por Lena Lavinas
Enviado por luisnassif, sab, 09/07/2011 - 09:01“Paternidade impossível”
O candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, governador José Serra, publicou nesta página do GLOBO dias atrás um artigo pretensamente analítico sobre as perspectivas de sucesso do Programa de Erradicação da Miséria, recém-lançado pelo governo federal. As imprecisões são tantas que demanda esclarecimentos, pois desinformar é um ato de desutilidade pública. Geralmente é o que acontece quando a fraseologia de oportunidade prevalece sobre os fatos e o bom senso.
Olhar para o passado recente implica reconhecer que as ações compensatórias no Brasil deixaram para trás um status menor e desvalorizado, marcado pela inoperância e pela inefetividade, para tornar-se uma verdadeira política pública, fundada em direitos e regras estabelecidas e transparentes, que podem, inclusive, ser monitoradas. Vamos recordar que o maior programa de combate à miséria da primeira gestão FHC foi a doação de alimentos - mais de 27 milhões de cestas em 1998 -, cujos resultados foram inócuos. Ademais, custava caro, gerava inúmeras ineficiências (desperdícios alarmantes na estocagem e na distribuição, por exemplo) e acabou sendo abandonado pelo próprio governo diante das evidências irrefutáveis de que era melhor ampliar programas de transferência de renda monetária direta.
Durante o segundo mandato FHC, o Comunidade Solidária consolidou-se como o grande programa de enfrentamento da pobreza, mas pecou pelas debilidades inerentes ao seu desenho: iniciativas altamente pulverizadas no território e nos objetivos, pontuais, que jamais permitiram uma avaliação rigorosa do que logrou realizar de fato o programa, tamanha a fragmentação de boas ações, que, por melhores que possam ter sido, jamais se configuraram em política. O Comunidade Solidária não mudou a cara da pobreza no Brasil. Essa é uma obviedade incontestável qualquer que seja o ângulo - conservador ou progressista - da mirada!
É verdade que, ao final do segundo mandato FHC, o MEC resolveu adotar em nível nacional o Programa Bolsa Escola, cujas iniciativas bem-sucedidas se multiplicavam em vários municípios. Porém, o teto de cobertura do Bolsa Escola federal não passou do milhão de famílias, e o valor do benefício por criança era de R$ 15, o que não lhe assegurava a escala necessária, nem a eficácia requerida para ter um impacto na magnitude do problema a sanar. A política econômica do governo FHC tornava impeditiva uma política social eficaz nos seus propósitos.
Ao contrário do que afirma, em seu artigo, o candidato à Presidência derrotado, o Bolsa Família não é a mera unificação dos vários cadastros de programas que existiam antes, dispersos em muitos ministérios e todos, igual e inequivocadamente, inexpressivos em termos de resultados. O Bolsa Família constitui-se numa ruptura com as iniciativas pretéritas no campo dos programas assistenciais porque ele vai garantir uniformidade no atendimento, escala na cobertura e institucionalidade da política pública de assistência social, nos marcos da regulação existente e não à margem e na contramão, como o fez por oito anos o governo FHC.
Entretanto, dado que o Bolsa Família não é um direito, acabou por excluir alguns milhões de famílias dentre as mais destituídas embora cumprissem os critérios de elegibilidade para tornarem-se beneficiárias. O novo Plano de Erradicação da Miséria vem talhado para reparar essa falha grave e introduzir algumas inovações, a mais promissora delas o intento de associar satisfação de necessidades com promoção de oportunidades.
Há quem julgue que mantras produzem os efeitos esperados, pois seriam portadores de um poder específico. Deve ser essa a crença dos que repetem incessantemente que a novidade do crescimento com um pouco menos de desigualdade e um pouquinho mais de redistribuição, ampliação das camadas médias, mais crédito e a volta das políticas de infraestrutura social estavam nos genes do que precedeu o Bolsa Família. Não há exame de DNA possível para comprovar essa hipótese. Uma certeza temos, no entanto: a de que as urnas deram a vitória a quem soube, para além da garantia da estabilização, trazer segurança e prosperidade para que sonhos e projetos possam novamente alavancar o futuro da nação.
LENA LAVINAS é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
LENA LAVINAS - professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“O candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, governador José Serra, publicou nesta página do GLOBO dias atrás um artigo pretensamente analítico sobre as perspectivas de sucesso do Programa de Erradicação da Miséria, recém-lançado pelo governo federal. As imprecisões são tantas que demanda esclarecimentos, pois desinformar é um ato de desutilidade pública. Geralmente é o que acontece quando a fraseologia de oportunidade prevalece sobre os fatos e o bom senso.”
