Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os métodos adotados pela direita deveriam, digo, podem dar cadeia



Veja_Capa_Falsa



Via Para entender direito

A foto da esquerda circula pela internet como se fosse a capa do dia 13 de janeiro de 2013 da revista Veja. Segundo a capa, a revista teria descoberto que o ex-presidente teria desviado R$500 bilhões. A imagem da direita é a verdadeira capa da revista daquela semana (que, aliás, circulou no dia 9 de janeiro). Talvez quem fez a montagem possa ter achado que era uma forma de protesto e resolveu divulgar. O problema é que isso tem consequências jurídicas.
O que pode inicialmente seria um ato inocente pode ser crime e gerar a obrigação de danos civis pelos quais quem fez, quem pediu para ser feito e quem distribuiu podem ser responsabilizados.
Vamos começar pelo mais fácil: a calúnia.
Quem fabricou a imagem cometeu o crime de calúnia, que é o mais grave dos crimes contra a honra. Isso porque imputou a alguém – no caso, ao ex-presidente – um fato definido como crime: teria desviado R$500 bilhões de cofres públicos.
A liberdade de expressão permite você poder dizer o que quiser. Mas a liberdade de expressão não é uma imunidade para quem expressa. Quem diz o que não deve arcar com as consequências do que disse se o que disse não é verdadeiro ou tem propósito essencialmente ofensivo. No caso acima, quem alegou ou disseminou a calúnia pode ser condenado criminalmente.
Mas a mesma lei que pune a calúnia permite o que os juristas chamam de “exceção da verdade” (ou exceptio veritatis): se quem alegou (quem produziu a capa fictícia) conseguir provar o que foi alegado – no caso, que o ex-presidente desviou um terço do PIB brasileiro – não haverá pena. Mas note que aqui o ônus da prova é invertido: quem produziu a capa é que terá que provar que o que disse é verdadeiro. E provar é sempre muito mais difícil. Especialmente porque não basta alegações de cunho amplo como “ah, mas ele fez o Brasil perder R$500 bilhões em desenvolvimento”. O ônus é de produzir provas específicas: que ele de fato desviou os tais R$500 bilhões (em juridiquês, isso o crime chama-se peculato).
“Ah, mas a intenção era só fazer algo engraçado”. De fato o chamadoanimus jocandi – a intenção de fazer uma brincadeira – exclui a possibilidade de calúnia. É por isso que humoristas e cartunistas raramente são processados por calúnia, embora possa ocorrer, pois até a humor tem limites.
O problema do animus jocandi é que ele precisa ser claro. Ele pode ser claro por causa de quem diz –a pessoa é uma comediante – das circunstâncias em que é dito –a alegação é feita em um programa humorístico ou em um teatro – do que é dito –o que é dito é tão surreal que só pode ser uma piada – ou de como é dito –foi dito em puro tom de gozação.
Mas, na capa acima, as quatro coisas estão ausentes ou são percebidas apenas nos detalhes. Como a imagem é distribuída via e-mails e redes sociais com um mero pedido de “compartilhe”, sem indicação de autoria, não é possível saber que quem enviou tinha a mera intenção de fazer um gracejo. E como só dá para perceber que é uma montagem analisando detalhes que podem se perder na falta de resolução da imagem, fica difícil compreender que a montagem tem um tom sarcástico. Nem o ofendido nem o magistrado estão dentro da cabeça do “artista” que fez a capa para saber qual era a intenção dele: não é possível apurar a intenção de fazer um gracejo simplesmente olhando o que foi de fato publicado e republicado em uma imagem de baixa resolução.
Pense nessa analogia: se alguém colocar um outdoor dizendo que um inocente cometeu um crime, não adianta ele colocar em letras minúsculas no pé do outdoor que é só uma piada. O mesmo vale para qualquer outro tipo de imagem ou texto.
Nossa doutrina também diz que não há calúnia se o que é dito é tão absurdo que não faz sentido. Mas, no caso da montagem acima, o simples fato de o montante ser muito alto não impede a configuração da calúnia. Valores extremamente altos podem ser desviados. Ou seja, é algo crível, ainda que improvável. O absurdo que a doutrina exclui da calúnia seria algo como “ele é o responsável pelo massacre do Carandiru” ou “ele aceitou uma das pirâmides do Egito como propina”.
Logo, se for fazer uma brincadeira que possa ofender a dignidade de alguém, tome cuidado para deixar bem claro que é uma brincadeira. Se for um protesto, proteste contra a ideia ou o posicionamento da pessoa, não contra a pessoa em si.
Mas ainda que você deixe claro que é uma brincadeira, no caso da matéria acima ainda haveria o problema do uso indevido das imagens.
Olhando a capa, ela de fato parece ser uma capa da revista. Só que o nome Veja e os elementos de identidade visual – como o tipo de fonte, a borda nas quatro letras, o tamanho da fonte em relação à página, a logomarca do grupo Abril (a árvore verde), o nome da editora, a diagramação etc., são todos elementos que pertencem à Editora Abril. Seu uso é exclusivo da Editora ou de quem ela expressamente permitir usar. Quem usa as marcas e demais elementos da identidade visual sem sua permissão se expõe civilmente ao pedido de indenização por perdas e danos causados pelo uso inapropriado das marcas e identidade visual da revista (aliás, o uso de sons –como o da Intel ou mesmo uma música – e cheiros –como perfumes – também podem ser protegidos. E alguns juristas dizem que mesmo texturas merecem proteção).
Mas existe uma segunda vítima na questão da imagem: o ex-presidente, cuja foto foi usada.
A imagem da pessoa pertence à pessoa e só pode ser usada com permissão da pessoa ou quando há relevância jornalística. Logo, se o caso fosse verdadeiro, não haveria problema no uso da imagem sem permissão: teria relevância jornalística. Mas, no caso acima, quem fabricou a capa sabia, desde o início, que o que estava alegando não era verdadeiro. Logo, não havia relevância jornalística em momento algum. Portanto, a imagem só poderia ter sido utilizada se houvesse permissão do ex-presidente. O que, obviamente, ele provavelmente não deu. Não importa que ele seja uma figura pública: se não há relevância jornalística, ele merece tanta proteção quanto um desconhecido na esquina. O que varia é apenas que uma pessoa pública gera mais interesse jornalístico, mas ela ainda tem direito à imagem e privacidade.
Se a imagem foi usada sem a permissão do retratado, e não havia relevância jornalística que justificasse o uso da imagem, quem teve sua imagem usada indevidamente pode buscar reparação pelas perdas e danos sofridos.
Enfim, se quiser protestar sem ter dor de cabeça, use o bom senso e não atribua crimes sem prova e muito menos use a imagem sem autorização do dono da imagem.

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