Piada de estadunidense com a Diebold dizendo que a presidência dos Estados Unidos [de George W. Bush] foi patrocinada pela empresa com o bordão: “Você não conta porque nós não contamos [os votos]“.
por Luiz Carlos Azenha
Em The Wealth of Networks (aqui, em inglês), um livro ainda não traduzido para o português, Yochai Benkler descreve um episódio que aconteceu nos Estados Unidos. Uma ativista pelos direitos civis descobriu códigos relativos às máquinas de votação eletrônica da empresa Diebold, que já foi envolvida em várias polêmicas eleitorais.
Sem entender do assunto, a ativista publicou os códigos em seu blog, esperando contar com a ajuda de internautas para analisá-los. Muitos fizeram isso e constataram falhas. Como a Diebold conseguiu remover o conteúdo e encobrir o que tinha o potencial de se tornar um escândalo? Alegou que sua propriedade intelectual tinha sido violada.
Sergio Amadeu, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, usa este caso para exemplificar o que pode acontecer no Brasil se for aprovado o projeto de lei do Marco Civil da Internet com o parágrafo segundo do artigo 15:
Art. 15. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos.
Segundo Amadeu, este parágrafo foi introduzido para beneficiar a indústria dos direitos autorais, provavelmente a pedido da TV Globo.
O ativista disse isso num texto que circulou pela rede e foi logo contestado pelo relator do projeto, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ).
Molon disse que o parágrafo foi introduzido a pedido da ministra da Cultura, Marta Suplicy.
Amadeu continua sustentando que o parágrafo é prejudicial aos internautas e poderá ser usado em situações análogas à da ativista dos Estados Unidos para promover a retirada de conteúdo de sites e blogs sem mandado judicial. Disputas políticas seriam disfarçadas de disputas em torno de direitos autorais, sustenta Sergio Amadeu.
Bastaria um pedido de uma empresa ao provedor para que o conteúdo fosse removido — quando se tratar “de infração a direitos de autor ou a direitos conexos”.
O deputado Molon rebateu, em texto:
O trecho foi inserido no Projeto de Lei em novembro do ano passado, após pedido da ministra da Cultura, e amplamente divulgado na época. Ele não altera em nada o que já é feito atualmente na internet em relação a conteúdo protegido por direito autoral. Diante da preocupação de que o projeto de lei alterasse, sem a devida discussão, a disciplina de proteção aos direitos autorais, o parágrafo inserido deixava claro que isto não aconteceria. Apenas isso. No fundo, é o contrário do que se propaga: sem a menção, poder-se-ia entender que o projeto alterava a proteção de direitos autorais e o parágrafo inserido deixou claro que não altera. Por ser um tema complexo, todas as nuances do direito autoral serão apreciadas e debatidas, democraticamente, num Projeto de Lei próprio, que reformará a legislação atual. A última informação que tive é de que este texto será enviado à Câmara dos Deputados em breve pelo Executivo.
Amadeu publicou a tréplica: se o parágrafo não muda nada, por que adotá-lo?
Ele continua pregando, como fez num post na Revista Forum, que os internautas se manifestem através de mensagens ao relator Alessandro Molon — pela remoção do parágrafo.
Amadeu, aliás, elogia o petista e diz que a grande vitória do Marco Civil da Internet, quando aprovado — a votação está prevista para agosto –, será de garantir a neutralidade na rede, ou seja, impedir que as empresas donas da infraestrutura da internet discriminem conteúdos e criem pedágios. Na prática, sem neutralidade as empresas poderiam fazer os sites ligados ao poder econômico andarem muito mais rápido que os sujos, feios e pé rapados.
Mas, a Globo, Sergio Amadeu? Não é teoria da conspiração de sua parte?
“A Globo está muito incomodada com a internet. Ela acha que com medidas legais, criminais e judiciais vai conseguir salvar o seu império de comunicação”, diz ele. Tem razão a Globo de se preocupar, argumenta, já que enquanto as telecoms faturaram mais de R$ 200 bilhões no ano passado, todos os radiodifusores brasileiros não chegaram a R$ 20 bilhões.
