Ex-senador no Parlamento italiano pelo Partido da Refundação Comunista (2006-08), o ativista ítalo-brasileiro José Luís Del Roio prevê dias turbulentos na Itália, com a intensificação dos protestos de rua contra o desmonte do sistema de bem-estar. França pode ser a próxima vítima da crise. Sem aprofundar práticas democráticas e aproximar-se das massas, União Européia pode implodir, diz ele à Carta Maior.
Marcel Gomes
São Paulo - Apesar de "felicíssimo" com a iminente queda do premiê Silvio Berlusconi e o fim da "bordelcracia" na Itália, o ativista ítalo-brasileiro José Luís Del Roio não projeta um cenário otimista.
Ex-senador no Parlamento italiano pelo Partido da Refundação Comunista (2006-08), ele acredita que o novo governo terá um caráter ainda mais neoliberal, ao apostar na destruição do sistema de bem-estar e em medidas recessivas como estratégias para superar a turbulência econômica.
A Itália é hoje a bola da vez da crise financeira européia. Berlusconi já admitiu a renúncia, pressionado pelo tamanho da dívida pública, o baixo crescimento econômico e a explosão dos juros cobrados dos títulos italianos.
"O novo governo será feito por homens educados, engravatados, que falam línguas, mas será terrivelmente neoliberal. (...) É uma visão extremamente equivocada para resolver a crise. (...) Se reduzirmos a arrecadação de impostos, a dívida pública em relação ao PIB só poderá aumentar", disse Del Roio à Carta Maior.
Nesta entrevista exclusiva, o ativista, que hoje vive entre São Paulo e Bragança Paulista, sua cidade natal, e desenvolve um projeto de pesquisa junto ao Instituto Vladimir Herzog, prevê uma temporada de turbulências sociais na Itália, especialmente com protestos de rua conduzidos por sindicalistas.
Del Roio foi dirigente do PCB nos anos 1960. Fundou, com Carlos Marighella e outros ativistas, a Aliança de Libertação Nacional (ALN), que abraçou a luta armada como forma de resistência. Quando a ditadura fechou o cerco aos opositores, Del Roio seguiu para o exílio e trabalhou no Peru, Chile, Argélia, Moscou e Itália. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
Carta Maior - Na Grécia, a crise levou situação e oposição a criarem um governo de união nacional. Na Itália, após a queda de Berlusconi, há essa possibilidade?
José Luís Del Roio - Na Itália não irá nascer propriamente um governo de unidade nacional, mas algo similar. Acredito que o novo governo terá a característica de um governo técnico. Mario Monti, que deve ser o próximo primeiro-ministro, não é um homem de partido. Por esse caráter, o novo governo deve ter participação tanto de partidos da chamada direita quanto da chamada esquerda. Mas a "esquerda-esquerda", como a Refundação, não participará, porque não tem mais nenhum deputado no Parlamento, após a mudança das regras nas últimas eleições.
CM - Imagino que o objetivo desse "governo técnico" será resolver a questão da crise da dívida. Mas é possível que haja novidades no campo político? Quem sabe a própria alteração da lei eleitoral?
Del Roio - É bem provável que o novo governo amenize alguns aspectos antidemocráticos da lei eleitoral. Acredito nisso porque a sociedade italiana irá se mobilizar diante das perdas de conquistas sociais que virão. E essas manifestações sociais que precisarão de algum canal constitucional que absorva a pressão.
CM - Não se viu na Itália protestos da dimensão dos ocorridos na Grécia. Eles podem ocorrer?
Del Roio - É possível, sim. Mas há um fator que conta a favor dos gregos. Lá, eles têm um partido comunista forte e organizado, que teve papel central naquelas mobilizações. Na Itália os protestos devem ser centralizados pela Federação Italiana dos Metalúrgicos e a Confederação Geral dos Trabalhadores Italianos, a CGIL. Já houve recentemente grandes mobilizações no país, mas elas se concentraram na tentativa de derrubar o governo Berlusconi.
CM - E o governo acabou caindo por conta da crise...
Del Roio - Pois é. É claro que estou felicíssimo com isso e com o fim da "boldelcracia" no país. Tínhamos um governo desqualificado internacionalmente. Agora teremos um outro, feito por homens educados, engravatados, que falam línguas, mas será terrivelmente neoliberal. É uma visão extremamente equivocada para resolver a crise. A política econômica que eles desejam aplicar resultará na destruição do sistema de bem-estar social e na desaceleração econômica, que não colaboraram em nada para a redução da dívida. Se reduzirmos a arrecadação de impostos, a dívida pública em relação ao PIB só poderá aumentar. A Itália deve hoje 120% de seu PIB, e isso poderá chegar a 130%, 140%, 150%... o céu é o limite.
CM - Na Grécia, os efeitos da crise têm sido terríveis no dia-a-dia das pessoas, com desemprego e corte de salários. Como a crise tem afetado a vida dos italianos?
