Serão iguais os casos de Gisele Bündchen e Alexandre Pires, em suas agruras com duas secretarias da Presidência da República? Ela com a de Políticas para as Mulheres, ele com a de Políticas Especiais de Promoção da Igualdade Racial?
Compartilham, no mínimo, uma coisa: tanto a modelo, quanto o cantor foram criticados por sua participação em peças de comunicação consideradas ofensivas e preconceituosas. Gisele em relação às mulheres e Alexandre Pires contra os negros.
O caso da supermodelo foi amplamente divulgado e se referia à campanha publicitária que estrelou, há alguns meses, de uma marca de lingerie. Nos comerciais para a televisão, ela explicava, brincando, o modo certo e o errado de uma mulher transmitir a seu companheiro uma notícia ruim - que batera o carro, que a sogra o visitaria, etc.
Equivocado seria comunicar diretamente o fato - vestida. Correto, dizê-lo cheia de sensualidade - usando apenas roupa íntima. Em outras palavras, burra é a mulher que não emprega a sedução em seu favor.
Apesar do tom jocoso, a Secretaria entendeu que a campanha tinha uma inaceitável carga de preconceitos e contribuía para manter estereótipos discriminatórios contra as mulheres. Por isso, oficiou ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, Conar, solicitando que fosse retirada do ar.
O caso de Alexandre Pires - que ainda está em curso -, é diferente, mas parecido.
Com ele, a polêmica é sobre o videoclipe de sua música mais recente, intitulada “Konga”. Estão em discussão letra e vídeo.
A canção brinca com a imagem de macacos e gorilas. Nela, as mulheres são atraídas pela força e a energia dos animais, em óbvia alusão ao que seria sua hiperbólica virilidade.
No clipe, tudo acontece à beira de uma piscina, pretexto suficiente para que as atrizes vistam minúsculos biquínis. O cantor aparece em roupas convencionais e os músicos estão fantasiados de gorilas. A seu lado, o super-astro Neymar dança e se diverte - e acaba também disfarçado.
A reação da outra Secretaria foi parecida. Também nesse caso haveria preconceitos e conteúdos discriminatórios, racistas e sexistas. Pelos dois motivos, ela solicitou que a exibição do vídeo na internet fosse, voluntariamente, suspensa e que não houvesse veiculação na televisão.
Essa talvez seja a única semelhança entre os dois episódios. Pois, se as atitudes das Secretarias foram, basicamente, as mesmas, o caso da modelo recebeu um tratamento bem diferente da mídia - e foi percebido, em função disso, de forma quase oposta pelos segmentos da opinião pública que costumam se manifestar nas redes sociais.
A reação da Secretaria de Políticas para as Mulheres contra a campanha de Gisele foi imediatamente tachada de “intervenção indevida” do governo. De exemplo da incapacidade da burocracia entender uma alegre brincadeira. De intromissão do estado na vida particular. E por aí vai....
E em apoio a Alexandre Pires? Alguma voz se levantou? Algum dos intelectuais que trabalham nos grandes veículos de nossa imprensa o defendeu?
Ficou sozinho, tendo que se justificar....
Note-se que, em seu caso, a discussão vai além da mera liberdade do anunciante usar qualquer argumento - por mais questionável que seja - para aumentar as vendas. Diz respeito a algo mais importante, a liberdade de criação.
Pode um artista negro usar os estereótipos da cultura da discriminação? Pode brincar com eles, tirar a ofensa da boca dos agressores e fazer música com ela? Pode transformar o gorila em tema de alegria e afirmação?
Na hora de defender a modelo branca do “intervencionismo lulopetista”, não faltaram voluntários - e espaço. E agora? Contra o cantor, a intervenção é legítima?
Como muitos negros norte-americanos, que têm orgulho de se chamar nigger - a palavra-símbolo do racismo em seu país -, Alexandre Pires, Neymar, os músicos e atores que participaram do clipe estavam rindo. Rindo de quem os olha com preconceito - e inveja.
Preocupada com o tom de falsa pedagogia que havia na campanha de Gisele Bündchen, a Secretaria das Mulheres agiu corretamente. No clipe de Alexandre Pires, a de Igualdade Racial, talvez.
Mas essa já é outra historia.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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