Amadeu acredita que é do interesse dos internautas se defender ao mesmo tempo dos dois gigantes, telecoms e radiodifusores, que colocam acima de tudo seus próprios interesses econômicos.
Na entrevista abaixo (clique na flecha para ouvir) apresenta seus argumentos e diz: “A Globo não nos salvará [das telecoms]“.
******
Abaixo, a troca de mensagens entre Sergio Amadeu e o deputado Alessandro Molon (reproduzida no blog de Antonio Ateu no Brasilianas.Org a partir de textos que sairam na revista Forum aqui e aqui e noEscrevinhador do Rodrigo Vianna):
Membro do Comitê Gestor da Internet afirma que a emissora inseriu, na calada da noite, um parágrafo no projeto de lei que permite a retirada de conteúdos do ar sem ordem judicial, por violação do direito autoral
Por Sergio Amadeu da Silveira
Na calada da noite, lobistas da emissora inseriram um parágrafo no projeto de lei que permite a retirada de blogs, textos, imagens e vídeos sem ordem judicial, por suposta violação do direito autoral.
Isso gerará uma indústria da censura privada.
Também incentivará muitas denúncias vazias que promoverão o bloqueio do debate político por meio da alegada violação de direitos autorais.
Alguns exemplos e perigos:
1) Em 2004, nos Estados Unidos, a Diebold tentou impedir que as pessoas soubessem das falhas da sua urna eletrônica alegando que os documentos vazados não poderiam circular uma vez que violavam o direito autoral, pois a Diebold detinha a propriedade intelectual dos mesmos;
2) O Greenpeace muitas vezes utilizou trechos de vídeos e documentos de corporações que degradavam o meio ambiente para criticá-los e mostrar suas mentiras. Se a Globo conseguir colocar o seu parágrafo no Marco Civil, bastará que a empresa envie um comunicado para o provedor que hospeda uma denúncia para apagar um conteúdo que a desagrada, alegando violação dos direitos autorais;
3) Imagine, nas terras dos coronéis da política brasileira, um blogueiro que conseguiu um texto bombástico que prova uma falcatrua de um político tento que manter o mesmo na rede diante do pedido de remoção daquele conteúdo que estaria violando o direito autoral do político denunciado.
Podemos correr esses riscos?
Não. Envie um e-mail para o relator do Marco Civil:
( dep.alessandromolon@camara.leg.br )
( dep.alessandromolon@camara.leg.br )
Solicitando que retire o parágrafo 2 do artigo 15
Para evitar a censura instantânea e privada no Brasil.
Nossa liberdade de expressão e criação não pode ser violada por interesses de corporações como a Rede Globo.
A Globo não está acima da lei.
SERGIO AMADEU DA SILVEIRA, doutor em ciência política, é professor da Universidade Federal do ABC e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil
*****
Em resposta a texto de Sergio Amadeu, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) fala sobre a inclusão do parágrafo 2 do artigo 15 no projeto de lei do Marco Civil da Internet
Por Alessandro Molon
Não tem sido fácil. Há mais de um ano luto pela votação do Projeto de Lei 2.126 de 2011, mais conhecido como Marco Civil da Internet. Em meio ao escândalo de espionagem que teria sido empregado pelos Estados Unidos, as atenções se voltaram novamente ao Marco Civil. De Brasília, tenho acompanhado as movimentações pela web pedindo sua votação, mas também algumas outras informações equivocadas que foram espalhadas, nem sempre acompanhadas de verificação.
Notei a menção específica a um trecho do texto: o parágrafo 2 do Artigo 15. Ao contrário do que está sendo sugerido, este parágrafo não foi resultado de uma mudança feita neste último mês, tampouco foi incluído sorrateiramente, “na calada da noite”, por grupos empresariais.