Del Roio - A Itália ainda não chegou à situação da Grécia, e eu espero que não chega. Mas há problemas graves, como a desocupação crescente, sobretudo entre jovens. A faixa etária de 26, 27 anos enfrenta 40% de desemprego. Isso é um drama. Primeiro do ponto de vista econômico, porque são pessoas que não produzem e nem consomem. Segundo, do ponto de vista da esperança. Metade da juventude italiana não tem perspectiva e fica em casa sem fazer em nada ou acaba imigrando. Um outro problema trazido pela crise atinge os funcionários públicos, já que o governo decidiu impor-lhes quatro anos sem reajuste de salários. Além disso, os que se aposentam não poderão sacar um tipo de fundo de garantia por tempo de serviço que beneficia o funcionalismo italiano.
CM - A extensão da crise gerou discussões sobre o futuro da União Européia. Chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a propor a revisão de tratados. Qual sua opinião sobre isso?
Del Roio - A situação da União Européia é pior do que parece. Em primeiro lugar, por sua própria estrutura. São 27 países e só parte deles adota o euro. Em segundo lugar, o governo da União Européia é extremamente antidemocrático e afastado das massas. As pessoas não conhecem o governo europeu, não sabem se tem presidente ou nome de ministros. O que há é uma burocracia feroz que não gosta de eleições. A Constituição da União Européia foi recusada em referendos na França e na Holanda e, então, decidiram impô-la. Antes de tudo, precisamos de democracia na União Européia. Há uma grande desatenção quanto à importância do voto das pessoas. A União Européia costuma criticar a democracia dos Estados nacionais, quando esse é um problema central dela. Ou ela se democratiza, ou está perdida.
CM - Em sua opinião, países podem deixar o bloco ou, pelo menos, o euro?
Del Roio - É possível. Quem estiver de acordo com o eixo central, formado por Alemanha e França, fica. Quem se revoltar, sairá. O problema é que a França não está imune à crise, nem economicamente e nem socialmente. Após o massacre contra os italianos, chegará a vez dos franceses. Isso pode gerar grandes transformações na Europa, porque a Alemanha, a meu ver, tem outra perspectiva estratégica em vista, que seria uma parceria com a Rússia. Desde antes de ser formada, em 1870, a Alemanha olhava para o leste, onde estão grande parte das reservas energéticas mundiais. Se a União Européia balançar, um eixo entre Alemanha e Rússia poderia se fortalecer.
CM - O senhor foi senador no Parlamento italiano. Pensa em se candidatar novamente?
Del Roio - Não penso em voltar. A vida parlamentar me incomodava muito. Você passa 4/5 do seu tempo discutindo minúcias, se deve ou não deve cobrar pelo uso dos banheiros da rodoviária. Eu gosto de discutir estratégias, de discutir se a rodoviária cumpre seu papel no sistema de transportes.
Leia mais
Em 2006, recém eleito senador, Del Roio concedia entrevista à Carta Maior
Ex-senador no Parlamento italiano pelo Partido da Refundação Comunista (2006-08), ele acredita que o novo governo terá um caráter ainda mais neoliberal, ao apostar na destruição do sistema de bem-estar e em medidas recessivas como estratégias para superar a turbulência econômica.
A Itália é hoje a bola da vez da crise financeira européia. Berlusconi já admitiu a renúncia, pressionado pelo tamanho da dívida pública, o baixo crescimento econômico e a explosão dos juros cobrados dos títulos italianos.
"O novo governo será feito por homens educados, engravatados, que falam línguas, mas será terrivelmente neoliberal. (...) É uma visão extremamente equivocada para resolver a crise. (...) Se reduzirmos a arrecadação de impostos, a dívida pública em relação ao PIB só poderá aumentar", disse Del Roio à Carta Maior.
Nesta entrevista exclusiva, o ativista, que hoje vive entre São Paulo e Bragança Paulista, sua cidade natal, e desenvolve um projeto de pesquisa junto ao Instituto Vladimir Herzog, prevê uma temporada de turbulências sociais na Itália, especialmente com protestos de rua conduzidos por sindicalistas.
Del Roio foi dirigente do PCB nos anos 1960. Fundou, com Carlos Marighella e outros ativistas, a Aliança de Libertação Nacional (ALN), que abraçou a luta armada como forma de resistência. Quando a ditadura fechou o cerco aos opositores, Del Roio seguiu para o exílio e trabalhou no Peru, Chile, Argélia, Moscou e Itália. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
Carta Maior - Na Grécia, a crise levou situação e oposição a criarem um governo de união nacional. Na Itália, após a queda de Berlusconi, há essa possibilidade?
José Luís Del Roio - Na Itália não irá nascer propriamente um governo de unidade nacional, mas algo similar. Acredito que o novo governo terá a característica de um governo técnico. Mario Monti, que deve ser o próximo primeiro-ministro, não é um homem de partido. Por esse caráter, o novo governo deve ter participação tanto de partidos da chamada direita quanto da chamada esquerda. Mas a "esquerda-esquerda", como a Refundação, não participará, porque não tem mais nenhum deputado no Parlamento, após a mudança das regras nas últimas eleições.
