A entrega da análise das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff para o ministro do STF e do TSE Gilmar Mendes acaba de ganhar um novo – e interessante – capítulo. O blogueiro Ricardo Noblat entregou a estratégia da Globo para legitimar o golpe que se desenha contra a presidente no Tribunal encarregado de arbitrar processos eleitorais no Brasil
Antes de comentá-lo, porém, façamos uma revisão dos fatos que desencadearam esse estarrecedor episódio no TSE, que pode terminar em golpe “branco”.
Começando pelo começo (first things first). O ministro que deveria analisar a prestação de contas da campanha da presidente da República à reeleição seria Henrique Neves, mas seu mandato venceu durante a estadia dela na Austrália para participar da reunião do G20.
Eis que o presidente do TSE, José Antonio Dias Toffoli, escolhe única e especificamente o processo da petista para analisar em meio a dezenas e o entrega, em um “sorteio” considerado esquisito, a um dos mais notórios inimigos do PT no país, ao ministro do STF Gilmar Mendes.
O PT e setores da imprensa ficam surpresos. Foi criada uma situação inaceitável para o partido por conta da mais do que conhecida indisposição de Mendes em relação ao PT.
O mais irônico em tudo isso é que o autor dessa situação foi ninguém mais, ninguém menos do que aquele que a grande mídia acusou de tudo ao ser indicado para o STF, em 2009, pelo então presidente Lula, e que, em 2012, foi colocado sob suspeição para participar do julgamento do mensalão por sua trajetória ligada ao PT.
As críticas da mídia a Toffoli, entre 2009 e 2012, deixam bem claro que ela não considera… Ou melhor, não considerava que um ministro do STF não está acima de suspeitas ao julgar políticos com os quais tem ligação ou divergência. Guarde esta informação, leitor, porque precisaremos dela mais adiante.
Manchetes (linkadas) da grande imprensa em 2009 que você lerá abaixo dão uma boa ideia do clima que cercou a indicação de Toffoli por Lula para o STF naquele ano.
Leia abaixo, por ordem cronológica, as manchetes do período supracitado.
Blog do Reinaldo Azevedo – 06/09/2009
É o currículo que diz quem é Tóffoli, não eu
O Estado de São Paulo – 18/09/2009
Indicado de Lula ao STF, Toffoli é condenado pela Justiça do AP
Consultor Jurídico – 19/09/2009
Passagem pela AGU é principal trunfo de Toffoli para o STF
Folha de São Paulo – 19/09/2009
Gilmar Mendes diz que críticas sobre Toffoli refletem prática antiga do PT – 19/09/2009
G1 – 21/09/2009
Após indicação, Toffoli altera currículo na web
UOL – 23/10/2009
Sob polêmica, Toffoli toma posse como ministro do Supremo Tribunal Federal
Estadão – 23/10/2009
Toffoli toma posse no STF com Lula e Sarney na plateia
Para resumir para o leitor, a mídia achava que o fato de Toffoli ter advogado para o PT e ter sido Advogado Geral da União no governo Lula o colocava sob suspeição para assumir uma vaga no STF, sobretudo porque dali a dois anos seria julgado o mensalão.
Apesar do esperneio da mídia, Lula indicou Toffoli e, aos poucos, o bombardeio midiático sobre ele foi parando. Contudo, em 2012 a artilharia recomeçou porque era o ano do julgamento do mensalão e a mídia queria que todos os ministros indicados por Lula participassem, menos Toffoli.
DEM e PSDB chegaram a pedir ao procurador-geral da República de então, Roberto Gurgel, que desse parecer contrário à participação de Toffoli no Julgamento. Contudo, nem a mídia nem os partidos de oposição – agora, a Dilma – consideravam que o fato de Gilmar Mendes também ter sido Advogado Geral da União do governo Fernando Henrique Cardoso também o colocava sob suspeição, até por conta de seus constantes ataques verbais e públicos ao PT.
