O “pensamento único” é como um vampiro. A gente acha que ele morreu num filme. Mas ele renasce em outro, mais desempenado e arrogante do que nunca. No caso em pauta, ele sucumbiu na América Latina, mas vem mostrando toda a sua garra – e as garras também – na Europa.
Flávio Aguiar
Lembram do “pensamento único”, dos tempos de FHC, Menem et alii? Acharam que ele estava morto? Mas o “pensamento único” é como um vampiro. A gente acha que ele morreu num filme. Mas ele renasce em outro, mais desempenado e arrogante do que nunca.
No caso em pauta, ele sucumbiu na América Latina, mas vem mostrando toda a sua garra – e as garras também – na Europa.
O seu novo empreendimento – e comentaristas ortodoxos já se aprestam a tanto – é desacreditar o programa de François Hollande (v., p. ex. “How Long Will Hollande’s Party Go On”, por Wolfgang Kaden).
Tais vozes apontam-lhe a falácia da pretensão de promover o crescimento econômico com o concomitante crescimento do endividamento público.
O vocabulário é o de sempre: higienista e desqualificador. O programa de Hollande estaria “infectado” pelas idéias de Lord Keynes – nessa altura mais odiado do que Marx. Representaria um recuo de 40 anos no tempo. Seria a prova de que Hollande e os que pensam como ele “não aprenderam nada” com a presente crise.
Além do acréscimo nas despesas públicas, o que mais exaspera esse pensamento é a possibilidade de que, se a ótica de Hollande prevalecesse, o Banco Central Europeu mudaria de natureza. Passaria a promover o crescimento, coisa indesejável, porque ele teria de se comportar como um verdadeiro banco, lançando letras, captando fundos, e assim estaria concorrendo deslealmente com a banca privada, que continua sendo a menina dos olhos e o menino prodígio dos planos de austeridade, que visam promove-la a “reguladora” dos “novos” estados nacionais que devem emergir dessa crise.
Para esse pensamento, quais são os males a combater? Salários altos demais, que promovem pensões altas demais, tornam países pouco competitivos, diminuição das horas trabahadas, aposentadorias precoces, além do ensinamento maléfico, que viria das atitudes promovidas “pela agenda esquerdista clássica”, qual seja, a de que se pode viver acima dos próprios meios. E isso vale para trabalhadores e para países igualmente.
Enquanto isso, sem falar nos gordos bônus dos altos exectuivos do sistema financeiro, o Banco Central Europeu distribuiu 200 bilhões de euros para governos endividados – para que eles possam continuar a honrar seus compromissos com a banca privada – e repassou 1 trilhão diretamente a essa banca, para que ela possa continuar a promover os ganhos especulativos de que está acostumada a viver.
Agora, que o BCE passe a captar fundos para promover o crescimento, isso é inusportável para esse tipo de pensamento. E ele nem de longe consegue cogitar que tenha algo a ver com o que está acontecendo no mundo real: a catástrofe espanhola, o drama português, a tragicomédia britânica, o crescimento da extrema-direita na França, a tragédia grega, as crises na Holanda e na Romênia, o caldo de cultura favorável à xenofobia na Europa – com o caso dramático da Noruega, por exemplo.
Como se tudo isso não bastasse, Hollande fala em rever o pacto fiscal europeu – esse mesmo que está levando a Europa à inanição recessiva e boa parte do mundo com ela. Portanto, de tudo isso, só se pode tirar uma conclusão: está na hora de Angela Merkel disciplinar Hollande, ou pelo menos mostrar a ele quem é que manda.
Tão enraizado é esse “pensamento único”, que mesmo dirigentes do SPD alemão (não todos) vêm chamando as idéias de Hollande de “ingênuas”.
Essa arrogância não tem cura. Ela não cogita a partir do real, mas somente a partir da fantasia de suas premissas modelares.
Como nos filmes de vampiro, o único remédio para ela é uma estaca no coração. Política, é claro. Não estamos falando de apologia da violência. Isso é coisa da direita, inclusive de sua vanguarda “moderna”: o “pensamento único” que, para preservar os próprios anéis, não hesita em cortar os dedos, as mãos e os sonhos... dos outros.
