A greve geral convocada pelas centrais espanholas para esta 5ª feira, dia 29, acontece antes que o governo da direita, encabeçado pelo PP de Rajoy e Aznar, complete cem dias no poder. Trata-se de um recorde em termos de confronto sindical, que não se explica por um radicalismo há muito esmaecido nas organizações trabalhistas européias. O extremismo que solapa qualquer convívio com a tolerância, no caso, é o das políticas de austeridade e supressão de direitos com as quais os mercados pretendem superar a crise da ordem neoliberal. Que se tenha chegado ao ponto de exigir o grau de expropriação em curso na zona do euro, diz muito sobre esse alicerce de fragilidade e predação a partir do qual o sistema busca se reinventar, depois de 2008. O ataque coeso de agora, motivo da greve desta 5ª feira, visa eliminar, ou esmaecer, a rede protetora erguida no pós-guerra em torno do trabalho. O governo Rajoy não inova: segue a cartilha em implantação na Grécia,Portugal, Itália e alhures. Trata-se de desregular a peça-chave da engrenagem produtiva, que de certa forma lubrifica o conjunto das instituições democráticas. Extirpar a trincheira da proteção ao trabalho equivale de certo modo a suprimir a principal pilastra de resistência real e legal ao estado de exceção intrínseco à supremacia das finanças desreguladas. Dois eixos da reforma laboral espanhola estendem o regime de exceção permanente ao núcleo duro de ordenação da economia e da sociedade européia herdado do século XX. Se as pretensões mercadistas não forem barradas, contratos precários e demissões sumárias, individuais e coletivas, serão barateados e agilizados; ao mesmo tempo, uma nova redação no artigo 41 do Estatuto dos Trabalhadores, espécie de lei trabalhista espanhola, permitirá às empresas modificar unilateralmente todas as esferas das relações entre capital e trabalho: desde a carga horária até a sua distribuição no dia, no mês e no ano; passando pela flexibilidade salarial, com ampliação da margem para ajustes discricionários no valor e no calendário de pagamento, até mudanças arbitrárias de função, turno, metas e produtividade. Tudo isso, repita-se, tornar-se-á objeto de decisão estritamente privada, dispensado-se o capital das amarras civilizatórias tecidas pelas negociações coletivas e pelo poder coercitivo do Estado e da democracia, consolidados ao longo de décadas. Deve-se acompanhar com atenção os desdobramentos do braço-de-ferro entre a direita europeia e os sindicatos. Muito do que será o novo rosto da democracia e da sociedade, após o colapso neoliberal, será decidido nesses enfrentamentos, em que o capital conta com a anomia, o desemprego e o desalento aguçados pela crise, para subtrair novos espaços à democracia.
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