Por Alberto Dines em 02/08/2012
Fazer justiça, ajuizar, é escolher, refletir. Ponderar equivale a julgar, razão pela qual decisões judiciais exigem ritos e revestem-se de solenidade para alongar o ato de cogitar e deliberar.
O início do julgamento dos réus do escândalo do mensalão, ao contrário, foi perigosamente eletrificado. O justificado receio de manobras protelatórias e procrastinações maliciosas empurrou a mídia informativa para uma tensão incompatível com o caráter paradigmático do caso. O país está pendurado num pêndulo existencial, e isto não é um Big Brother.
O julgamento dos mensaleiros pode reverter a tradicional complacência da sociedade brasileira com a corrupção, com a ilicitude, e estabelecer novos padrões de exigência em matéria moral. A intensa dramatização midiática justifica-se como recurso para chamar a atenção dos segmentos da população enfiados nos diferentes grotões, imunes ao debate político, mesmo exaltado.
A veemência, em compensação, pode reverter e se transformar numa irreprimível modorra tão logo o espetáculo judicial caia na rotina. O que fatalmente acontecerá.
O mensalão, tal como aconteceu com outros episódios da nossa história recente (inclusive a derrubada do presidente Fernando Collor de Melo), inicia-se com um curto-circuito na ética jornalística. O ex-presidente da República caiu porque Veja publicou uma vigorosa denúncia, sem provas, veiculada pelo irmão, Pedro Collor, conhecido pelo desequilíbrio psíquico. A doidice, felizmente, só continha verdades.
O mensalão é um clássico do “jornalismo fiteiro”, aquela modalidade de reportagem terceirizada em que uma fita (em vídeo ou sonora), obtida clandestinamente por arapongas profissionais, é jogada no colo de um jornalista que a reproduz – e endossa – sem qualquer verificação.
Tentações em conta
O flagrante da entrega de 3 mil reais a um alto funcionário dos Correios, Maurício Marinho, representante do PTB na empresa estatal, foi publicado na Veja no sábado, 14 de maio de 2005. Reprisado no dia seguinte pelo Fantástico tornou-se ícone da corrupção.
O PTB, integrante da base de sustentação do primeiro governo Lula, foi imediatamente empurrado para o banco dos réus da CPI dos Correios. Menos de dois meses depois (em 6/7/2005), o presidente do partido, deputado Roberto Jefferson, concedeu uma entrevista-bomba à repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, e abria-se o caminho para a CPI do Mensalão.
Entrevista clássica, sem anonimatos, transformou uma propina de 3 mil reais embolsados por um funcionário no maior escândalo político da história do país, com revelações sobre centenas de milhões de reais transitando pelos porões de agências de publicidade, bancos e Câmara dos Deputados.
Uma fita clandestina – xaveco jornalístico – revelou como funcionam as bases de sustentação política dos governos brasileiros. Uma entrevista rigorosamente canônica escancarou a promiscuidade e a devassidão nos altos escalões do poder.
Ao cobrir o julgamento do mensalão – talvez o julgamento do século – a mídia precisa levar em conta as tentações bipolares do processo jornalístico: armar um circo judicial ou ajudar o cidadão acabrunhado a confiar na Justiça.
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