No caso em pauta, ele sucumbiu na América Latina, mas vem mostrando toda a sua garra – e as garras também – na Europa.
O seu novo empreendimento – e comentaristas ortodoxos já se aprestam a tanto – é desacreditar o programa de François Hollande (v., p. ex. “How Long Will Hollande’s Party Go On”, por Wolfgang Kaden).
Tais vozes apontam-lhe a falácia da pretensão de promover o crescimento econômico com o concomitante crescimento do endividamento público.
O vocabulário é o de sempre: higienista e desqualificador. O programa de Hollande estaria “infectado” pelas idéias de Lord Keynes – nessa altura mais odiado do que Marx. Representaria um recuo de 40 anos no tempo. Seria a prova de que Hollande e os que pensam como ele “não aprenderam nada” com a presente crise.
Além do acréscimo nas despesas públicas, o que mais exaspera esse pensamento é a possibilidade de que, se a ótica de Hollande prevalecesse, o Banco Central Europeu mudaria de natureza. Passaria a promover o crescimento, coisa indesejável, porque ele teria de se comportar como um verdadeiro banco, lançando letras, captando fundos, e assim estaria concorrendo deslealmente com a banca privada, que continua sendo a menina dos olhos e o menino prodígio dos planos de austeridade, que visam promove-la a “reguladora” dos “novos” estados nacionais que devem emergir dessa crise.
Para esse pensamento, quais são os males a combater? Salários altos demais, que promovem pensões altas demais, tornam países pouco competitivos, diminuição das horas trabahadas, aposentadorias precoces, além do ensinamento maléfico, que viria das atitudes promovidas “pela agenda esquerdista clássica”, qual seja, a de que se pode viver acima dos próprios meios. E isso vale para trabalhadores e para países igualmente.
Enquanto isso, sem falar nos gordos bônus dos altos exectuivos do sistema financeiro, o Banco Central Europeu distribuiu 200 bilhões de euros para governos endividados – para que eles possam continuar a honrar seus compromissos com a banca privada – e repassou 1 trilhão diretamente a essa banca, para que ela possa continuar a promover os ganhos especulativos de que está acostumada a viver.
Agora, que o BCE passe a captar fundos para promover o crescimento, isso é inusportável para esse tipo de pensamento. E ele nem de longe consegue cogitar que tenha algo a ver com o que está acontecendo no mundo real: a catástrofe espanhola, o drama português, a tragicomédia britânica, o crescimento da extrema-direita na França, a tragédia grega, as crises na Holanda e na Romênia, o caldo de cultura favorável à xenofobia na Europa – com o caso dramático da Noruega, por exemplo.
Como se tudo isso não bastasse, Hollande fala em rever o pacto fiscal europeu – esse mesmo que está levando a Europa à inanição recessiva e boa parte do mundo com ela. Portanto, de tudo isso, só se pode tirar uma conclusão: está na hora de Angela Merkel disciplinar Hollande, ou pelo menos mostrar a ele quem é que manda.
Tão enraizado é esse “pensamento único”, que mesmo dirigentes do SPD alemão (não todos) vêm chamando as idéias de Hollande de “ingênuas”.
Essa arrogância não tem cura. Ela não cogita a partir do real, mas somente a partir da fantasia de suas premissas modelares.
Como nos filmes de vampiro, o único remédio para ela é uma estaca no coração. Política, é claro. Não estamos falando de apologia da violência. Isso é coisa da direita, inclusive de sua vanguarda “moderna”: o “pensamento único” que, para preservar os próprios anéis, não hesita em cortar os dedos, as mãos e os sonhos... dos outros.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
A extrema-direita vai subindo ano após ano os degraus do poder e poucos são os países que estão a salvo da influência que o partido de ultradireita francês Frente Nacional exerce desde a década de 80: França, Itália, Inglaterra, Bélgica, Grécia, Holanda, Hungria, Suécia, Dinamarca, Finlândia, a bandeira ultradireitista recorre como uma doença incurável as democracias europeias. A extrema direita francesa fez escola em quase toda a União Europeia. O artigo é de Eduardo Febbro.
