Da presidente Dilma Rousseff ao ex-presidente Lula, passando por políticos que foram deputados estaduais, federais, homens da Igreja e do sindicalismo, todos contemporâneos do biografado, "Dirceu", de Otávio Cabral, se ressente de ao menos 63 entrevistas para dar equilíbrio ao texto; afinal, quando só se ouve adversários, mesmo que sejam 63 - ou 62, em razão da ausência da citada Monica Bergamo - o retrato sempre sai pior que a encomenda; ou a ideia era mesmo fazer o quanto pior, melhor?
247- Já houve na revista Veja, registrado no editorial batizado de Carta ao Leitor, um jornalista que, para escrever uma reportagem sobre religião, houvesse lido, de ponta a ponta, a Bíblia Sagrada. Foi, ao menos, o que estava garantindo no texto de apresentação da matéria, publicada nos anos 1990. Por sorte, ninguém fez sabatina com o profissional para conferir o que ficou retido em sua memória da leitura integral, repita-se, do texto sagrado. Ufa!
Agora, após 63 entrevistas, outro jornalista de Veja concluiu a biografia não autorizada do ex-ministro José Dirceu. Ou melhor, 62, à medida em que a também jornalista Monica Bergamo levantou a mão, na sua conta do Twitter, para dizer que a história na qual ela foi citada não existiu – e que ela jamais foi ouvida por Otávio Cabral.
A questão é que, entre os 63/62 entrevistados, quando foi mesmo que a presidente Dilma Rousseff, colega de Dirceu no governo Lula, foi ouvida sobre o personagem? E o ex-presidente Lula, chefe dele? Ou os com ele condenados na AP 470 José Genoíno e Delúbio Soares?
A resposta é simples: não foram ouvidos, pelo motivo de que mais uns, e menos outros, são todos próximos a Dirceu e pertencem ao partido que ele ajudou a fundar. Poderiam, afinal, contar histórias positivas sobre ele. Não era o caso.
Num exercício de vinte minutos, 247 listou, além dos quatro personagens acima, outros 59 que igualmente conviveram com Dirceu nas últimas três décadas, desde que ele se elegeu deputado estadual em São Paulo, mas não foram ouvidos para o livro. Gente como o ex-deputado Geraldo Siqueira Filho, eleito como Dirceu, no início dos anos 1980, para Assembleia Legislativa do Estado, pela ponta esquerda do eleitorado. Ou o atual prefeito Fernando Haddad, que foi ministro na mesma equipe do biografado.
No campo pessoal, nada foi agendado com Zeca Dirceu, filho de Dirceu, ou com suas ex-esposas Clara Becker e Maria Angela Zaragoza, que teriam, certamente, muito a contribuir para o perfil mais íntimo do personagem.
Não importa, como se vê, o número de entrevistados para a feitura de uma boa biografia. É mais importante a qualidade. E pelo critério do autor, como é típico da revista Veja, mais importante ainda foi ouvir adversários de Dirceu, e não pessoas que pudessem contar o outro lado de cada história. Pelo desvio no nascedouro, o livro chega aos leitores com defeitos de origem que o recomendam mais como um petardo contra o biografado do que como um trabalho equilibrado de encontrar uma verdade em meio a uma apuração – e não partir de uma certeza para justificá-la com histórias e frases escolhidas, como foi feito.
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