Agora que o lançamento do livro “Privataria Tucana” reacendeu o debate sobre as privatizações e trouxe como personagem principal da trama o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio Oliveira, é hora de juntar este assunto com outro, também do momento, que foi o anúncio, pelo atual presidente da Vale, de vender os meganavios encomendados por seu antecessor, Roger Agnelli, no exterior.
Murilo Ferreira disse que a Vale não quer ser uma grande operadora de frete e, certamente, não podia dar outros sinais depois que o primeiro meganavio recebido pela empresa, o Vale Brasil, teve atracação recusada em portos chineses e acabou fazendo meia-volta e descarregando na Itália e o segundo, o Vale Beijing, quase naufragou por rachaduras nos tanques de lastro ao ser carregado para sua primeira viagem comercial.
E falou em desfazer-se dos navios, o que vai ser uma operação complicada e, certamente, carregada de prejuízos.
O comércio de minério de ferro, pelo volume e tonelagem que ele implica, sempre foi muito dependente do transporte.
Saltando a etapa mina-porto – onde a estrada de Ferro Vitória-Minas marca a mais que centenária importância da ferrovia no setor, o transporte marítimo sempre se conformou pelos objetivos estratégicos de nossa exportação. No final dos anos 50, o Japão renascente da 2ª Guerra Mundial era o alvo e um projeto ambicioso começou a ser traçado. De lá, importamos um estaleiro – o Ishikawajima, então um dos maiores do mundo – e para lá começamos a nos preparar para mandar minério, com a criação da Docenave – a frota mercante da Vale – em 1962 e o com a construção do primeiro porto para meganavios, o de Tubarão, em Vitória, casado com uma usina de produção de pellets (pelotas de ferro, com maior quantidade de minério por volume) e uma siderúrgica, a CST.
Nossa frota cresceu rapidamente: de 1,5 milhão de toneladas de porte bruto em 1970 para 8 milhões em 1986. Neste total estavam incluídos os, então, dois dos maiores navios mineraleiros do mundo, o Docefjord e o Tijuca, de 300 mil toneladas de porte bruto, e construídos no Brasil.
A segunda metade dos asnos 80 e a década de 90 marcaram a estagnação, quando não o retrocesso, desta atividade. Durante praticamente toda a década de 90 e nos dois primeiros anos do novo século, o preço do minério também se manteve baixo – depois de chegar a US$ 15 por tonelada, só em 2004 voltou a alcançar este preço.
Ainda assim, a frota da Docenave dava lucro. Em 2001 e 2002, seus últimos anos de operação plena, antes do desmonte levado a cabo por Roger Agnelli, este andava na casa de US$ 30 milhões.
Mas o furor vendedor dos dirigentes, agora privados, da Vale não considerou um processo de reengenharia e modernização da Docenave. Passou, sim, e rapidamente, nos cobres. Por pouco mais de US$ 130 milhões, entregaram-se 14 navios e 20 anos de experiência neste ramo naval. Se houve maracutaia? Sabe-se apenas que o mercado de armadores é pródigo em negócios estranhos à honestidade e à ética.
Embora pareça – e seja – pouco dinheiro por tantos navios, é bom lembrar que, na época, isso equivalia à receita de 10 milhões de toneladas de minério de ferro. Hoje, porém, nem mesmo um décimo disso.
Só que o preço do minério subiu, dobrou de valor entre 2004 e 2006 e em janeiro de 2008 havia dobrado outra vez, chegando a US$ 60 dólares por tonelada. A sede chinesa por minério parecia não ter limites e a Vale só não vendia mais por falta de navios para embarcá-lo.
E aí o açodamento de Agnelli foi na direção oposta: correr com encomendas enormes, de navios gigantes, para carregar para a China o máximo que pudesse e o mais rápido que pudesse o minério cujo preço disparava.
A contrário de Juscelino, que trouxera o Ishikawajima do Japão para produzir navios para levarem ferro ao Japão, a visão de operador de caixa de Agnelli impediu-o de fazer o mesmo com a China e, desta vez, nós é que fomos fazer lá os navios. O argumento? O preço dos estaleiros asiáticos e a rapidez com que poderiam entregar uma frota de imensas naves.
O barato está, como se sabe, saindo caro aos acionistas da Vale, dos quais o Governo é o maior. Nem os chineses querem que a Vale domine o transporte de minério, nem os navios tiveram uma estréia auspiciosa.
Os chineses não teriam resistido a uma negociação que envolvesse a expansão para cá de seu parque de estaleiros e arregalariam os olhinhos puxados com a possibilidade de, além dos granéis secos, produzirem os petroleiros que precisam para levar para lá a parte exportável do pré-sal.
Tenham ou não existido desvios neste vende-compra de navios, houve um imenso prejuízo à empresa e ao país.
Por: Fernando Brito
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