Durante a cerimônia de posse de Dilma no Palácio do Planalto este blogueiro teve chance de conversar com personalidades da política que confirmaram que, ao menos no discurso, a presidente pode ter se convencido de que regular a mídia pode até não vir a ajudá-la em seu mandato, mas pode dar ao país, no futuro, uma comunicação mais plural e democrática.
Qualquer projeto que consiga avançar nesse sentido, de acordo com os planos do governo, não iria vigorar no mandato da atual presidente. E, mesmo que isso fosse possível, os efeitos dessa regulação ainda iriam demorar anos e anos para se fazer notar.
Por exemplo, a produção regional de conteúdo. Mesmo sendo viabilizada legalmente, ainda dependeria de tempo e investimentos para, um dia, fazer frente à produção dos grandes grupos de mídia.
Em tese, porém, o plano em questão pode funcionar – desde que, é claro, não tenha sido anunciado (extraoficialmente) com vistas, apenas, a acalmar a militância de esquerda, cada vez mais impaciente diante das concessões que um governo de coalizão tem que fazer para conseguir funcionar minimamente, o que é difícil explicar a movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda que têm sua própria agenda.
E essa impaciência não se resume mais, apenas, a partidos como o PSOL e congêneres, ou ao MST, ou à CUT, entre outros. Altos escalões do próprio PT dizem que já não dá mais para o governo ficar nas cordas desse jeito diante de uma mídia que já provou que pode até não estar conseguindo vencer eleições, mas que consegue travar o governo e até sabotar a economia.
Infelizmente, a perda de paciência da esquerda com a situação e a crença em que Dilma só não regula a mídia porque não quer tem muito mais de wishful thinking do que de visão realista dos fatos.
Para que se entenda o poder da mídia, basta comparar o escândalo dos trens de São Paulo com o da Petrobrás. Basicamente, são iguais. Cartel aqui (em SP), cartel lá (em nível federal). Porém, um escândalo (o de SP) é tratado burocraticamente pela mídia, com matérias esparsas, pouquíssima opinião crítica, enfim, de forma despolitizada, enquanto que o caso Petrobrás é alçado ao ponto que todos têm visto.
A artilharia incessante contra a Petrobrás, que já dura quase meio ano e é disparada 24 horas por dia, 7 dias por semana, bem como o terrorismo econômico, estão afundando a economia. Claro que há problemas nas contas públicas, mas eles decorrem muito mais do bombardeio do que de problemas reais.
As dificuldades nas contas públicas poderiam ser contornadas, mas, aí, a mídia produz um fenômeno conhecido, o da profecia autorrealizável. Qual seja: se se consegue espalhar boato de que um banco vai quebrar ele pode acabar quebrando mesmo, pois os clientes, temerosos, começam a sacar seus recursos, aprofundando uma crise pequena ou até criando uma que não existia antes do boato.
Nesse contexto, falar em regulação da mídia soa um tanto quanto irreal. Porém, o governo tem um plano. Ou diz que tem.
Basicamente, seria envolver a sociedade civil com a proposta de regulação ECONÔMICA da mídia. Note bem, leitor, que não existe plano do governo para regular conteúdo, como acontece na Inglaterra, na França, enfim, em vários países que permitem à sociedade cobrar a mídia através de órgãos governamentais e para-governamentais que captam as queixas da sociedade e cobram e até punem os veículos denunciados.
Os órgãos que regulam conteúdo, nos países desenvolvidos, funcionam como aquelas seções dos jornais que publicam queixas dos consumidores contra empresas. Divulgam essas queixas e as empresas que prejudicam consumidores são obrigadas a responder e até a reparar danos. O que, aliás, funciona, apesar de que para muito pouca gente.
Mas não se pensa em ir tão longe, neste momento. Não somos um país de Primeiro Mundo, a sociedade não tem a dimensão do quanto pode ser maléfico que poucas mãos controlem grupos imensos de mídia, com poder para derrubar ministros etc., e que podem vender suas preferências políticas a partidos ou a caciques políticos.
O que se planeja é uma regulação econômica da mídia, ou seja, tratar a comunicação como qualquer outro setor da economia, impedindo a formação de oligopólios (controle de poucos sobre um segmento de mercado). Nesse aspecto, poderia se estender ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) a tarefa de impedir oligopólios no setor de comunicação assim como o órgão faz em qualquer outro setor da economia.
Mas como, se metade dos parlamentares do Congresso Nacional detém propriedade de meios de comunicação eletrônicos, sobretudo rádios e tevês? Como conseguir maioria entre políticos que dependem de controlar meios de comunicação em seus Estados para se manterem politicamente fortes?
O plano do governo é simples: discutir a regulação econômica da mídia com a sociedade em fóruns oficiais criados para esse fim.