CM - Imagino que o objetivo desse "governo técnico" será resolver a questão da crise da dívida. Mas é possível que haja novidades no campo político? Quem sabe a própria alteração da lei eleitoral?
Del Roio - É bem provável que o novo governo amenize alguns aspectos antidemocráticos da lei eleitoral. Acredito nisso porque a sociedade italiana irá se mobilizar diante das perdas de conquistas sociais que virão. E essas manifestações sociais que precisarão de algum canal constitucional que absorva a pressão.
CM - Não se viu na Itália protestos da dimensão dos ocorridos na Grécia. Eles podem ocorrer?
Del Roio - É possível, sim. Mas há um fator que conta a favor dos gregos. Lá, eles têm um partido comunista forte e organizado, que teve papel central naquelas mobilizações. Na Itália os protestos devem ser centralizados pela Federação Italiana dos Metalúrgicos e a Confederação Geral dos Trabalhadores Italianos, a CGIL. Já houve recentemente grandes mobilizações no país, mas elas se concentraram na tentativa de derrubar o governo Berlusconi.
CM - E o governo acabou caindo por conta da crise...
Del Roio - Pois é. É claro que estou felicíssimo com isso e com o fim da "boldelcracia" no país. Tínhamos um governo desqualificado internacionalmente. Agora teremos um outro, feito por homens educados, engravatados, que falam línguas, mas será terrivelmente neoliberal. É uma visão extremamente equivocada para resolver a crise. A política econômica que eles desejam aplicar resultará na destruição do sistema de bem-estar social e na desaceleração econômica, que não colaboraram em nada para a redução da dívida. Se reduzirmos a arrecadação de impostos, a dívida pública em relação ao PIB só poderá aumentar. A Itália deve hoje 120% de seu PIB, e isso poderá chegar a 130%, 140%, 150%... o céu é o limite.
CM - Na Grécia, os efeitos da crise têm sido terríveis no dia-a-dia das pessoas, com desemprego e corte de salários. Como a crise tem afetado a vida dos italianos?
Del Roio - A Itália ainda não chegou à situação da Grécia, e eu espero que não chega. Mas há problemas graves, como a desocupação crescente, sobretudo entre jovens. A faixa etária de 26, 27 anos enfrenta 40% de desemprego. Isso é um drama. Primeiro do ponto de vista econômico, porque são pessoas que não produzem e nem consomem. Segundo, do ponto de vista da esperança. Metade da juventude italiana não tem perspectiva e fica em casa sem fazer em nada ou acaba imigrando. Um outro problema trazido pela crise atinge os funcionários públicos, já que o governo decidiu impor-lhes quatro anos sem reajuste de salários. Além disso, os que se aposentam não poderão sacar um tipo de fundo de garantia por tempo de serviço que beneficia o funcionalismo italiano.
CM - A extensão da crise gerou discussões sobre o futuro da União Européia. Chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a propor a revisão de tratados. Qual sua opinião sobre isso?
Del Roio - A situação da União Européia é pior do que parece. Em primeiro lugar, por sua própria estrutura. São 27 países e só parte deles adota o euro. Em segundo lugar, o governo da União Européia é extremamente antidemocrático e afastado das massas. As pessoas não conhecem o governo europeu, não sabem se tem presidente ou nome de ministros. O que há é uma burocracia feroz que não gosta de eleições. A Constituição da União Européia foi recusada em referendos na França e na Holanda e, então, decidiram impô-la. Antes de tudo, precisamos de democracia na União Européia. Há uma grande desatenção quanto à importância do voto das pessoas. A União Européia costuma criticar a democracia dos Estados nacionais, quando esse é um problema central dela. Ou ela se democratiza, ou está perdida.
CM - Em sua opinião, países podem deixar o bloco ou, pelo menos, o euro?
Del Roio - É possível. Quem estiver de acordo com o eixo central, formado por Alemanha e França, fica. Quem se revoltar, sairá. O problema é que a França não está imune à crise, nem economicamente e nem socialmente. Após o massacre contra os italianos, chegará a vez dos franceses. Isso pode gerar grandes transformações na Europa, porque a Alemanha, a meu ver, tem outra perspectiva estratégica em vista, que seria uma parceria com a Rússia. Desde antes de ser formada, em 1870, a Alemanha olhava para o leste, onde estão grande parte das reservas energéticas mundiais. Se a União Européia balançar, um eixo entre Alemanha e Rússia poderia se fortalecer.
CM - O senhor foi senador no Parlamento italiano. Pensa em se candidatar novamente?
Del Roio - Não penso em voltar. A vida parlamentar me incomodava muito. Você passa 4/5 do seu tempo discutindo minúcias, se deve ou não deve cobrar pelo uso dos banheiros da rodoviária. Eu gosto de discutir estratégias, de discutir se a rodoviária cumpre seu papel no sistema de transportes.
Leia mais
Em 2006, recém eleito senador, Del Roio concedia entrevista à Carta Maior
Fotos: Gilberto Maringoni/Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário
comentários sujeitos a moderação.