por Luiz Carlos Azenha
Uma amiga ligou durante o debate da Band. Foi para comentar o que considerou o ponto alto de Dilma: a demonstração de conhecimento técnico dado pela candidata governista quando falou na necessidade de escavar 12 metros para permitir a ancoragem de navios nos portos brasileiros e o fato de que, durante o governo FHC/Serra, isso era feito de forma inconsistente.
De fato, este talvez tenha sido um dos pontos altos de Dilma. A demonstração de conhecimento técnico. Também foi importante ela ter explicado o “processo” de aprovação dos projetos do programa Minha Casa Minha Vida. Serra argumentou que o programa entregou menos casas que o prometido, mas enfraqueceu seu próprio argumento dizendo ter entregue, quando governador, um número menor de casas!
Outro ponto alto foi quando Dilma relacionou as dificuldades nos aeroportos ao crescimento do número de brasileiros que viajam de avião. Isso faz pleno sentido para os telespectadores. Foi importante lembrar que exigencias do Fundo Monetário Internacional (FMI), aos quais estava submetido o governo FHC/Serra, reduziram o ritmo de investimento na infraestrutura do Brasil. Faltou, no entanto, uma amarração mais sólida deste conjunto de ideias: submissão ao FMI, menos investimento em infraestrutura; soberania em relação ao FMI, reconquista do poder de investimento do estado,crescimento econômico acelerado, gargalos da infraestrutura que estão sendo enfrentados.
É importante mencionar que a reorganização do estado brasileiro, que estava desmilinguido no período FHC/Serra, é que permite retomar a capacidade de planejamento, para que o governo não fique “correndo atrás”. Essa reorganização passa pelos concursos públicos, por melhores salários, por aquilo que Serra e aliados identificam como “inchaço da máquina pública” ou “vagas para companheiros”. Em uma questão não relacionada a esta, a do Ministério da Segurança, Dilma tocou nos salários de policiais e delegados paulistas, mas não usou o slogan PSDB, “piores salários do Brasil”, criado pelos próprios policiais. Ainda na questão do ministério, tanto Dilma quanto Serra usaram argumentos toscos para falar em fiscalização da fronteira.
Nem aviões não tripulados, nem “milhares” de policiais dão conta de guardar uma fronteira de 8 mil quilômetros. É um completo absurdo. Perguntem ao Wálter Maierovitch. O que é preciso nas regiões fronteiriças são forças-tarefa que usem inteligência para monitorar a infraestrutura urbana, onde se organizam as quadrilhas que fazem tráfico de armas e drogas. As quadrilhas se organizam nas cidades de fronteira, alugam e compram automóveis, compram imóveis e fazem transações bancárias de grandes quantias. Vender a ideia de que é possível ocupar fisicamente as fronteiras é um absurdo! Aqui, Dilma poderia ter falado no fortalecimento da Polícia Federal, que se deu em todo o Brasil, mas especialmente na Amazônia. E retomar a questão da reorganização do estado brasileiro, dos concursos públicos, etc.
Infelizmente, os dois candidatos não falaram na necessidade de reaparelhamento das Forças Armadas, nem tocaram na questão espinhosa que é deslocar contingentes militares das praias maravilhosas do Sudeste para as regiões de fronteira terrestre.
Na questão das estradas, que Dilma evitou, é pertinente deixar claro que existem dois modelos de pedágios — o adotado por São Paulo e o adotado pelo governo federal.
O debate das privatizações é favorável se estiver conectado aos temas dos quais tratei acima: o modelo FHC/Serra, essencialmente privatizador, enfraqueceu o estado brasileiro e, portanto, a capacidade de investir e de planejar o futuro. Muitas das carências atuais do Brasil ainda resultam disso.
A candidata governista fez uma boa conexão entre pré-sal e futuros investimentos, mas “educação de qualidade” é um termo vago. Faltou falar na taxa de nacionalização das plataformas de exploração de petróleo e da indústria naval. Faltou estabelecer um nexo entre educação de qualidade, ambientalismo e soberania nacional. É disso que querem ouvir falar os jovens de classe média urbana: qual será o futuro para eles?
Não adianta mencionar apenas a dúzia de universidades construídas pelo governo Lula, contra zero de FHC, mas conectá-las ao futuro: é nelas, presumo, que o Brasil pretende construir conhecimento e desenvolver as tecnologias para fazer as máquinas que hoje importa. É nas universidades e nos centros de pesquisa da Amazônia que o Brasil vai desenvolver a biotecnologia para explorar sem destruir a riqueza de nossa biodiversidade. É no Instituto Internacional de Neurociência de Natal, dos drs. Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro, que faremos pesquisa de ponta no setor.
Os pontos altos de Serra no debate:
1. Quando Dilma não respondeu sobre a questão dos genéricos;
2. Quando ele disse que tinha como aliados dois presidentes, FHC e Itamar, contra Sarney e Collor.
Concordo com meu colega Rodrigo Vianna: o debate tirou a candidata governista da defensiva, colou em Serra a pecha de difamador — incapaz de defender a própria esposa — e de privatista. Além disso, levantou dúvidas sobre as promessas de continuidade dos programas do governo Lula, ao confrontá-lo com a promessa não cumprida, em papel timbrado da Folha — que ironia! — de que não deixaria a Prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo paulista, em 2006.
A tal ponto que, em suas considerações finais, Serra prometeu ampliar todos os programas do governo Lula: ou seja, “eu sou o lulismo”. Na entrevista que se seguiu ao debate, ele correu para dizer que pretende “reestatizar” todas as empresas públicas.
Além disso, Dilma se descolou positivamente de Lula. Demonstrou firmeza e autonomia. Soou falsa a acusação de Serra de que Dilma teria sido “treinada” de forma eficaz. Aqui, Dilma perdeu uma oportunidade de ouro, que surgirá naturalmente nos próximos debates: mencionar a condescendência de Serra com a candidata e, portanto, com as mulheres. Será que ele não acredita em mulheres autônomas, independentes, donas de seus narizes?
Debate não ganha eleição e é óbvio que os quatro grandes grupos midiáticos — Organizações Globo, Folha, Abril e Estadão — vão fazer a leitura que for conveniente para José Serra.
A candidata governista demonstra crescente domínio das técnicas do debate e pode chegar ao confronto que realmente interessa, o da Globo, equilibrando firmeza com conhecimento técnico, visão de conjunto com preocupações sociais.
Mas o importante é que a campanha de Dilma deixou claro que pode usar os debates para trazer à tona todos os assuntos relativos ao adversário que a grande mídia esconde, criando uma clivagem entre as redações e o público leitor, ouvinte e telespectador.
Isso é sinal de que a candidata governista colocará em seu programa eleitoral gratuito as declarações de aliados de Serra — e da mulher do candidato — equiparando o Bolsa Família a uma Bolsa Esmola? Seria a bomba atômica, especialmente para os eleitores do Nordeste.
A ver.
PS do Viomundo: As enquetes não científicas da grande mídia estão viciadas pela trollagem organizada pela campanha de Serra!
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