Todavia, já houve, no fim do governo Lula, uma Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, da qual este blogueiro participou como delegado por São Paulo. Porém, após dias discutindo a regulação da mídia, aquilo tudo deu em nada. Dilma assumiu em 2011 acreditando que poderia se compor com a mídia e deixou os trabalhos da Confecom engavetados.
Agora, com um ministro das Comunicações entusiasta do tema regulação da mídia, acende-se uma esperança de que alguma coisa possa acontecer. Contudo, no Brasil o poder dos ministros de Estado é superestimado. E ainda mais em um governo como o de Dilma, que centraliza decisões nas mãos da titular.
Mas, claro, com aval da presidente o primeiro passo do plano que o governo alega ter para regular a mídia pode vingar, mas teria que haver uma disposição que não se sabe se haverá.
Como fazer o PMDB apoiar um projeto do governo para regular a mídia se a maioria dos parlamentares do partido detém meios de comunicação? Aliás, essa gente anuncia que não vai apoiar essa regulação.
Dá para fazer sem o PMDB? Não dá. E os partidos que apoiariam, em princípio, são pouquíssimos. PT, PC do B, PSOL e olhe lá. Juntos, não representam nem um quinto do Congresso.
O jeito é colocar a sociedade a favor dessa proposta, explicando-lhe os malefícios de uma mídia oligopolizada, informando-a de que os países mais avançados e democráticos do planeta regulam a mídia.
Porém, se a iniciativa for tímida, com pessoas trancadas em auditórios falando para si mesmas, não vai funcionar. Seria preciso uma grande campanha publicitária, que seria tachada pela mídia como ímpeto censor enquanto haveria uma radicalização midiática ainda maior, com “escandalização” de qualquer denúncia frágil – estamos em um país em que um ministro de Estado quase foi demitido por ter comprado uma tapioca com o cartão corporativo do governo.
Terá o governo Dilma força para levar até o fim esse plano (anunciado) de regulação da mídia? Não cederá quando se multiplicar por dez o bombardeio midiático? Será, então, que esse plano de regulação da mídia é real ou é só uma cortina de fumaça para acalmar a militância de esquerda?
São muitas perguntas e, até aqui, nenhuma resposta concreta. Só o que se pode fazer é confiar no espírito de estadista da presidente Dilma. Estará ela disposta a se sacrificar para dotar o país de uma legislação para a Comunicação à altura de um país como este?
Em teoria, é possível. Dilma não buscará a reeleição. Sabe que no dia 1º de janeiro de 2019 estará fora do poder e, assim, pode decidir comprar essa briga. Porém, neste momento, com a economia tão fragilizada, uma ofensiva maior da mídia pode jogar o país em uma crise econômica brutal que fará a popularidade do governo despencar, pavimentando o caminho da direita em 2018.
Um acordo com a mídia é praticamente impossível. Simplesmente porque, no mínimo, empresas como a Globo, com regulação econômica da atividade Comunicação, terão que parar de crescer exponencialmente. Aliás, terão que parar de crescer de qualquer forma, ainda que o ideal fosse reduzir o tamanho desses conglomerados de mídia, inaceitáveis em qualquer sociedade civilizada.
O mundo desenvolvido já entendeu, há muito, que é nefasto para um país colocar nas mãos de uma única família um poder como o da Globo. Ou melhor, que é nefasto colocar em pouquíssimas mãos o controle quase hegemônico da comunicação. Mas o Brasil ainda não é um país suficientemente educado e civilizado para entender isso. O povo nem pensa sobre tais questões.
Não somos ingleses ou franceses, para o bem e para o mal.
Sob o prisma apresentado, portanto, parece distante a possibilidade de dotar o país de uma legislação avançada nas comunicações quando nem conseguimos aprovar direito de resposta para pessoas físicas e jurídicas que se sintam prejudicadas pelo noticiário ou pela publicidade.
Aliás, o Brasil até tem uma legislação para controlar excessos da mídia quanto à política. Tenho dito que se a legislação eleitoral sobre a mídia funcionasse o tempo todo, o problema estaria resolvido.
Vimos o que aconteceu com a famosa capa da Veja, divulgada a 48 horas da eleição presidencial. A Justiça Eleitoral agiu e a revista teve que publicar direito de resposta do PT e isso influiu na percepção do eleitorado, que intuiu que se a Justiça tinha condenado a Veja alguma coisa que ela fez com aquela capa acusando Dilma e Lula, estava errada.
Enfim, essa é a realidade sobre a questão da regulação da mídia. Qualquer coisa que lhe disseram fora do que vai acima, é balela. Não se pode nutrir tantas esperanças, portanto. Mas esperança existe. Há que ver, primeiro, se Dilma está disposta a comprar a terceira guerra mundial e, segundo, se ela vai conseguir lutar essa guerra. Mesmo querendo.
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