Se foi jogo combinado ou não, ninguém sabe. Mas o fato é que, nesta sexta, Folha, Globo e Estado publicam editoriais condenando o pronunciamento da presidente Dilma na última quarta-feira sobre a redução das tarifas. Segundo os jornalões, Dilma fez seu primeiro ato de campanha. Os corvos vestiram a carapuça?
247 - Jogo combinado? No mesmo dia, os três principais jornais do País, Globo, Folha e Estado de S. Paulo, publicaram editoriais condenando a postura da presidente Dilma no pronunciamento da última quarta-feira, quando ela anunciou, em rede nacional de rádio e televisão, a redução nas contas de luz – o que, segundo os jornais, seria uma espécie de populismo elétrico. Será que os corvos vestiram a carapuça?
Leia, abaixo, as três manifestações dos jornalões:
O GLOBO - 25/01
A redução das tarifas é bem-vinda porque aumentará a competitividade do país, e não fazia sentido o consumidor arcar com tantos encargos
A redução do custo da energia elétrica, especialmente para o setor produtivo, é bem-vinda, pois a população como um todo se beneficiará à medida que as empresas ganhem mais competitividade. Não faz sentido que esse custo tenha permanecido entre os mais elevados do mundo, tendo o Brasil uma matriz de base hídrica, renovável, e com manutenção relativamente barata.
O consumidor brasileiro de energia elétrica financiou por décadas vários programas, sejam sociais ou relacionados a novos investimentos do setor. Estava mais que na hora de reduzir esses encargos.
O que não é correto é o governo ter transformado a questão da energia, tão séria e delicada para o país, em tema de exploração política. Desde as eleições gerais de 2002, ocorre esse tipo de exploração, pois o PT fez do racionamento um dos seus principais cavalos de batalha, atribuindo à administração Fernando Henrique Cardoso inteira responsabilidade pelo que tinha acontecido (embora a mobilização da sociedade para evitar consequências mais drásticas de uma eventual escassez de energia elétrica possa ser apontada como uma das inciativas mais positivas do governo FH ao fim de seu mandato).
Agora, o governo Dilma esteve próximo de provar do mesmo veneno. O lado negativo de ser uma matriz calcada em base hídrica é que, se das chuvas não veem nas quantidade, nos lugares certos e no tempo usualmente esperado, o sistema começa a entrar em risco. Para que se possa reduzir esse risco, mas sem anulá-lo completamente, o país deve ter também uma parte de sua matriz em base térmica, que pode ser acionada independentemente do regime de chuvas.
No entanto, o acionamento dessa base térmica aumenta o custo da geração de energia elétrica. Diante do nível ainda baixo dos reservatórios das hidrelétricas, é natural que hoje se trabalhe com projeções do custo de energia que incorporem a possibilidade de uso mais prolongado das usinas térmicas. Isso talvez possa frustrar, em parte, o anúncio da redução das tarifas de energia feito com toda a pompa antes de iniciado, meses atrás, o chamado período úmido. Como em janeiro as chuvas caíram em volume suficiente para elevar o nível dos reservatórios — porém não a ponto de afastar completamente a necessidade de uso prolongado das térmicas —, a presidente Dilma se sentiu encorajada a voltar à exploração política da questão da energia, antecipando a redução de tarifas prometida ao consumidor, e acusando de pessimistas e alarmistas — em um tom apelativo, beirando o sentimento de patriotismo a que governos autoritários militares recorriam com frequência — aqueles que revelam preocupação, não infundada, com o setor.
A redução dos custo da energia é mérito do governo Dilma. E é demérito continuar explorando politicamente a questão, que não se equaciona com bravatas nem com injeções sem fim de dinheiro do Tesouro.
O ESTADO DE S. PAULO - 25/01
A presidente Dilma Rousseff acaba de fazer o seu primeiro comício para a reeleição. Ao anunciar em cadeia nacional de rádio e TV, na quarta-feira, a entrada em vigor, no dia seguinte (e não mais em 5 de fevereiro), da redução das tarifas de energia elétrica, maior do que a antecipada - 18%, em vez de 16,2%, para os consumidores residenciais e 32%, em vez de 28%, para a indústria -, discursou como se estivesse em um palanque. A sua fala até que foi breve (8 minutos), mas suficiente para cobrir de lantejoulas as supostas realizações de seu governo, que estariam deixando "para trás" os seus críticos, carimbados rombudamente como "aqueles que são sempre do contra". Lembrou, na ênfase, nas alegações e no descaso com a realidade, o seu patrono Luiz Inácio Lula da Silva: por pouco não se saiu literalmente com um "nunca antes na história deste nosso país". Ficou no "hoje podemos ver como erraram feio os que não acreditaram que era possível crescer e distribuir renda", e na apoteose de um Brasil "cada vez maior e imune a ser atingido por previsões alarmistas", tanto que "nos últimos anos o time vencedor tem sido dos que têm fé e apostam no País". O microfone, assim como o papel, aceita tudo.
Alheia ao pibinho de 2012 e à comparação desfavorável com as taxas de crescimento das economias emergentes, também torceu os fatos sem enrubescer, ao assegurar que "estamos ampliando investimentos na infraestrutura" - cujo montante caiu mais de 20% nos dois últimos anos.