Eduardo Febbro - De Paris
Paris - O último filho nasceu na Grécia. A extrema direita, abraçada na crise que flagela este país há três anos, volta ao primeiro plano 38 anos depois da queda da ditadura dos coronéis (1967-1974). O Partido LAOS e o Aurora Dourada (Chrissi Avigi) somam mais de 8% de intenções de voto para as próximas eleições legislativas de seis de maio. Não é uma exceção na Europa. A ultradireita vai subindo ano após ano os degraus do poder e poucos são os países que estão a salvo da influência que o partido de ultradireita francês Frente Nacional exerce desde a década de 80: França, Itália, Inglaterra, Bélgica, Grécia, Holanda, Hungria, Suécia, Dinamarca, Finlândia, a bandeira ultradireitista recorre como uma doença incurável as democracias europeias.
A extrema direita francesa fez escola em quase toda a União Europeia. O partido ultradireitista Frente Nacional surgiu na França a partir dos anos 80, justamente depois da eleição do socialista François Mitterrand à presidência da República (maio de 1981). O FN já existia, mas sua participação era secreta. As táticas eleitorais de Mitterrand destinadas a debilitar a direita clássica foram um dos fatores que levaram a ultradireita francesa a se converter, com o passar dos anos, em um partido poderoso, capaz de perturbar o equilíbrio político clássico e contaminar com suas ideias todos os debates, da esquerda à direita.
Três décadas mais tarde, o Frente Nacional, agora dirigido pela filha de seu fundador, Marine Le Pen, obteve o maior resultado eleitoralde sua história: quase 18% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais do dia 22 de abril passado. A ultradireita xenófoba e populista é um míssil político tóxico com suficiente força como para desfazer maiorias, precipitar a queda de governos e conseguir que suas ideias impregnem a ação política dos partidos conservadores. A extrema direita tem, de fato, duas fases históricas; a que vai de 1945 ao ano 2000, onde o antissemitismo foi norma, e a que se inicia com o século XXI, onde a islamofobia é o atrativo das urnas.
Depois da França, o segundo marco da ultradireita teve lugar na Áustria, entre os anos 80 e 2000. O FPÖ, Partido Austríaco da Liberdade, fundado no começo dos anos 50 pela ala nacionalista e populista da extrema direita, é ainda um dos mais sólidos da União Europeia. O FPÖ teve sua hora de glória na década de 80, quando formou uma coalizão governamental com os socialdemocratas do SPÖ. Depois, sob a influência de seu carismático líder, Jörg Haider, a ultradireita nacionalista austríaca regressou ao poder em 1999 após obter 27% dos votos nas eleições legislativas desse ano.
Playboy e negacionista, Haider prosseguiu a obra de Jean Marie Le Pen, o fundador do Frente Nacional Francês. Transcorreu um quarto de século e a ultradireita é agora um movimento normalizado, admitido e legitimado. Esta corrente mudou suas ideias e passou de um antissemitismo secular à islamofobia delirante e à crítica violenta contra Bruxelas. O exemplo mais moderno e devastador desta reencarnação é o líder populista holandês Geert Wilders e o Partido pela Liberdade, PVV. Desde as eleições de 2010, onde obteve 24% dos votos, o PVV é um aliado da coalizão de direita-conservadora que governou a Holanda até que o próprio Wilders fizesse balançar os alicerces do primeiro-ministro Mark Rutte forçando eleições antecipadas. Um desacordo no seio da coalizão sobre os planos de austeridade demonstrou a capacidade destrutora da ultradireita. Wilders é um islamófobo notório, defensor do fechamento por completo as fronteiras à imigração. Em 2008 o chefe do PVV assinou um panfleto infecto contra o Islã e em seguida realizou um documentário, Ftina (A Discórdia), no qual combinou imagens dos versos do Corão com atentados terroristas.
