Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O levante da ralé paulistana




O cinturão-vermelho de São Paulo é um fenômeno geopolítico incômodo para certa elite de uma cidade que abriga os maiores contrastes sociais do país, pois representa o reduto eleitoral do partido preferido pela população mais pobre, a população da periferia.
O mapa eleitoral da capital paulista é azul-tucano no centro e vermelho-petista ao redor – daí a expressão “cinturão-vermelho”. Com efeito, as regiões melhor atendidas pelo governo local votam nele e as mais desassistidas votam na oposição.
Quem não conhece São Paulo, deve ficar intrigado. Será que há muito mais ricos do que pobres na cidade, para que os votos dos ricos superem os dos pobres eleição após eleição?
Não é assim. Quem vier a esta cidade em um fim de semana, sobretudo em um domingo, notará que o centro expandido, nesses dias, fica quase vazio, enquanto que a periferia abunda de gente.
Ora, mas se é assim por que a periferia sempre teve tanta dificuldade em dar votação majoritária ao PT?
Há vários fatores que geraram esse fenômeno – até há pouco. Por exemplo, a população da periferia é de origem majoritária do Norte e Nordeste e o fato doloroso é que boa parte dessa população veio para cá e não transferiu títulos de eleitor, além de não dar bola para política.
Além disso, a pobreza, a miséria e a má formação educacional propiciaram aos políticos conservadores enganarem essa população da periferia, levando boa parte dela – ainda que minoritária – a votar nos candidatos que, eleitos, governariam para os mais ricos.
Eis que, assim, a elite articulada das regiões centrais sempre fez a festa e elegeu quem entendeu que iria administrar para si.
Por conta disso, os candidatos dos mais ricos sempre levaram a melhor na capital paulista após a volta das eleições para prefeito nas capitais, em 1985. São Paulo elegeu Jânio Quadros, Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra e Gilberto Kassab contra, apenas, Luiza Erundina e Marta Suplicy.
Note-se que, sempre no pós-redemocratização, governos de esquerda só tiveram um mandato cada, enquanto que governos de direita tiveram dois –  à exceção de Jânio, que só teve um. Foram, pois, cinco governos conservadores contra dois progressistas.
Em 2004, quando o conservador da vez derrotou a progressista que governava havia só quatro anos, o Brasil apenas ensaiava o progresso social que marcaria o país na primeira década do século XXI.
Marta vinha fazendo um governo de forte inclusão social. Para financiar esses programas voltados para a população mais pobre, no entanto, teve que taxar os mais ricos, pois a cidade estava falida após a passagem do furacão Maluf-Pitta.
E não é que a direita rica e minoritária, valendo-se da ojeriza da elite a pagar impostos, conseguiu dividir a imensa maioria pobre de forma a induzi-la a votar em Serra, eleito para reverter o investimento no social de Marta na periferia, direcionando os recursos para os bairros mais abastados?
O resultado desse erro foi catastrófico, mas não só para a periferia. A desatenção ao social fez da cidade um caos. Hoje, inclusive nas regiões que se beneficiam de governos conservadores, a situação ficou insustentável. São Paulo virou um inferno na Terra. Para todos, ricos e pobres.
Todavia, apesar do baixíssimo investimento no social e do abandono da Educação pública por Serra-Kassab, a evolução do Brasil e programas federais como o Prouni elevaram o nível de consciência da população jovem do cinturão-vermelho.
Essa juventude pobre, mas que estuda e vai adquirindo consciência social, está fazendo a população que vivia alienada tirar títulos de eleitor e votar direito.
Com o avanço social extremo que o Brasil experimentou nos últimos anos, portanto, os mais pobres também de São Paulo começaram a almejar um governo voltado para as regiões mais desassistidas da cidade.
O fenômeno Celso Russomano decorreu desse processo de percepção pelos paulistanos mais pobres de que o PSDB e o DEM (ou PSD) não governam para si e de que é preciso eleger um prefeito que o faça.
Essa massa pobre de São Paulo que vem melhorando seu padrão intelectual – vale repetir – agora passa a liderar a massa ainda absorta na ignorância e a induzi-la a votar em causa própria.
Aí a explicação para um fenômeno que está deixando a direita midiática boquiaberta. Esta, achava que continuava tudo dominado. Seria um passeio dividir de novo a periferia, ainda que a maioria dela votasse no PT. E o julgamento do mensalão facilitaria ainda mais as coisas…
Com os votos da parte minoritária e idiotizada da periferia unidos aos votos massivos dos bairros “nobres” – nos quais políticos como Serra chegam a ter 90% de preferência –, a direita continuaria no poder para manter ricos e pobres onde sempre estiveram.
A pesquisa Ibope sobre a eleição em São Paulo divulgada ontem, no entanto, mostra que a ralé paulistana acordou para o fato de que eleger políticos como Serra é uma sentença de morte para quem está confinado a bairros periféricos que lembram países miseráveis da África.
Observação: para quem ainda não sabe – se é que isso é possível –, na última pesquisa Ibope Fernando Haddad disparou, abrindo 16 pontos de vantagem sobre Serra. E a grande maioria dos seus votos vem da periferia.
Esse fenômeno não deveria ser uma surpresa, apesar de ser. Afinal, a história mostra que, em algum momento, todas as populações pobres pisoteadas pelas elites acabam adquirindo consciência política e passam a votar em causa própria.
A eleição de 2012 em São Paulo, assim, vai unindo a maior metrópole do país a ele como um todo. Pelo visto, os desassistidos daqui entenderam que mesmo que o PT não seja o ideal é o único partido que os pobres têm para melhorar suas vidas.
Antes tarde do que nunca.


