Autor: Fernando Brito
Muitos leitores pediram, no blog, mais explicações para o acordo espacial sino-brasileiro, que ficou em evidência após um foguete Longa Marcha 4 apresentar problemas e causar a destruição do satélite CBERS-3, construído em parceria pelos dois países.
Por isso, fico feliz que o qualificadíssimo companheiro de blogosfera Luís Nassif tenha publicado, na CartaCapital, artigo onde narra parte da história e detalha as características deste acordo, que é antigo e proveitoso.
E, sobretudo, porque Nassif revela algo que, ao que me lembre, pouco ou nada foi noticiado no Brasil: a objeção americana à venda de componentes necessários à construção dos satélites, sob o argumento de que isso traria riscos militares.
O acordo sino-brasileiro na área espacial
Luís Nassiff
A queda do satélite sino-brasileiro, dias atrás, foi uma fatalidade chinesa. O satélite foi desenvolvido conjuntamente pelos dois países; o lançamento, responsabilidade chinesa. O lançador já havia enviado 36 satélites para o espaço. Falhou pela primeira e última vez na semana passada.
Mas não compromete um acordo que começou em 1978 e se mantém com laços firmes entre o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o setor aeroespacial chinês.
Nos 25 anos de acordo, foram desenvolvidos cinco satélites, o primeiro dos quais lançado em 1999. A série sino-brasileiro, os satélites CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) têm uma tonelada e meio de peso e são dotados de três câmeras.
O programa sino-brasileiro pode ser dividido em duas fases.
A primeira, de 1988 a 2002, contratou os CBERS 1 e 2. Assinado no final de 2002, a segunda etapa contratou os CBERS 3 e 4.
Nos anos 80, o acordo sino-brasileiro era a fronteira tecnológica da China. As primeiras câmeras colocadas no espaço foram celebradas como o quinto maior avanço tecnológico do país.
Em 2003 a China lançou a primeira nave tripulada, tornando-se o terceiro país a colocar o homem no espaço. A distância tecnológica entre os dois parceiros tornou-se enorme.
Na negociação da Fase 2 definiram-se os seguintes pontos:
1. Manter-se-ia a proporção inicial de gastos de cada país: 30% do Brasil e 70% da China.
2. O lançamento seria na China; a integração (montagem das peças) no Brasil.
3. Não haveria mudanças no padrão inicial dos satélites, para minimizar riscos. Mas acabou-se mexendo na configuração, colocando câmeras de alta resolução.
O satélite permitiu ao INPE inovar no uso das imagens. Em vez de imagens de alta resolução, vendidas, optou-se por modelos mais simples que permitissem o mapeamento de problemas ambientais, de safras, de desastres naturais, trabalhando em bancos de dados abertos.
Hoje em dia, há 17 mil usuários dos CBERS. Uma pesquisa com 25% deles revelou que o aproveitamento dos dados resultou na criação de 2 mil empregos diretos.
O satélite permitiu inovações radicais na área ótica. Mas a construção conviveu com toda sorte de intempéries, das quais a maior foi a resistência do Departamento de Estado norte-americano em liberar a venda de componentes.
Todos os componentes são submetidos ao Regulamentos de Exportação de Armas de Fogo (International Traffic in Arms Regulations, ou ITAR). Pelo ITAR, qualquer plataforma orbital é considerada armamento.
Se a China tornou-se tão superior ao país no setor aeroespacial, qual a razão para manter a parceria?
Em parte, por lealdade. Na epidemia de SARS, que praticamente parou a China, missões diplomáticas chegaram a cerrar portas. Mas o INPE manteve-se firme. A segunda razão, mais substantiva, é a questão geopolítica e a necessidade da China estreitar relações com grandes produtores de matérias primas.
Segundo o presidente do INPE, Leonel Fernando Perondi, o acordo permitiu avanços em quatro áreas: estrutura, controle térmico, suprimento de energia, propulsão.
Para o Brasil ter autonomia completa, falta apenas o domínio do ciclo de controle de atitude e órbita.
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