Nos países escandinavos, o retrocesso dos partidos socialdemocratas deu lugar ao surgimento de partidos de ultradireita. Muitos destes passaram da marginalidade a formar alianças de governo. Esse é o caso da Dinamarca entre 2009 e 2011: em 2009, na Noruega, o Partido do Progresso alcançou 22% dos votos nas eleições: na Finlândia, a coalizão formada pela esquerda e a direita impediu in extremis que o Partido dos Verdadeiros Finlandeses integrasse o governo logo que, após as eleições legislativas de 2011, esta agrupação da extrema direita obtivera 19% dos votos e passara a ser a terceira força política do país: na Suécia, a extrema direita do partido Democratas da Suécia levou 5,8% dos votos nas eleições legislativas e entrou pela primeira vez no Parlamento.
A Itália é uma exceção. Tem uma ovelha negra, a regionalista e fascistóide, Liga do Norte, de Umberto Bossi, mas o movimento ultra mais poderoso que existia sofreu uma transformação inédita até hoje. O neofascista Movimento Sociale Italiano, de Gianfranco Fini, se transformou, a partir de 1994, em um sólido partido de direita, a Alianza Nazionale. Essa transmutação foi muito além do mero nome: Fini, que depois formou aliança com Silvio Berlusconi, condenou o antissemitismo, reconheceu como válidos os valores da Resistência e os termos da Constituição. Entretanto, em dezembro passado, um militante do movimento de extrema direita italiano CasaPound, assassinou dois imigrantes senegaleses.
Na Hungria, as milícias do partido neofascista Gobi, "A Guarda Húngara”, praticam com toda impunidade sua brincadeira predileta: sair à caça dos ciganos, muito numerosos no nordeste do país.
Uma depois da outra, em maior ou menor medida, as sociedades do Velho Continente sucumbem ao canto da sereia do ultradireitismo. A receita do êxito é sempre a mesma: a globalização e suas inúmeras e reais consequências, entre elas as deslocalizações, o desemprego, a imigração, a chama do confronto do “povo” contra as elites “corruptas”, a ameaça do Islã e a identidade nacional em perigo pelo multiculturalismo.
Dominique Reynié, autor do ensaio “Populismes”, destaca o duplo impulso dos valores que a extrema direita apregoa hoje: “por um lado está a proteção dos chamados interesses materiais, ou seja, o nível de vida ou do emprego, e, pelo outro, o patrimônio imaterial, a reivindicação de determinado estilo de vida ameaçado pela imigração e a globalização”. A força da extrema direita consiste em apresentar-se como uma resposta “anti-sistema” frente a uma arquitetura formada pelas elites corrompidas e “ofuscadas” pela globalização e o multiculturalismo. O partido de ultradireita britânico British National Party se nutre desse discurso. Os ultranacionalistas e ultradireitistas do partido Vlaams Belang conseguiram pesar de maneira decisiva no tabuleiro político com uma linha política similar.
Este coquetel de discursos remete diretamente aos anos da Alemanha Nazista. Hitler havia irrompido com um acerbo ataque às elites industriais e bancárias, além de seu criminoso e exterminador discurso sobre a pureza da raça. A repercussão deste discurso sobre as construções políticas dos países é considerável. A partir de 14 ou 15% de votos obtidos pela extrema direita, os partidos conservadores tradicionais caem na tentação de imitar seus princípios. A mutação é assim considerável e o transtorno dos valores termina em uma grande confusão da qual sai sempre o mesmo ganhador: a ultradireita.
As eleições presidenciais francesas são um exemplo espetacular dessa corrida protagonizada pelos conservadores liberais para subtrair à extrema direita seu saldo eleitoral. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, saiu em busca dos votos que lhe faltavam para ser reeleito com um argumentário digno da mais pura extrema direita: logo após perder o primeiro turno, Sarkozy considerou, entre outras delicadezas, que Marine Le Pen era “compatível com a República”.
