunda Guerra Mundial.
Como relata Renato Pompeu, “dos quadros da Naspers saíram os três primeiros-ministros do apartheid”. O primeiro diretor do Die Burger foi D.F. Malan, que comandou o governo da África do Sul de 1948 a 1954 e lançou as bases legais da segregação racial. Já os líderes do Partido Nacional H.F. Verwoerd e P.W. Botha participaram do Conselho de Administração da Naspers. Verwoerd, que quando estudante na Alemanha teve ligações com os nazistas, consolidou o regime do apartheid, a que deu feição definitiva em seu governo, iniciado em 1958. Durante a sua gestão ocorreram o massacre de Sharpeville, a proibição do Congresso Nacional Africano (que hoje governa o país) e a prolongada condenação de Nelson Mandela.
Já P. Botha sustentou o apartheid como primeiro-ministro, de 1978 a 1984, e depois como presidente, até 1989. “Ele argumentava, junto ao governo dos Estados Unidos, que o apartheid era necessário para conter o comunismo em Angola e Moçambique, países vizinhos. Reforçou militarmente a África do Sul e pediu a colaboração de Israel para desenvolver a bomba atômica. Ordenou a intervenção de forças especiais sul-africanas na Namíbia e em Angola”. Durante seu longo governo, a resistência negra na África do Sul, que cresceu, adquiriu maior radicalidade e conquistou a solidariedade internacional, foi cruelmente reprimida – como tão bem retrata o filme “Um grito de liberdade”, do diretor inglês Richard Attenborough (1987).
Os tentáculos do apartheid
Renato Pompeu não perdoa a papel nefasto da Naspers. “Com a ajuda dos governos do apartheid, dos quais suas publicação foram porta-vozes oficiosos, ela evoluiu para se tornar o maior conglomerado da mídia imprensa e eletrônica da África, onde atua em dezenas de países, tendo estendido também as suas atividades para nações como Hungria, Grécia, Índia, China e, agora, para o Brasil. Em setembro de 1997, um total de 127 jornalistas da Naspers pediu desculpas em público pela sua atuação durante o apartheid, em documento dirigido à Comissão da Verdade e da Reconciliação, encabeçada pelo arcebispo Desmond Tutu. Mas se tratava de empregados, embora alguns tivessem cargos de direção de jornais e revistas. A própria Naspers, entretanto, jamais pediu perdão por suas ligações com o apartheid”.
Segundo documentos divulgados pela própria Naspers, em 31 de dezembro de 2005, a Editora Abril tinha uma dívida liquida de aproximadamente US$ 500 milhões, com a família Civita detendo 86,2% das ações e o grupo estadunidense Capital International, 13,8%. A Naspers adquiriu em maio último todas as ações da empresa ianque, por US$ 177 milhões, mais US$ 86 milhões em ações da família Civita e outros US$ 159 milhões em papéis lançados pela Abril. “Com isso, a Naspers ficou com 30% do capital. O dinheiro injetado, segundo ela, serviria para pagar a maior parte das dividas da editora”. Isto comprova que o poder deste conglomerado, que cresceu com a segregação racial, é hoje enorme e assustador na mídia brasileira.
Os interesses alienígenas
Mas as relações alienígenas da revista Veja não são recentes nem se dão apenas com os racistas da África do Sul. Até recentemente, ela sofria forte influência na sua linha editorial das corporações dos EUA. A Capital International, terceiro maior grupo gestor de fundos de investimentos desta potência imperialista, tinha dois prepostos no Conselho de Administração do Grupo Abril – Willian Parker e Guilherme Lins. Em julho de 2004, esta agência de especulação financeira havia adquirido 13,8% das ações da Abril, numa operação viabilizada por uma emenda constitucional sancionada por FHC em 2002.
A Editora Abril também têm vínculos com a Cisneros Group, holding controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais mentores do frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. O inimigo declarado do líder venezuelano é proprietário de um império que congrega 75 empresas no setor da mídia, espalhadas pela América do Sul, EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Segundo Gustavo Barreto, pesquisador da UFRJ, as primeiras parcerias da Abril com Cisneros datam de 1995 em torno das transmissões via satélites. O grupo também é sócio da DirecTV, que já teve presença acionária da Abril. Desde 2000, os dois grupos se tornaram sócios na empresa resultante da fusão entre AOL e Time Warner.
Ainda segundo Gustavo Barreto, “a Editora Abril possui relações com instituições financeiras como o Banco Safra e a norte-americana JP Morgan – a mesma que calcula o chamado ‘risco-país’, índice que designa o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em outras palavras, ela expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras instituições financeiras de peso são os debenturistas – detentores das debêntures (títulos da dívida) – da Editora Abril e de seu principal produto jornalístico. Em suma, responsáveis pela reestruturação da editora que publica a revista com linha editorial fortemente pró-mercado e anti-movimentos sociais”.
Um ninho de tucanos
Além de ser controlada por grupos estrangeiros, a Veja mantém relações estreitas com o PSDB, que é o núcleo orgânico do capital rentista, e com o PFL, que representa a velha oligarquia conservadora. Emílio Carazzai, por exemplo, que hoje exerce a função de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi presidente da Caixa Econômica Federal no governo FHC. Outra tucana influente na família Civita, dona do Grupo Abril, é Claudia Costin, ministra de FHC responsável pela demissão de servidores públicos, ex-secretária de Cultura no governo de Geraldo Alckmin e atual vice-presidente da Fundação Victor Civita.
Não é para menos que a Editora Abril sempre privilegiou os políticos tucanos. Afora os possíveis apoios “não contabilizados”, que só uma rigorosa auditoria da Justiça Eleitoral poderia provar, nas eleições de 2002, ela doou R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB. O deputado federal Alberto Goldman, hoje um vestal da ética, recebeu R$ 34,9 mil da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC, foi agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta da DNA Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um ilícito esquema de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB. Estes e outros “segredinhos” da Editora Abril ajudam a entender a linha editorial racista da revista Veja e a sua postura de opositora radical do governo Lula.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
09.2006
Leia + Dossiê Veja
Os golpistas de volta
Quando a expectativa é grande e faltam fatos, inventa-se
Terceiro turno: o novo factóide da Veja
Um novo agosto com outros fortunatos
Veja com raiva: a bomba deu chabu
Veja deve explicações ao país
Veja e o Racismo
Veja aderiu à imprensa marrom
Racistas controlam a revista Veja
Veja, os tucanos e Marcos Valério
O que a Veja quer esconder
O silêncio tucano e uma possível lição
Em nota, procuradora da República desmente a Veja
Falácias da Revista Veja: análise da questão racial brasileira
O jornalismo covarde de Veja e o silêncio profissional
O jornalismo manipulador da Veja se volta contra escritores
Abril parceira do capital especulativo
Antonio Palocci desmoraliza a Veja
Denúncia liga pesquisa publicada na capa de Veja ao PSDB
Dom Cappio merece o nosso respeito
Quando a expectativa é grande e faltam fatos, inventa-se
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