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Paternidade impossível
Publicada em 08/07/2011 às 16h45m
LENA LAVINASO candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, governador José Serra, publicou nesta página do GLOBO dias atrás um artigo pretensamente analítico sobre as perspectivas de sucesso do Programa de Erradicação da Miséria, recém-lançado pelo governo federal. As imprecisões são tantas que demanda esclarecimentos, pois desinformar é um ato de desutilidade pública. Geralmente é o que acontece quando a fraseologia de oportunidade prevalece sobre os fatos e o bom senso.
Olhar para o passado recente implica reconhecer que as ações compensatórias no Brasil deixaram para trás um status menor e desvalorizado, marcado pela inoperância e pela inefetividade, para tornar-se uma verdadeira política pública, fundada em direitos e regras estabelecidas e transparentes, que podem, inclusive, ser monitoradas. Vamos recordar que o maior programa de combate à miséria da primeira gestão FHC foi a doação de alimentos - mais de 27 milhões de cestas em 1998 -, cujos resultados foram inócuos. Ademais, custava caro, gerava inúmeras ineficiências (desperdícios alarmantes na estocagem e na distribuição, por exemplo) e acabou sendo abandonado pelo próprio governo diante das evidências irrefutáveis de que era melhor ampliar programas de transferência de renda monetária direta.
Durante o segundo mandato FHC, o Comunidade Solidária consolidou-se como o grande programa de enfrentamento da pobreza, mas pecou pelas debilidades inerentes ao seu desenho: iniciativas altamente pulverizadas no território e nos objetivos, pontuais, que jamais permitiram uma avaliação rigorosa do que logrou realizar de fato o programa, tamanha a fragmentação de boas ações, que, por melhores que possam ter sido, jamais se configuraram em política. O Comunidade Solidária não mudou a cara da pobreza no Brasil. Essa é uma obviedade incontestável qualquer que seja o ângulo - conservador ou progressista - da mirada!
É verdade que, ao final do segundo mandato FHC, o MEC resolveu adotar em nível nacional o Programa Bolsa Escola, cujas iniciativas bem-sucedidas se multiplicavam em vários municípios. Porém, o teto de cobertura do Bolsa Escola federal não passou do milhão de famílias, e o valor do benefício por criança era de R$ 15, o que não lhe assegurava a escala necessária, nem a eficácia requerida para ter um impacto na magnitude do problema a sanar. A política econômica do governo FHC tornava impeditiva uma política social eficaz nos seus propósitos.
Ao contrário do que afirma, em seu artigo, o candidato à Presidência derrotado, o Bolsa Família não é a mera unificação dos vários cadastros de programas que existiam antes, dispersos em muitos ministérios e todos, igual e inequivocadamente, inexpressivos em termos de resultados. O Bolsa Família constitui-se numa ruptura com as iniciativas pretéritas no campo dos programas assistenciais porque ele vai garantir uniformidade no atendimento, escala na cobertura e institucionalidade da política pública de assistência social, nos marcos da regulação existente e não à margem e na contramão, como o fez por oito anos o governo FHC.
Entretanto, dado que o Bolsa Família não é um direito, acabou por excluir alguns milhões de famílias dentre as mais destituídas embora cumprissem os critérios de elegibilidade para tornarem-se beneficiárias. O novo Plano de Erradicação da Miséria vem talhado para reparar essa falha grave e introduzir algumas inovações, a mais promissora delas o intento de associar satisfação de necessidades com promoção de oportunidades.
Há quem julgue que mantras produzem os efeitos esperados, pois seriam portadores de um poder específico. Deve ser essa a crença dos que repetem incessantemente que a novidade do crescimento com um pouco menos de desigualdade e um pouquinho mais de redistribuição, ampliação das camadas médias, mais crédito e a volta das políticas de infraestrutura social estavam nos genes do que precedeu o Bolsa Família. Não há exame de DNA possível para comprovar essa hipótese. Uma certeza temos, no entanto: a de que as urnas deram a vitória a quem soube, para além da garantia da estabilização, trazer segurança e prosperidade para que sonhos e projetos possam novamente alavancar o futuro da nação.
LENA LAVINAS é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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