O trecho foi inserido no Projeto de Lei em novembro do ano passado, após pedido da ministra da Cultura, e amplamente divulgado na época. Ele não altera em nada o que já é feito atualmente na internet em relação a conteúdo protegido por direito autoral. Diante da preocupação de que o projeto de lei alterasse, sem a devida discussão, a disciplina de proteção aos direitos autorais, o parágrafo inserido deixava claro que isto não aconteceria. Apenas isso. No fundo, é o contrário do que se propaga: sem a menção, poder-se-ia entender que o projeto alterava a proteção de direitos autorais e o parágrafo inserido deixou claro que não altera. Por ser um tema complexo, todas as nuances do direito autoral serão apreciadas e debatidas, democraticamente, num Projeto de Lei próprio, que reformará a legislação atual. A última informação que tive é de que este texto será enviado à Câmara dos Deputados em breve pelo Executivo.
Consenso num assunto tão vasto como a Internet não é simples. O momento atual, no entanto, é de concentrar apoio ao Marco Civil, para impulsionar sua entrada na pauta de votação da Câmara. Do contrário, corremos o risco de não ver este projeto de lei aprovado, pois a pressão das empresas provedoras de conexão têm surtido efeito. Precisamos mostrar que a sociedade quer ter seus direitos garantidos, com a defesa da neutralidade da rede, da liberdade de expressão e do direito à privacidade.
Alessandro Molon é deputado federal e relator do Marco Civil da Internet.
*****
Polêmica no Marco Civil
publicada quarta-feira, 17/07/2013 às 11:33 e atualizada quarta-feira, 17/07/2013 às 11:34
por Sérgio Amadeu da Silveira
O deputado Alessandro Molon escreveu que o parágrafo 2 do artigo 15 do Marco Civil “não altera em nada o que já é feito atualmente na internet em relação a conteúdo protegido por direito autoral” . Então, como o texto nada altera, peço que seja retirado para que não seja mal interpretado pela indústria do copyright e por aqueles que querem barrar o compartilhamento legítimo de bens culturais.
O Marco Civil da Internet não nasceu no Congresso Nacional. É fruto de mais de 2 mil contribuições realizadas pela sociedade civil na plataforma da cultura digital, em duas rodadas de debates.
A proposta de remoção de conteúdos sem ordem judicial foi apresentada naquela ocasião e retirada depois de receber muitas críticas nos debates que ocorreram de modo amplo e transparente.
A presidenta Dilma enviou o Marco Civil para o Congresso Nacional aceitando praticamente todas as propostas da sociedade civil.
O deputado Alessandro Molon, relator do projeto do Marco Civil, se empenhou nitidamente para melhorá-lo e para aprová-lo rapidamente. Todavia, com todo respeito e admiração que tenho pelo deputado, discordo de sua resposta à minha acusação de que o parágrafo 2 do artigo 15 foi inserido a pedido da Globo.
Segundo o deputado Molon, a inserção foi um pedido da Ministra Marta Suplicy. Sempre ouvi isso e nunca tinha recebido uma confirmação formal e pública. Mas a troco de que a Ministra queria aquela redação? O deputado Molon nunca ouviu que
Marta Suplicy fez esta solicitação depois de um pedido da Rede Globo e de especialistas em direito autoral que queriam retomar a ideia do notice and take down em sua versão mais branda do notice-notice, independentemente das diferenças, ambas representam a remoção de conteúdo sem ordem judicial?
Outro ponto importante que me surpreende. Tenho certeza de que o deputado Molon não aceita qualquer pedido de mudança no projeto de lei. Só aceita aqueles com os quais concorda ou que integram um acordo. Tenho certeza de que o deputado Molon não é favorável à retirada de fotos, blogs e imagens sem julgamento quando supostamente violarem o direito autoral. Então por que aceitou esse pedido?
O deputado Alessandro Molon pode retirar o parágrafo 2 e retomar o espítito original do projeto garantindo a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e a privacidade, sem a possibilidade de abrir espaço para a remoção de conteúdos sem ordem judicial.
Viomundo-Azenha, LUis Carlos.
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
comentários sujeitos a moderação.