Como Serra perdeu o debate – e a eleição

Quem esperava que do debate ontem na Band entre os candidatos a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad e José Serra, decorresse algum fato espetacular capaz de mudar os rumos da eleição, por certo não está atento ao processo político que se desenrola na cidade.
Em um embate de idéias em que o tempo entre perguntas e respostas é tão curto e no qual não há como aferir as afirmações de parte a parte, incluindo números que ninguém teria como checar na hora e que tampouco alguém checará depois, o que pesa é o que as palavras não dizem.
Haddad e Serra, pois, esgrimiram dados que se anularam, e os dois candidatos equivaleram-se em mise en scène, trocando ironias e frases de efeito em igualdade de condições, sobretudo de desempenho.
O que é, então, que o eleitor pôde extrair de um embate direto entre dois contendores que têm produzido discussões tão ácidas? A resposta é: impressões subjetivas. O que sejam, conclusões que se tiram da forma como cada contendor se insere no contexto da disputa.
Se eu tivesse que escolher uma frase para definir a postura de Serra não só no debate, mas na campanha inteira e em sua propaganda eleitoral, diria que quero viver na São Paulo que o tucano pinta.
Mais cedo, horas antes do debate, assisti aos programas eleitorais dos dois candidatos. Já ali, chamou-me a atenção o que, horas mais tarde, continuaria chamando.
Na propaganda de Serra, vejo, entre outras fantasias, um vagão de metrô vazio, com a usuária, representada por uma mulher negra e de aparência humilde naquele mesmo vagão vazio – igualzinho ao que o paulistano se acostumou a andar, sabe, leitor? – dizendo maravilhas sobre “trens com ar-condicionado”…
Poderia citar muito mais de irreal nas palavras e nas propagandas de Serra, mas basta essa imagem para que se possa avaliar o grande erro que o derrotou no debate em questão.
Não foram as perguntas, respostas ou ironias que o petista esgrimiu tanto quanto o adversário que fizeram diferença, mas a completa ausência de entendimento de Serra sobre o sentimento de São Paulo quanto à gestão de seu pupilo, o prefeito Gilberto Kassab.
Nesse aspecto, Haddad ajudou, sim, Serra a perder o debate ao ironizar afirmação dele de que o adversário estaria se preocupando excessivamente com o prefeito paulistano, sugerindo, inclusive, que estaria se preocupando ao ponto da “obsessão”.
A resposta de Haddad foi fenomenal. Disse que, ainda que o adversário parecesse não conseguir entender, ele citava Kassab a todo momento simplesmente porque se trata do PREFEITO DE SÃO PAULO (grifo do candidato do PT).
E Haddad disse mais: que queria viver no “mundo maravilhoso” que Serra pinta, como se saúde, educação, transporte, tudo estivesse uma maravilha em uma cidade em que cerca de setenta por cento da população afirmou, em pesquisa recente, que deseja “mudança de rumo”.
Serra é um profissional da política. É claro que não passou recibo – a cara-de-pau é sua grande característica. Mas Haddad, por sua vez, não se abalou: manteve-se sereno, usou as palavras com eficiência e proficiência invejáveis e soube equilibrar as ironias do adversário com as próprias.
O fato, porém, é que Serra não disse nada ao eleitor que ele já não saiba – mensalão, taxa do lixo e todo um rosário de acusações de cunho pessoal.
As pesquisas – inclusive aquela que o Datafolha adiou a divulgação para não “contaminar” o debate – mostram que o eleitor paulistano não está se sensibilizando com essas acusações. Tanto no Ibope divulgado anteontem quanto no Datafolha não divulgado ontem, o petista tem vinte pontos de vantagem sobre o tucano.
Haddad ainda atendeu a sentimento do eleitorado que pesquisas de seu partido apontam, de que está cansado de brigas e acusações e quer saber como cada postulante pretende resolver tantos problemas.
Haddad marcou um tento ao sugerir a Serra um pacto para que ambos passem os últimos dias da campanha discutindo propostas em vez de trocarem ataques. Serra tentou inverter os fatos dizendo que o petista é que estaria baixando o nível, mas a memória de Malafaia ainda está fresca na mente do eleitor…
Ah, você acha que estou torcendo? As pesquisas mostram que não. Serra despencou por conta dos ataques pessoais, do mantra sobre mensalão, tudo isso enquanto fala sobre a gestão Kassab como se a maioria que o rejeita fosse composta de idiotas.
Quem rejeita a administração kassabiana por certo se sentiu insultado.
Serra, com sua alienação sobre o sentimento do paulistano quanto à sua cidade, perdeu o debate e, no entender deste blogueiro, com a reafirmação dessa postura naquele mesmo debate, e usando uma arrogância revoltante, também perdeu a eleição.


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