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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Visita de deputados a Dirceu desmoralizou Legislativo, Judiciário e imprensa



Matéria da Folha de São Paulo sobre a comitiva de deputados federais que foi investigar as condições de encarceramento de José Dirceu no presídio da Papuda, em Brasília, publicada na terça-feira passada no UOL e no dia seguinte no jornal impresso, produziu um factoide asqueroso que tenta enganar a sociedade enquanto infringe descaradamente a lei.

Comecemos pela lei. O inciso VIII do artigo 41 da lei 7.210/84, que regula a Execução Penal no país, é claro quanto à exploração da imagem de pessoas mantidas em regime de privação de liberdade: é garantido aos presos “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”.

Ora, o que foi a matéria da Folha sobre as condições de encarceramento de José Dirceu se não uma clara violação da lei 7.210/84, que proíbe que sejam feitas e divulgadas imagens de presos no ambiente de confinamento? A lei impediu a Folha de usar imagens feitas por um membro da comitiva de deputados que visitou o ex-ministro em sua cela?

Se a Folha deu uma banana para a lei e publicou vídeo gravado ilegalmente por algum membro da comitiva que adentrou o presídio, parte dessa comitiva esbofeteou o país com relatos sobre regalias de Dirceu que foram contestados não por partidários do ex-ministro, mas por deputados de oposição ao PT que também participaram da visita.

Quatro membros daquela comitiva se destacaram pelas declarações sobre o que viram na Papuda: a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ).

Detalhe: os quatro deputados são de partidos de oposição ao governo Dilma e ao PT. Contudo, diferenciaram-se entre si por demonstrarem ou não espírito público e entendimento do que é fazer oposição.

A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) disse que Dirceu recebe tratamento diferenciado por sua cela ser “mais ampla e iluminada”, por ter televisão e micro-ondas, utensílios que afirmou que outros presos não têm e que, depois se soube, é mentira, pois vários presos com “bom comportamento” têm esses e outros utensílios. Inclusive, Dirceu tem uma pequena tevê antiga e há presos com tevês de plasma.

Já o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) relatou à imprensa, em tom de denúncia, que Dirceu assistia ao jogo entre Bayern de Munique e Real Madrid no momento em que os deputados chegaram à sua cela…
As declarações desses deputados ganharam as manchetes principais dos jornais do dia seguinte à visita (quarta-feira). Contudo, havia as declarações de Erundina e Wyllys, que foram solenemente ignoradas pelos repórteres que esperavam a comitiva parlamentar na saída da Papuda.

Jean Wyllys deu a seguinte declaração: “A gente veio verificar se havia regalias. Pela nossa visita, que a gente fez às celas, e pelas conversas que nós tivemos com os agentes penitenciários, os gestores e o diretor do complexo, a gente viu que não há regalias. Não há privilégio [a Dirceu]”.
Luiza Erundina declarou que viu “Uma cela modesta, uma cela malconservada, cheia de infiltrações, gotejando água no corredor, na porta da cela”. E que o tratamento que dão a Dirceu na Papuda lhe tira “Aquilo que é dado a outros presos”.

Entre dois pares de declarações tão contraditórias, adivinhe, leitor, que versão ganhou as manchetes… A dos que enxergaram “regalias”, claro. A manchete da Folha reproduziu a declaração de Mara Gabrilli, mas depois se soube que ela não entrou na cela de Dirceu por ser cadeirante e sua cadeira-de-rodas não passar pela porta.

Sobre a deputada tucana de São Paulo, aliás, vale uma informação pessoal deste que escreve. Essa deputada vem se elegendo há anos usando sua condição de deficiente física. Seu mandato atua junto a famílias de deficientes, as quais ela transformou em massa de manobra.

Há alguns anos, Gabrilli era vereadora na capital paulista. A esposa deste blogueiro vinha tentando conseguir vaga em uma instituição municipal para nossa filha, portadora de paralisia cerebral. Como não havia vaga na instituição, sugeriram a ela que procurasse a vereadora tucana.

Gabrilli impôs uma condição à minha esposa, para ajudá-la: teria que se unir ao “movimento” que essa parlamentar coordenava. Consultado pela esposa, recomendei que não se aproximasse desse tipo de gente. O desespero de mãe, porém, vendo a saúde de nossa filha Victoria se deteriorar, falou mais alto.
A mãe de minha filha doente se animou com a promessa, que quase foi cumprida. Gabrilli chegou a comunicar a ela que conseguira a vaga para a menina. Marcou dia e hora para Cristina ir buscar uma “carta” da parlamentar para a instituição.

Quando minha esposa foi procurar a assessora de Gabrilli para ir retirar a tal “carta” ouviu que a vaga “não tinha dado certo”, mas que a vereadora ficara sabendo que este blogueiro era o pai da criança e que, por eu ser “ligado ao PT”, seria “fácil” para mim conseguir vaga para minha filha em alguma instituição federal.
O resultado é que minha esposa passou meses protestando contra a minha atividade de blogueiro, que estaria prejudicando nossa filha. Mas, ao fim, consegui convencê-la de que não era eu que estava errado por exercer minha liberdade de expressão, mas a parlamentar que usara sua posição para perseguir inimigos políticos.

Não espanta, pois, que Gabrilli tenha dito o que disse após a visita à Papuda. Esse tipo de conduta é a cara dela.

Seja como for, o fato é que quem tenta se posicionar sobre esse caso fica num dilema. Em quem acreditar? Claro que o cidadão que tem posições políticas definidas acreditará no que quer, mas quem procura somente a verdade fica desalentado ao ver a contradição entre quatro parlamentares que viram a mesma coisa, mas relatam fatos tão diferentes.

Esse mesmo cidadão fica sabendo que é proibido captar imagens de presidiários para exploração jornalística, vê que um dos membros da comitiva de deputados infringiu a lei ao gravar tais imagens, vê que a Folha divulgou o que é proibido e conclui que o jornal e os deputados estão se lixando para a lei.
Por fim, já percebendo que este país não passa de uma republiqueta bananeira em que leis valem tanto quanto a seriedade de parlamentares e da imprensa, o cidadão vê o Judiciário não tomar providências contra um episódio que desmoralizou ainda mais instituições cuja imagem nunca foi das melhores. O Brasil poderia ter passado sem essa pantomima.

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