Dalmo Dallari: “A última palavra cabe ao Parlamento”
por Karine Melo
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A fase de fixação de penas dos réus condenados durante o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), está levando a uma discussão polêmica nos corredores da Câmara Federal sobre o futuro do mandato dos deputados considerados culpados.
A polêmica surgiu porque em julho, ao protocolar as alegações finais do processo no STF, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que é “relevante a aplicação da pena de perda de cargo, função pública ou mandato eletivo” como um dos efeitos da decisão da Suprema Corte.
Para o jurista e professor da Universidade de São Paulo Dalmo Dallari, uma determinação do Supremo nesse sentido seria inconstitucional. “Se o Supremo fizesse isso, criaria um embaraço jurídico extremo”, avaliou. Dallari explicou à Agência Brasil que, nesse caso, o Supremo pode apenas comunicar ao Parlamento que entende que a condenação é caso de cassação de mandato. “A Constituição assegura que a última palavra é do Parlamento, qualquer decisão contrária a isso caberia recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos”, disse.
O Inciso 6º do Artigo 55 da Constituição Federal, que fala da perda de mandato de deputado ou senador, diz que fica sem o mandado o parlamentar “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. Porém, o Parágrafo 2º do mesmo artigo diz que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
Três deputados federais, João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto ( PR-SP), foram condenados pelo STF, mas ainda aguardam a definição das penas. Na Câmara, a polêmica também envolve o ex-presidente do PT José Genoíno (SP). Como suplente, o petista deve assumir em janeiro a vaga do deputado Carlinhos Almeida ( PT-SP), que foi eleito prefeito de São José dos Campos. Genoíno já teve a pena fixada em seis anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha. Segundo a assessoria da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, até hoje a Casa não teve nenhum caso de perda de mandato por motivo de sentença transitada em julgado.
Depois que o Supremo concluir o julgamento e comunicar a decisão à Câmara, o processo que pode levar à cassação desses deputados deve ser longo. Primeiro, o presidente da Casa, deputado Marco Maia ( PT-RS), pode pedir que o corregedor se pronuncie sobre o assunto. A corregedoria, então, ouve a defesa dos deputados condenados e leva o caso para análise dos sete membros da Mesa Diretora da Câmara, que decidem se oferecem representação para perda de mandato à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Se na CCJ os deputados decidirem pela abertura de processo de cassação, a palavra final é do plenário. “Nada impede também que, depois de terminado o julgamento, qualquer partido político entre com pedido de cassação de mandato junto à Mesa Diretora”, explicou o chefe da assessoria jurídica da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, Fábio Ramos.
Questionado sobre uma possível cassação dos colegas condenados, o presidente da Câmara, Marco Maia, já disse que não existe a possibilidade de o STF interferir nesse assunto. Maia tem dito também que quer esperar a conclusão do julgamento “até para ver se haverá equilíbrio entre as penas”, mas em todas as vezes que falou do assunto adiantou que vai cumprir integralmente a Constituição.
“A lei é muito clara, eles [os ministros do Supremo] mandam para cá e quem vai decidir se cassa ou não é o conjunto de deputados. O PT vai defender esses deputados aqui, não há dúvida em relação à defesa do mandato desses companheiros”, garantiu o líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP).
A incerteza sobre o futuro dos deputados condenados incomoda o PSOL. “Para nós, é um constrangimento muito grande ver deputados condenados exercendo o mandato”, disse o líder do partido na Câmara, deputado Ivan Valente (SP). Mesmo reconhecendo que não há disposição entre a maioria dos líderes partidários para votar a proposta de emenda constitucional que acaba com o voto secreto em casos de cassação de mandato, Valente diz que a prioridade do partido é acelerar essa discussão no plenário. “Sem o voto aberto, vamos continuar tendo casos desse tipo”, disse.