O caso grego mostra até o absurdo como a crise apaga a memória. Dos dois partidos de extrema direita, LAOS e Aurora Dourada (Chrissi Avigi), o primeiro passou a formar parte da coalizão governamental criada no ano passado em meio à crise. O segundo, Chrissi Avigi, está se convertendo em um ator importante. O Chrissi Avigi é um partido pró-nazista, cujo emblema se parece com uma suástica. A recuperação do medo ao Islã, a agressão verbal contra os imigrados são hoje, nas sociedades europeias, uma das sementes mais frutíferas da conquista do poder.
Tradução: Libório Junior
A extrema direita francesa fez escola em quase toda a União Europeia. O partido ultradireitista Frente Nacional surgiu na França a partir dos anos 80, justamente depois da eleição do socialista François Mitterrand à presidência da República (maio de 1981). O FN já existia, mas sua participação era secreta. As táticas eleitorais de Mitterrand destinadas a debilitar a direita clássica foram um dos fatores que levaram a ultradireita francesa a se converter, com o passar dos anos, em um partido poderoso, capaz de perturbar o equilíbrio político clássico e contaminar com suas ideias todos os debates, da esquerda à direita.
Três décadas mais tarde, o Frente Nacional, agora dirigido pela filha de seu fundador, Marine Le Pen, obteve o maior resultado eleitoralde sua história: quase 18% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais do dia 22 de abril passado. A ultradireita xenófoba e populista é um míssil político tóxico com suficiente força como para desfazer maiorias, precipitar a queda de governos e conseguir que suas ideias impregnem a ação política dos partidos conservadores. A extrema direita tem, de fato, duas fases históricas; a que vai de 1945 ao ano 2000, onde o antissemitismo foi norma, e a que se inicia com o século XXI, onde a islamofobia é o atrativo das urnas.
Depois da França, o segundo marco da ultradireita teve lugar na Áustria, entre os anos 80 e 2000. O FPÖ, Partido Austríaco da Liberdade, fundado no começo dos anos 50 pela ala nacionalista e populista da extrema direita, é ainda um dos mais sólidos da União Europeia. O FPÖ teve sua hora de glória na década de 80, quando formou uma coalizão governamental com os socialdemocratas do SPÖ. Depois, sob a influência de seu carismático líder, Jörg Haider, a ultradireita nacionalista austríaca regressou ao poder em 1999 após obter 27% dos votos nas eleições legislativas desse ano.
Playboy e negacionista, Haider prosseguiu a obra de Jean Marie Le Pen, o fundador do Frente Nacional Francês. Transcorreu um quarto de século e a ultradireita é agora um movimento normalizado, admitido e legitimado. Esta corrente mudou suas ideias e passou de um antissemitismo secular à islamofobia delirante e à crítica violenta contra Bruxelas. O exemplo mais moderno e devastador desta reencarnação é o líder populista holandês Geert Wilders e o Partido pela Liberdade, PVV. Desde as eleições de 2010, onde obteve 24% dos votos, o PVV é um aliado da coalizão de direita-conservadora que governou a Holanda até que o próprio Wilders fizesse balançar os alicerces do primeiro-ministro Mark Rutte forçando eleições antecipadas. Um desacordo no seio da coalizão sobre os planos de austeridade demonstrou a capacidade destrutora da ultradireita. Wilders é um islamófobo notório, defensor do fechamento por completo as fronteiras à imigração. Em 2008 o chefe do PVV assinou um panfleto infecto contra o Islã e em seguida realizou um documentário, Ftina (A Discórdia), no qual combinou imagens dos versos do Corão com atentados terroristas.
Nos países escandinavos, o retrocesso dos partidos socialdemocratas deu lugar ao surgimento de partidos de ultradireita. Muitos destes passaram da marginalidade a formar alianças de governo. Esse é o caso da Dinamarca entre 2009 e 2011: em 2009, na Noruega, o Partido do Progresso alcançou 22% dos votos nas eleições: na Finlândia, a coalizão formada pela esquerda e a direita impediu in extremis que o Partido dos Verdadeiros Finlandeses integrasse o governo logo que, após as eleições legislativas de 2011, esta agrupação da extrema direita obtivera 19% dos votos e passara a ser a terceira força política do país: na Suécia, a extrema direita do partido Democratas da Suécia levou 5,8% dos votos nas eleições legislativas e entrou pela primeira vez no Parlamento.
