Agora as coisas ficaram mais claras. Os brasileiros foram enganados mais uma vez pela mídia. As notícias sobre a refinaria de Pasadena trazem informações vergonhosamente manipuladas.
O assunto foi politizado com fins eleitorais, de maneira que o PT tem a obrigação de vencer o seu medo já patológico da mídia e enfrentá-lo de cabeça erguida. Até porque está em jogo aqui muito mais do que o PT. Estão jogando contra a Petrobrás e, portanto, contra a nossa soberania econômica.
Mais que isso, estão tentando passar a perna nos brasileiros e matar vários coelhos com uma só pancada. Desgastar a presidente, tirando-lhe e votos, e de bucha forçar a Petrobrás a vender por alguns trocados uma refinaria que, para ser construída novamente, num lugar tão estratégico como o canal de Houston, custaria talvez mais de 2 bilhões de dólares. Talvez muito mais que isso.
Eu tiro esse valor de várias fontes. Em 2003, em sua coluna no Baltimore Sun, o jornalista Jay Hancock estima que construir uma refinaria igual à de Pasadena custaria mais de 1 bilhão. O New York Times, por sua vez, informa que a estimativa inicial do governo do Paquistão para construir uma refinaria de petróleo com capacidade para 40 mil barris por dia, é de 600 milhões de dólares. A construção da Abreu Lima, em Pernambuco, com capacidade de 230 mil barris por dia, está custando US$ 17 bilhões. Qual o objetivo em nos fazer acreditar que uma refinaria situada no coração do corredor petrolífero dos EUA, funcionando a pleno vapor, com capacidade para processar até 120 mil barris por dia, não vale os US$ 1 bilhão pagos pela Petrobrás? Sem contar que, neste bilhão estão incluídos estoques e milionários custos processuais. O preço efetivamente pago pela refinaria foi a metade disso.
Pasadena, aliás, vale mais que dinheiro. Como tudo que envolve segurança energética, ela também possui um valor estratégico e político.
Para adaptar-se às novas exigências ambientais, a refinaria de Pasadena passou a adotar, a partir de 2005, um sistema que reduz drasticamente a emissão de gases poluentes na atmosfera.
A implantação dessa tecnologia pela Astra foi um dos motivos que fizeram seu preço subir tanto de 2005 para 2006.
Uma coisa é comprar uma refinaria com gravíssimos problemas ambientais, trabalhistas e logísticos.
Outra coisa é comprar uma refinaria que investiu mais de US$ 100 milhões para se adaptar às rígidas exigências ambientais vigentes hoje nos Estados Unidos, e que também resolveu suas outras pendências.
A mídia repete que a Petrobrás pagou US$ 360 milhões por uma refinaria que tinha sido vendida por apenas US$ 42 milhões no ano anterior. E aí houve uma incompetência incrível por parte da comunicação da Petrobrás e do governo. O próprio Gabrielli confundiu a opinião pública ao dar a informação, até hoje não confirmada, aliás, por nenhum documento, nem mesmo por um mísero link para alguma reportagem, sem contextualizá-la adequadamente.
Fica parecendo que estamos falando de um carro que alguém compra por 42 mil reais e depois revende por 360 mil.
Refinaria não é carro.
O valor de uma refinaria é medido pelo seu posicionamento estratégico (no caso de Pasadena, ela está localizada no coração do principal “corredor” energético da maior potência do planeta), pelo maquinário usado, assim como pela existência ou não de pendências tributárias, trabalhistas e ambientais.
A Astra comprou uma refinaria cheia de problemas. Pasadena tinha vivido, a partir de meados dos anos 90, a maior greve da história da indústria petrolífera, a qual apenas foi resolvida em 2002.
A poderosa OCW, o principal sindicato de trabalhadores da indústria petrolífera dos EUA, vinha lutando há muitos anos contra a Crown Central Petroleum (nome da refinaria antes de ser comprada pela Astra, em 2005). A Crown era acusada de violar direitos humanos, racismo, poluição, falta de segurança, entre outros problemas.
Em 1999, a estatal petrolífera da Noruega informa que não iria mais trabalhar com a Crown Central Petroleum enquanto ela não respondesse às denúncias.
Todos pareciam odiar a refinaria, e com razão.
A empresa, então controlada por Henry Rosenberg, era acusada de racismo contra trabalhadores afrodescendentes, e de não tomar cuidado para evitar a poluição jogada sobre a vizinhança pobre, a maior parte composta de latino-americanos.
Para piorar, uma série de explosões vinham causando transtornos à refinaria. Só em 2001, foram três.
É preciso considerar todos esses fatores quando se analisa o negócio feito pela Astra no início de 2005.
Sob a nova direção, todos esses problemas seriam resolvidos.
Astra ainda ganharia a sorte grande, na forma de uma tragédia, ocorrida no mesmo ano. Os furacões Katrina e Rita causaram danos a inúmeras refinarias do Texas. Pasadena sofreu alguns danos, mas poucos. Entretanto, com a redução da oferta causada pela paralisação de dezenas de refinarias da região, as cotações do produto refinado disparariam, aumentando exponencialmente o faturamento daquelas que permaneceram em atividade.
E aí entra a Petrobrás na história. O ano é 2006 e o seu presidente era Sérgio Gabrielli.
A Petrobrás ainda vivia a era anterior à descoberta do pré-sal. Mas já tinha planos ambiciosos de expansão internacional.