Fez de conta que a ampliação do sistema energético não padece de atrasos perigosos e deficiências cruciais, e minimizou o significado da decisão de recorrer intensivamente à eletricidade de origem térmica, mais cara e poluente, para reduzir o risco de "apagões". Não fosse a quase estagnação da economia, a oferta de energia dificilmente daria conta da demanda. Por outro lado, cumprir a promessa de não sangrar o Tesouro para compensar a redução das contas de luz equivalerá à proverbial quadratura do círculo. Sem falar nos prejuízos causados ao setor elétrico pela medida provisória, sancionada no último dia 14, que autorizou a renovação dos contratos de geração de energia em vias de se esgotar para as empresas que concordassem em baixar as suas tarifas. A Cemig e a Cesp não aceitaram, sobrando para o erário bancar a bondade para os consumidores de Minas Gerais e São Paulo.
Deixando patente o caráter eleitoral do seu show televisivo, Dilma se referiu à questão de forma a deixar mal os governos tucanos desses Estados. "Espero que, em breve, até mesmo aqueles que foram contrá- rios à redução da tarifa venham a concordar com o que estou dizendo", fingiu exortar, com ar superior.
Dilma, efetivamente, está cheia de si. Há pouco, segundo o repórter Raymundo Costa, do Valor, disse com todas as letras a um interlocutor: "Meu mandato é de oito anos".
Ele teria ficado perplexo com a determinação da presidente. Com isso, Dilma deixou escancarado o seu confronto com o PT - recentemente vencido por ela - sobre a sucessão de 2014. À medida que foram se acumulando as suas não realizações, embora ainda não tenham afetado os seus índices de aprovação, que se sustêm no binômio emprego-renda, a eventualidade de uma nova candidatura Lula começou a ganhar corpo no partido. Nos últimos tempos, não foram só empresários os queixosos que procuraram o ex-presidente. Companheiros fizeram o mesmo, decerto na expectativa de animá-lo a substituir Dilma, que eles ainda mal consideram "uma de nós", na próxima disputa pelo Planalto.
Sem se tornar, ao que se sabe, um movimento estruturado, a versão contemporânea do "queremismo" pró-Vargas de 1945 ganhou espaço político a ponto de induzir o próprio Lula a se pronunciar a respeito. Fez isso, dias atrás, por intermédio de três colaboradores próximos, aben- çoando a reeleição de Dilma. A rigor, quando ela falou em oito anos, deveria acrescentar "com uma elei- ção no meio". Mas a mensagem que buscava transmitir era a da legitimidade de suas aspirações ao segundo mandato, reconhecidas ao que tudo indica.
O ano terá de ser de muitos fracassos para que ressurja entre os petistas o "Volta, Lula".
FOLHA DE SP - 25/01
Reduções nas tarifas de energia são importantes para o crescimento; permanecem obscuros detalhes sobre como serão bancados os descontos
Com indisfarçável tom eleitoral, a presidente Dilma Rousseff anunciou anteontem, em cadeia nacional de rádio e televisão, que os cortes nas contas de luz serão maiores do que o prometido pelo governo no ano passado.
A redução na tarifa de energia elétrica das residências será de 18%, e o desconto para indústria, comércio, serviços e agricultura poderá chegar a 32%. Antes, estimavam-se índices de 16,2% e 28%. As novas taxas, que deveriam entrar em vigor no dia 5 de fevereiro, passaram a valer a partir de ontem.
Não há dúvidas quanto aos benefícios que essa medida poderá trazer à economia do país. Para além do alívio no bolso de cada cidadão, diminuir o preço da energia é um passo importante para restaurar parte da competitividade do setor privado brasileiro.
Permanecem obscuras, porém, questões sobre o custo da iniciativa. O governo federal precisará desembolsar R$ 8,5 bilhões por ano para assegurar os descontos. São recursos que sairão dos cofres públicos, mas ainda não estão claros todos os detalhes sobre como essa compensação será efetuada.
Em certo sentido, pelo menos uma parcela da redução parece alcançada de forma artificial. Melhor seria que o desconto resultasse de ganhos de eficiência, maior competição ou diminuição de tributos.
Durante seu pronunciamento de cerca de oito minutos, Dilma Rousseff não tocou nesses pontos. Preferiu, com um triunfalismo que não encontra respaldo na realidade, ressaltar o que seriam os sucessos de seu governo e criticar, com uma agressividade inusual, os que "são sempre do contra".
Dilma usou a rede nacional para mencionar avanços no combate à miséria e na redução dos juros e para fustigar quem, no começo do ano, apontava riscos de racionamento de luz -como se tal debate fosse inapropriado.
Levando sua retórica ainda mais longe, a presidente atacou até "os que não acreditavam que era possível crescer e distribuir renda" -como se esse discurso, típico dos anos 1970, não tivesse caído em desuso no Brasil já durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Talvez Dilma tenha visto no pronunciamento uma boa ocasião para tentar resgatar a confiança do empresariado nacional, a cada dia mais ressabiado. Meras palavras, porém, não bastam. O governo ainda precisa mostrar ações concretas e planos de longo prazo, uma dívida que a redução na conta de luz não conseguirá pagar sozinha.
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