A Itália é uma exceção. Tem uma ovelha negra, a regionalista e fascistóide, Liga do Norte, de Umberto Bossi, mas o movimento ultra mais poderoso que existia sofreu uma transformação inédita até hoje. O neofascista Movimento Sociale Italiano, de Gianfranco Fini, se transformou, a partir de 1994, em um sólido partido de direita, a Alianza Nazionale. Essa transmutação foi muito além do mero nome: Fini, que depois formou aliança com Silvio Berlusconi, condenou o antissemitismo, reconheceu como válidos os valores da Resistência e os termos da Constituição. Entretanto, em dezembro passado, um militante do movimento de extrema direita italiano CasaPound, assassinou dois imigrantes senegaleses.
Na Hungria, as milícias do partido neofascista Gobi, "A Guarda Húngara”, praticam com toda impunidade sua brincadeira predileta: sair à caça dos ciganos, muito numerosos no nordeste do país.
Uma depois da outra, em maior ou menor medida, as sociedades do Velho Continente sucumbem ao canto da sereia do ultradireitismo. A receita do êxito é sempre a mesma: a globalização e suas inúmeras e reais consequências, entre elas as deslocalizações, o desemprego, a imigração, a chama do confronto do “povo” contra as elites “corruptas”, a ameaça do Islã e a identidade nacional em perigo pelo multiculturalismo.
Dominique Reynié, autor do ensaio “Populismes”, destaca o duplo impulso dos valores que a extrema direita apregoa hoje: “por um lado está a proteção dos chamados interesses materiais, ou seja, o nível de vida ou do emprego, e, pelo outro, o patrimônio imaterial, a reivindicação de determinado estilo de vida ameaçado pela imigração e a globalização”. A força da extrema direita consiste em apresentar-se como uma resposta “anti-sistema” frente a uma arquitetura formada pelas elites corrompidas e “ofuscadas” pela globalização e o multiculturalismo. O partido de ultradireita britânico British National Party se nutre desse discurso. Os ultranacionalistas e ultradireitistas do partido Vlaams Belang conseguiram pesar de maneira decisiva no tabuleiro político com uma linha política similar.
Este coquetel de discursos remete diretamente aos anos da Alemanha Nazista. Hitler havia irrompido com um acerbo ataque às elites industriais e bancárias, além de seu criminoso e exterminador discurso sobre a pureza da raça. A repercussão deste discurso sobre as construções políticas dos países é considerável. A partir de 14 ou 15% de votos obtidos pela extrema direita, os partidos conservadores tradicionais caem na tentação de imitar seus princípios. A mutação é assim considerável e o transtorno dos valores termina em uma grande confusão da qual sai sempre o mesmo ganhador: a ultradireita.
As eleições presidenciais francesas são um exemplo espetacular dessa corrida protagonizada pelos conservadores liberais para subtrair à extrema direita seu saldo eleitoral. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, saiu em busca dos votos que lhe faltavam para ser reeleito com um argumentário digno da mais pura extrema direita: logo após perder o primeiro turno, Sarkozy considerou, entre outras delicadezas, que Marine Le Pen era “compatível com a República”.
O caso grego mostra até o absurdo como a crise apaga a memória. Dos dois partidos de extrema direita, LAOS e Aurora Dourada (Chrissi Avigi), o primeiro passou a formar parte da coalizão governamental criada no ano passado em meio à crise. O segundo, Chrissi Avigi, está se convertendo em um ator importante. O Chrissi Avigi é um partido pró-nazista, cujo emblema se parece com uma suástica. A recuperação do medo ao Islã, a agressão verbal contra os imigrados são hoje, nas sociedades europeias, uma das sementes mais frutíferas da conquista do poder.
Tradução: Libório Junior
Fotos: Manifestação da Aurora Dourada, partido de extrema-direita da Grécia
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