O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL) disse à Agência Brasil que o partido ainda não conversou sobre a situação do deputado Pedro Henry. Ele destacou o fato de o colega não ter renunciado e ter sido eleito para mais dois mandatos depois das denúncias. “De qualquer forma, esse é um assunto que extrapola os partidos e cabe à Mesa Diretora da Casa, mas nem a pena foi definida pelo Supremo. Vamos esperar, acrescentou.
A Agência Brasil tentou contato com o líder do PR, deputado Lincoln Portela (MG), mas não conseguiu falar. A assessoria informou que o parlamentar está no interior do estado.
Também procurada pela reportagem, a liderança do PSDB na câmara não quis comentar o assunto.
Edição: Graça Adjuto//Matéria alterada no quinto parágrafo. A pena do ex-presidente do PT José Genoíno é seis anos e 11 meses e não sete anos e 11 meses.
Mauricio Dias: Há cem dias, Gurgel guarda um processo que ameaça Roseana Sarney
Há cem dias, Gurgel guarda um processo que ameaça Roseana Sarney. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Gurgel acuado
por Mauricio Dias, em CartaCapital
É sinal positivo o clamor da oposição, em coro com trêfegos parlamentares da base governista, contra o texto do deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da CPMI sobre as atividades criminosas e as afinidades eletivas do bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Cunha incomodou muita gente e contrariou variados interesses. Não se sabe se o relatório conseguirá cruzar a tempestade provocada pelos contrariados e chegar a porto seguro. Na partida, se assemelha a um barquinho navegando sob bombardeio. E pode afundar antes de ancorar.
Notadamente, o relatório pode desestabilizar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.Gurgel é peixe graúdo. A contrariedade da mídia, com a inclusão do nome dele na lista de Cunha, comprova. Ele tornou-se um procurador heterodoxo. Virou peça do jogo político de curto e de longo prazo. Em linhas gerais, passou a atuar afinado com a oposição a Dilma, a colaborar com o esforço de neutralização de Lula e, por fim, mas não menos importante, a agir com o objetivo de encerrar o ciclo do PT no poder.
Caso aprovado, o relatório de Cunha pode abalar Gurgel e, inclusive, interferir na própria sucessão dele, na PGR, em julho de 2013.Roberto Gurgel é acusado por crimes constitucional, legal e funcional. A aprovação do relatório, nesse ponto, levará a questão à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, competente para processar o procurador-geral por crime de responsabilidade.
No STF, Gurgel seria julgado por improbidade administrativa e por prevaricação.O procurador-geral foi fisgado porque manteve engavetadas as denúncias da Operação Vegas. Assim atraiu a suspeita de ter sido conivente com as atividades criminosas de Cachoeira, apuradas pela Polícia Federal. Ele alegou à CPI que tinha detectado somente desvios no “campo ético”, insuficientes para abrir ação penal.
Gurgel, no entanto, mantém outros problemas na gaveta. Há quase cem dias guarda o processo enviado ao Ministério Público, no qual a governadora Roseana Sarney (MA) é acusada de assinar convênios com as prefeituras, no valor aproximado de 1 bilhão de reais. Cabe a ele dar um parecer que pode levar Roseana a perder o mandato.
Há quem veja nessa morosidade um conluio entre o senador Sarney, pai da governadora, e Gurgel. Sustentam essa hipótese renitentes coincidências. José Arantes, assessor parlamentar do procurador-geral foi assessor parlamentar de Sarney na Presidência da República. Seria apenas um detalhe curioso?
Mas há problemas concretos. Um deles, já denunciado nesta coluna, levou o presidente da Câmara quase à exasperação. Na terça-feira 20, o deputado Marco Maia criticou pública e duramente o Senado pela morosidade em votar a indicação do professor Luiz Moreira, já aprovada pelos deputados, para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM).
Seria “morosidade gurgeliana”? Ou seja, a indicação estaria bloqueada por Sarney em favor de Gurgel? Gurgel teria bloqueado o processo de Roseana em favor de Sarney? Finalmente, haveria nessa história uma vergonhosa troca de favores?
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