Por Eduardo Guimarães, especial para o 247
Parece que a Folha anda cortando gordura e, no âmbito doloroso desse processo, expurgou uma colunista dominical com a qual me solidarizo por termos como origem a mesma classe social, uma classe média que, noutros tempos, chegou a se imaginar congênere ou assemelhada à aristocracia britânica, o que lhe parecia o melhor dos mundos.
Ao contrário deste que escreve, porém, aquela colunista não entendeu o processo que os de nossa origem social e gerações contiguas compartilhamos e, talvez por isso, seus textos sebosos levaram o jornalão paulista a pôr fim aos micos dominicais que mês sim, mês não ela lhe impunha.
Noutros tempos, até seria chique uma socialite travestida de colunista ser devolvida pelo patrão ao Dolce Far Niente. Deixaria a máquina de escrever direto para o mundo très chic das compras e dos chás regados a falta do que fazer.
Todavia, nos dia de hoje, bicudos para uma classe que sempre só produziu espuma, não vai dar mais para a madama continuar sendo o que julga “especial”.
Chega a ser irônico, então, que uma das últimas colunas que ela escreveu à Folha – e que, acredite quem quiser, foi publicada – tivesse justamente como mote o tal conceito de “ser especial”.
Mas o que, para a autora dessa “obra prima”, significa “ser especial”?
Trata-se de um amontoado de conceitos tortos, preconceituosos, egoístas e atrasados, colocados em texto para todo mundo ler e como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Nos países que a madama admira – só no que diz respeito aos pontos turísticos, mas nunca em termos de justiça social – seria impensável alguém da classe média achar que viajar de avião a outro país ou comprar novidades exorbitantes fosse sinônimo de “ser especial”, mas a nossa personagem pensa assim.
Um trecho de seu conceito de “especialidade”:
“Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando --e aumentando-- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio (...)”
Fica-se a imaginar por que, para fugir do tédio, alguém precisaria ter o que os outros não têm. Isso não é divertido e nem é sinônimo de “ser especial”. Antes, é sinônimo de ser egoísta. E burra.
O desejo de viver em uma sociedade igualitária, sim, é que deveria tornar a pessoa especial. E não por bondade, mas porque a igualdade gera paz social e contribui para o progresso de uma nação, pois quando todos têm oportunidade muito mais oportunidades são aproveitadas e, assim, aquela sociedade se torna mais produtiva.
O conceito de “ser especial” da colunista demitida também passa por poder comprar a própria especialidade. Ser especial, segundo ela, é ter mais dinheiro para adquirir o que a natureza lhe negou. Outro trecho daquela sua coluna “histórica” deixa isso bem claro.
“(...) Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais? (...)”
Era muito mico para um jornal só. Ter mais dinheiro pra comprar as traquitanas eletrônicas mais escorchantes torna o indivíduo “especial”?!
No que diz respeito a esse tipo de bugiganga made in China, comprar a última “brincadeirinha eletrônica que acaba de ser lançada” não torna ninguém especial, torna trouxa, porque alguns meses após o lançamento o preço desaba.
Mas você não entendeu ainda, leitor. Não há lógica na mente de alguém assim, só há egoísmo. Naquele texto, a autora fez questão de dar sentido a esse conceito julgando que explicava aos “mortais comuns” o significado de “ser especial. Um derradeiro trecho, pois, para que não reste dúvida sobre quanta burrice o egoísmo dela encerra.
“(...) Subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento (...)”
Foi disso que a Folha se livrou. Só que demorou demais para o jornal se dar conta de que não pode existir um contingente relevante de seus leitores que seja tão cretino a ponto de achar que ganha alguma coisa ao fim de uma leitura como essa. Ainda mais se veículo tiver que pagar caro para alguém lhe escrever essas baboseiras.
Enfim, agora que essa cujo egoísmo não cabe no Maracanâ foi posta no olho da rua por uma publicação que não pode mais se dar ao luxo de pagar por vento, de lá do Champs Elysées ou de New York ou da Riviera Fancesa ou de qualquer outro destino esnobe, tal como Greta Garbo, quem diria, a ex-socialite e ex-colunista foi acabar no Irajá.
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