Na semana que passou, enquanto estive na Argentina a trabalho, tive a excelente oportunidade de conhecer um jornalista local amigo de um cliente. Ele quis me conhecer ao saber, através daquele cliente, de minhas atividades jornalísticas neste blog. Reunimo-nos em um café em Puerto Madero, pois.
Durante a conversa, abordamos a questão da compra de três dezenas de aviões de guerra que o Brasil vem ensaiando fazer desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Uma compra de bilhões de dólares que, para esse mundo rico e afundado em problemas econômicos, torna-se da maior importância.
Além de ser três chic o Brasil ser protagonista de um negócio que aguça a ganância das nações mais industrializadas da Terra, essa negociação nos coloca em condições de força para darmos um salto que ultrapassa em muito as meras condições financeiras do negócio. O salto em questão, vale ressaltar, seria em nossa indústria aeronáutica – e talvez, mais do que isso, em nossa capacidade defesa do território nacional e dos interesses geopolíticos do Brasil.
Até um argentino sabe o que está por trás da opção sabidamente mais ao gosto do grupo político que governa o Brasil e sabe que o que está por trás desse gosto é o melhor interesse nacional. Isso é evidente. Ao menos partindo do princípio, de difícil negação, de que os americanos não transigem em questões militares.
Os três finalistas para a compra que permitirá ao Brasil desenvolver o projeto FX-2 – de um caça legitimamente nacional, com domínio de tecnologia nacional – são o caça americano F-18 Super Hornet, o sueco Gripen NG e o francês Rafale – C.
O Brasil firmou há anos um acordo de cooperação estratégico-militar-financeira-cultural com a França, o que desagrada aos americanos porque querem ter o controle não só do seu “quintal” (as três Américas), mas do mundo inteiro – ou queriam ter, mas vão descobrindo que não podem. Esse acordo nos permitirá dominar o ciclo de produção cem por cento autônoma de aviões de guerra, sobretudo em situações de conflito.
O que interessa a nós, porém, é que esse acordo nos permite um nível de autonomia compatível com pretensões do Brasil de se tornar aquilo que Delfim Neto definiu antes de todo mundo, por aqui, como “player global”, ou jogador global, nação capaz de participar das grandes decisões definidas pelo grupo de nações mais influentes, decisões que as outras acabam tendo que aceitar.
Enfim, o fato é que toda a comunidade internacional sabe que a imprensa brasileira está fazendo o jogo dos americanos. E, para que isso não fique muito evidente, essa imprensa – Folha, Estadão, Globo e Veja, sobretudo – diz que o avião americano é o “melhor”, mas que o avião sueco seria a solução de consenso por o negócio oferecer maior transferência de tecnologia, apesar de o Gripen ser inferior ao avião americano, mas superior ao francês.
Não é verdade. O Gripen leva componentes americanos essenciais que delegariam a eles (aos americanos) a decisão de fornecer peças de reposição em caso de ser necessário, em um conflito – ou mesmo se houvesse essa possibilidade de conflito real –, o uso dessas máquinas de guerra que estamos adquirindo, em vez de podermos produzir aqui o que precisarmos.
Suponhamos que os Estados Unidos decidissem apoiar uma ação militar de seu braço colombiano contra seu desafeto venezuelano. Digamos, por exemplo, que Hugo Chávez decida interromper a venda de petróleo para os americanos. Em retaliação, seria buscado um pretexto pela aliada militar americana Colômbia para atacar a Venezuela e derrubar Chávez.
Nessa situação, haveria uma reação da Unasul contra a Colômbia – talvez uma reação militar. Nessa hipótese improvável, mas nada descartável, em havendo um conflito a necessidade de peças de reposição para sistemas vitais dos aviões – ou até a compra de aviões substitutos – seria decidida por uma das partes nesse conflito, a parte que seria nossa adversária.
Esse é o resumo da ópera. A imprensa de direita faz coro com Washington sobre governos sul-americanos que os Estados Unidos consideram hostis aos seus interesses, por isso quer fazer prevalecer os interesses de seus apoiados. Só não se sabe sob que expectativa de recompensa, mas imagina-se.
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