É mais do que razoável esperar para comemorar a nomeação de Luís Roberto Barroso até que encurte bem a distância entre a teoria e a prática de suas palavras ao ser sabatinado pelo Senado, pois tais palavras deram razão ao entusiasmo de “gregos” e “troianos”, ou seja, dos que aprovam e desaprovam o resultado provisório do julgamento do mensalão.
Ainda assim, enquanto todos comemoram essa nomeação, há que contextualizá-la.
Em primeiro lugar, apesar de o julgamento dos recursos contra a Ação Penal 470 (vulgo mensalão) não ser a única nem a mais importante questão que a escolha de Barroso encerra, trata-se da questão política mais importante, polêmica e premente.
Não basta, porém, tomar uma ou duas frases estudadas por quem as proferiu e, a partir delas, supor que esse alguém foi escolhido ministro sob a condição de reverter condenações. Até porque, alguém que fosse escolhido sob tal intenção não desfrutaria das palavras de apoio daqueles que querem ver os réus do mensalão atrás das grades a qualquer preço.
Sob tais premissas, o Blog ouviu fontes bem próximas ao epicentro desse processo e, a partir daí, construiu um quadro que pode vir a se assemelhar muito à realidade desde que se considere que a política é uma ciência minimamente exata, o que, por não ser verdade, transforma o que vai a seguir apenas em uma especulação que pode, apenas pode, tornar-se realidade.
Relevemos, então, a declaração de Barroso que animou analistas experientes e um considerável contingente de juristas e constitucionalistas que se veem alarmados pelo julgamento de exceção que foi o da AP 470. Analisemos a declaração do virtual novo ministro do Supremo:
“(…) Em 2012, pesquisei precedentes do STF em matéria de corrupção e lavagem de dinheiro. Pensei que fosse chegar à conclusão de que o Supremo endureceu em matéria penal, mas cheguei a posição tradicionalmente garantista. Endureceu no caso do mensalão. O mensalão foi um ponto fora da curva. Não houve um endurecimento geral, mas, naquele caso específico, sim (…)”
Não há dúvida, portanto, de que o autor dessas palavras, apesar de dizer que não estudou o julgamento do mensalão, também disse que foi um julgamento de exceção.
Assim, se pegarmos as palavras de Barroso pelo seu sentido literal, a imagem que transmitem é a de um tribunal formado especificamente para condenar, o que é inaceitável em qualquer democracia.
Poder-se-ia argumentar, então, que o Supremo foi mais duro do que de costume ao julgar o mensalão porque, de alguma forma, esse caso diferiria de outros, o que, como se sabe, não é verdade, pois há outras ações similares que, inclusive, aquela Corte nem julgou, remetendo-as à primeira instância.
Ainda assim, mesmo que, previsivelmente, esse discurso dos interessados em condenar os réus do mensalão venha a mudar ao sabor dos acontecimentos como se nunca tivesse existido em sua versão anterior, a de que o julgamento deles nada teve de excepcional e de que haveria “fartura de provas” condenatórias, esses peixes poderão morrer pela boca.
O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, ou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por exemplo, esfalfaram-se de dar declarações no sentido de que haveria uma culpa escandalosamente evidente dos réus petistas e, mais do que isso, de José Dirceu, o grande alvo de todo esse processo.
Fartura de provas, no entanto, não combina com dureza excepcional da Corte. Se existem tantas e tão cabais provas, aplicou-se apenas a lei e não houve exceção alguma no julgamento da ação penal 470.
Barroso, porém, disse apenas o que todos sabem ser verdade, inclusive os interessados em condenar Dirceu e cia., mas que ninguém com voz tão poderosa jamais disse, à exceção do ministro Ricardo Lewandowski. E só durante o julgamento.
A partir daqui, portanto, constrói-se uma nova e primordial questão: que justificativa haveria para o Supremo Tribunal Federal inovar tanto nessa ação penal específica?
Além dessa tese primordial, surge uma adjacente: por que o caráter de exceção do julgamento do mensalão foi negado com tanta veemência se é tão evidente o que Barroso disse que ninguém, nem a mídia, o contestou?
Vale notar que, até o momento, nem mesmo Merval Pereira – que este Blog bem sabe que tem trânsito livre em vários gabinetes do STF – contestou Barroso. Sim, a premissa, antes negada até a morte, de que o julgamento da Ação Penal 470 foi um julgamento de exceção, foi aceita pelos que a negavam. Ao menos por enquanto.
Resta saber, porém, se Barroso – alguém que, por tabela, advogou para as organizações Globo e que vem sendo elogiado pelo próprio Merval, por Aécio Neves, por Agripino Maia, por Joaquim Barbosa, por Gilmar Mendes e por Roberto Gurgel –, não aparecerá, depois, com uma justificativa para ter sido formado o tal tribunal de exceção.
O que se depreende das duas escolhas feitas por Dilma após o primeiro ato do julgamento do mensalão, portanto, é que ao menos pretenderam ser feitas sob critérios estritamente técnicos, sem qualquer viés de quem escolheu no sentido de que os escolhidos viessem a absolver sob encomenda a quem quer que seja.
Essa postura combina com a que a presidente da República adotou ao longo de todo o julgamento do mensalão e após ele, de equidistância do caso e de suas implicações políticas.
O máximo que se pode especular que Dilma tenha feito, portanto, foi ter tentado escolher pessoas honoráveis (Teori Zavascki e Barroso), das quais as decisões poderão ser consideradas menos suspeitas do que as de outras que deliberaram sobre o mensalão e que vinham negando o que todos sabem, que o que houve foi um julgamento de exceção.
Fontes abalizadas afirmam que Barroso deu um “grito de independência”, como que avisando aos que já o pressionam. Um grito que pode ter sido para o bem ou para o mal. No Brasil, porém, gritos como esse não costumam significar muita coisa. Até o filho do rei de Portugal já deu um, mas é consenso entre os historiadores que não passou de bravata.
Só o que cabe, pois, é esperar que se tenha inserido maior seriedade na mais alta Corte de Justiça do país. Até aqui, pode-se dizer que há motivos para ter esperança de que este país não terá, além de todos os seus problemas, uma Justiça que aceita encenar uma farsa como a que as palavras de Barroso sugerem que existiu no julgamento do mensalão.
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