Por conta disso, vale reproduzir uma amostra de mais uma leva de manchetes anti-Toffoli que a mídia despejou sobre o país.
Veja – 19/03/2012
Como sua mulher foi advogada de mensaleiros, o ministro Toffoli está moralmente impedido de julgar o mensalão
O Globo – 21/06/2012
Gurgel ainda examina se vai pedir que Toffoli não julgue o mensalão
Estadão – 30/07/2012
Com apoio de Lula e aval de colegas do STF, Toffoli vai julgar mensalão
A suspeição sobre Toffoli não era só da mídia. A oposição estava com os cabelos em pé, com medo de o ex-advogado-geral da União de Lula amaciar para os “mensaleiros”, mas quanto ao ex-advogado-geral da União de FHC, Gilmar Mendes, não havia problema, claro…
Nesse aspecto, discurso do oposicionista Pedro Taques (PDT-MS) da tribuna do Senado pedindo impedimento de Toffoli dá uma ideia do clima que se estabeleceu contra o ministro do STF à época.
O blogueiro de O Globo Ricardo Noblat, como sói acontecer sempre com funcionários da família Marinho, para variar também ficou contra o PT e arguiu a suspeição de Toffoli.
Como se vê, a mídia acreditava furiosamente
em que o fato de ser ministro do STF não bastava como prova
inquestionável de isenção. Apesar disso, Toffoli foi duro com os
“mensaleiros”. Condenou José Genoino e vários outros réus. Só poupou
José Dirceu, assim como o ministro Ricardo Lewandowski, quem pagou preço
até maior do que Toffoli, sendo retratado pela mídia quase que como o
quadragésimo réu do julgamento.
Parece que suspeição contra ministro do STF só vale se for suspeito de poder votar a favor de algum réu, pois, apesar de a ligação de Mendes com o PSDB ser igual à de Toffoli com o PT e de o ministro “tucano” agir de acordo com sua origem política, não está sendo considerado suspeito de tentar prejudicar Dilma por suas preferências ou ódios políticos.
A cereja do bolo vem agora. Um dos maiores inimigos políticos de Toffoli na imprensa durante todo o bombardeio com que ela o fustigou em 2009 e em 2012 chama-se Ricardo Noblat, blogueiro do portal de O Globo. Por conta dessa verdadeira perseguição de Noblat a Toffoli, este adquiriu profunda antipatia por aquele.
O caso (de ódio) entre os dois se intensificou em 2012 nos primeiros dias do julgamento do mensalão. Noblat, como que buscando constranger o ministro enquanto julgava o mensalão, divulgou uma história sobre ele. Abaixo, post do Blog do Noblat de 11 de agosto de 2012.
Blog do Noblat
11/08/2012
Dias Tóffoli, ministro do STF, me agride com palavrões e baixarias
Acabo de sair de uma festa em
Brasília. Na chegada e na saída cumprimentei José Antônio Dias Tóffoli,
ministro do Supremo Tribunal Federal.
Há pouco, quando passava pelo
portão da casa para pegar meu carro e vir embora, senti-me atraído por
palavrões ditos pelo ministro em voz alta, quase aos berros.
Voltei e fiquei num ponto do terraço da casa de onde dava para ouvir com clareza o que ele dizia.
Tóffoli referia-se a mim.
Reproduzo algumas coisas que ele disse (não necessariamente nessa ordem) e que guardei de memória:
- Esse rapaz é um canalha, um filho da puta.
Repetiu “filho da puta” pelo menos cinco vezes. E foi adiante:
- Ele só fala mal de mim. Quero que ele se foda. Eu me preparei muito mais do que ele para chegar a ministro do Supremo.
Acrescentou:
- Em Marília não é assim.
Foi em Marília, interior de São Paulo, que o ministro nasceu em novembro de 1967.
Por mais de cinco minutos, alternou os insultos que me dirigiu sem saber que eu o escutava:
- Filho da puta, canalha.