Quer dizer, à luz dos projetos atuais da estatal, de centenas de bilhões de dólares, o plano de investimento da Petrobrás em 2006, para o período 2007 a 2011, parece até tímido. Em 2006, Gabrielli viaja à Londres, Nova York e Boston para apresentar o novo plano de investimento da empresa.
Segundo esta apresentação, a empresa pretendia investir US$ 75 bilhões no período, sendo US$ 12 bilhões fora do país
Grande parte desses investimentos internacionais seria feito na exploração de petróleo no golfo do México. A empresa esperava aplicar, fora do Brasil, o seu know how de prospecção e exploração em águas profundas. Deu certo. De 2001 a 2005, a Petrobrás vinha anunciando várias descobertas no Golfo.
Comprar uma refinaria nos EUA era um sonho da companhia desde 1999. Com sua entrada no golfo do México, a ideia agora parecia ainda melhor. A razão é simples. A Petrobrás exploraria petróleo no golfo e usaria a refinaria de Pasadena para processar o óleo cru e vendê-lo ao consumidor norte-americano.
Negócios com refinaria, como qualquer outro do setor de petróleo, sofrem com as variações bruscas de preço. Naquele momento, o preço dos derivados vinha subindo rapidamente, e as perspectivas eram excelentes.
É muito fácil, hoje, criticar Gabrielli e o Conselho de Administração por decisões feitas em 2006. Os anos de 2006 a 2007 foram férteis em decisões que se revelaram, no mínimo, questionáveis, ou mesmo desastrosas, nos anos seguintes. Em 2008, algumas das melhores e mais tradicionais empresas do mundo, como a General Motors e a Lehman Brothers, declaram-se à beira da falência. A primeira é praticamente estatizada pelo governo americano, em mais uma prova de que a ideologia neoliberal é um dogma apenas para economistas subdesenvolvidos. A secular Lehman, por sua vez, vai pro saco.
A utopia hegemônica pós-queda do muro de Berlim, de que um mundo regido pelas leis do mercado e pela competência da iniciativa privada traria uma longa e estável prosperidade, terminou em pesadelo. Governos do mundo desenvolvido tiveram que torrar trilhões de dólares para tampar o buraco deixado pela má-gestão temerária de até então respeitadas corporações privadas.
Em 2008, a crise financeira mundial faz o preço dos derivados de petróleo despencarem, reduzindo a lucratividade das refinarias. É neste momento que a Petrobrás, que vinha descobrindo, sucessivamente, novas reservas gigantes de petróleo em águas ultraprofundas da costa brasileira, decide suspender, por tempo indefinido, seus planos de investir na refinaria de Pasadena. Até então, a Petrobrás planejava investir quase US$ 2 bilhões em Pasadena para dobrar a sua capacidade de refino, dos então 100 ou 120 mil barris para algo próximo de 200 mil barris/dia. O projeto previa a construção de uma nova unidade processadora, dentro da refinaria, voltada para óleos pesados, como é o petróleo brasileiro até hoje extraído nas áreas do pós-sal. Desistiu disso, por enquanto. Paradoxalmente, o pré-sal trouxe um grave problema de caixa à Petrobrás. Para que a empresa possa converter aquele óleo sujo e malcheiroso, situado a milhares de metros abaixo da superfície marinha, em dinheiro para aplicarmos em educação, ela antes tem que investir dezenas ou mesmo centenas de bilhões de dólares em maquinários, plataformas, tecnologia e mão-de-obra. A empresa está numa caça alucinada por recursos, vendendo seus ativos no mundo inteiro, numa tentativa de fazer caixa e focar investimentos nas novas reservas descobertas. Está vendendo inclusive alguns ativos que possuía no Golfo do México.
No momento, a Petrobrás parece não saber o que fazer com a refinaria de Pasadena. Vender agora não valeria a pena, porque não conseguiria o preço que deseja.
Desde 2012, entretanto, o mercado de refino tem melhorado, elevando a lucratividade das refinarias. Em outubro de 2012, o New York Times publicou um artigo cujo título, traduzido livremente por mim, significa: “Refino de petróleo volta a criar fortunas”.
A descoberta de novos campos de gás e petróleo no golfo e no Texas trouxe vida nova às refinarias da região, onde também se localiza a de Pasadena, porque lhes deu competitividade sobre suas concorrentes no exterior. Ao invés de pagar altos preços por petróleo importado do oriente médio, as refinarias texanas agora podem se beneficiar de novos campos descobertos no sul do estado, que lhe fornecem matéria-prima a um custo muito menor. Segundo o New York Times, o lucro das refinarias da região cresceu 400% de 2008 a 2012.
Em julho do ano passado, o site especializado Oil Price fez uma entrevista com Fadel Gheit, diretor e analista sênior de uma respeitada empresa do setor, na qual Gheit afirma que o negócio com refinarias, que durante tanto tempo foi o patinho feio da indústria do petróleo, agora estava se tornando num lindo cisne. O título da matéria vai direto ao ponto: “O negócio com refinaria nos EUA serão a gema da indústria do petróleo”. Repare bem o que ele disse: refinarias nos EUA.
É preciso muito cuidado, portanto, para evitar que interesses obscuros utilizem o momento eleitoral para pressionar a Petrobrás a vender uma refinaria estratégica, situada no centro do cinturão petrolífero do país mais rico do mundo.
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