Depois disse:
- O Zé Dirceu escreve no blog dele. Pois outro dia, esse canalha o criticou. Não gostei de tê-lo encontrado aqui. Não gostei.
Arrematou:
- Chupa! Minha pica é doce. Ele que chupe minha pica.
De um, de outro ou de ambos.
Porém, como dizem, nada como um dia depois do outro e uma noite no meio. A mídia mudou em relação a Toffoli por uma razão inaudita: por ele desmenti-la.
Possivelmente, a mídia nunca gostou tanto de ter errado. Seu ex-suspeito, ao que tudo indica converteu-se em aliado e perdeu os defeitos. E Gilmar, por ser inimigo do PT em vez de amigo, não merece suspeição, que, ao ver da mídia, para ministro do STF só vale se for suspeição de ajudar petistas.
Confira, abaixo, como Noblat, em post de quarta-feira (19), mudou em relação a Toffoli e em relação a suspeição de ministros do STF em casos em que tenham relação (de amor ou ódio) com os que irão julgar.
Blog do Noblat
19/11/2014
Com medo de que haja irregularidades nas contas de campanha de Dilma, PT inventa o fantasma do golpe
Ricardo Noblat
Ora, ora!
Petistas de muitas estrelas estão
desesperados com a escolha do ministro Gilmar Mendes para relator das
contas de campanha da presidente Dilma Rousseff.
Escolha, não, que ninguém escolheu Gilmar. Ele foi sorteado.
O Ministério Público Eleitoral,
se fazendo de braço armado da Advocacia Geral da União e do PT, está
tentando impugnar a indicação de Gilmar.
O que alega?
O processo relativo às contas da
campanha de Dilma estava nas mãos do ministro Henrique Neves, do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No último dia 13, o mandato de
Henrique terminou. Com bastante antecedência, o ministro Dias Tóffoli,
presidente do TSE, havia encaminhado a Dilma uma lista tríplice com
nomes de possíveis substitutos de Henrique.
Um dos nomes da lista foi o do próprio Henrique, que poderia ser reconduzido.
Como Dilma nada respondeu, e sem
poder contar mais com Henrique, Tófolli acionou o sistema eletrônico do
TSE, que sorteou o nome de Gilmar para relator das contas.
O Ministério Público Eleitoral
entende que, em caso de vacância do ministro efetivo, o encaminhamento
dos processos que estavam com ele deverá ser feito para o ministro
substituto da mesma classe. No caso, da classe de Henrique.
Tecnicalidade. Que de nada vale.
Muito menos quando o ministro sorteado para relatar um processo é
titular do Supremo Tribunal Federal. Como Gilmar é.
O PT acionou sua rede de
blogueiros chapa branca para disseminar nas redes sociais o fantasma de
um golpe planejado por Tóffoli para que as contas da campanha de Dilma
sejam rejeitadas. Assim ela não poderia ser diplomada no próximo dia 18.
Tóffoli foi advogado do PT,
assessor de José Dirceu na Casa Civil da presidência da República,
Advogado Geral da União do governo do PT e é ministro do STF por escolha
de Lula. Por que ele conspiraria contra Dilma? Não tem cabimento.
Para liquidar de vez o assunto: a
pedido de Tóffoli, antes do fim do mandato de Henrique, Gilmar
telefonou para José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça.
Lembrou que o mandato de Henrique
estava por terminar. Falou sobre o processo das contas de Dilma. E
sugeriu que Henrique fosse reconduzido ao cargo para poder relatá-las.
Não se sabe se Cardoso tratou do assunto com Dilma. Sabe-se que nada aconteceu.
Se as contas de Dilma estão em
ordem por que o medo do PT e do Ministério Público Eleitoral de que elas
sejam relatadas por Gilmar?
Como relator, Gilmar só tem o próprio voto. Que será submetido ao exame dos demais ministros do TSE.
A teoria do golpe tem a ver com o
medo do PT de que haja irregularidades nas contas de Dilma. E de que
Gilmar as aponte. Tenta-se constranger o ministro. É isso.
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