Rodolpho Motta Lima
Zuenir Ventura, em crônica do dia 13.07, sugere que, nos “tempos de leniência moral” em que se vive, talvez estejamos necessitados de um pouco de “udenismo”, o que, para ele, não faria mal a ninguém. Que o Zuenir me perdoe, mas, ainda que o admire e lhe reconheça a intenção, essa é uma declaração pouco feliz.
A história da UDN entre nós não é, como a crônica faz supor, a história do moralismo, mas do “falso moralismo”, aquele que simula um conveniente repúdio às falcatruas dos inimigos políticos, mas que, na mesma medida, “esquece” ações semelhantes, quando não mais danosas, se provenientes dos correligionários. A “eterna vigilância” da UDN – sabem os que viveram aquela época – era, na realidade, o discurso do lobo sob pele do cordeiro. Era uma espécie de combustível que, iludindo a classe média (esse agrupamento social cujos valores fluidos e muitas vezes hipócritas permitem manipulações de todo gênero), ia sedimentando um posicionamento golpista capaz de, em nome da “indignação nacional”, justificar ações políticas antidemocráticas, pondo a nu o espírito golpista da direita de então.
Ficou célebre, na época, a frase do udenista Carlos Lacerda – não por acaso conhecido como “O Corvo” - sobre o então candidato Juscelino Kubitschek, seu desafeto político: "Juscelino não deve ser candidato. Se for, não deve ser eleito. Se for, não deve tomar posse. Se tomar posse, não deve governar, deve ser deposto". Uma pérola democrática, não? Em realidade, ela apenas anunciava o movimento retrógrado que acabaria por gerar, alguns poucos anos depois, com Lacerda e Magalhães Pinto como líderes civis, o golpe militar que viria infelicitar este país por quase duas décadas. O golpe, aliás, tinha outro fortíssimo ator civil, aliado dos udenistas: o governador paulista Adhemar de Barros, que em certa campanha eleitoral cunhou o slogan “Adhemar rouba mas faz” ...
Estou aqui escrevendo esta coluna e lembrando que, quando estudante da Faculdade Nacional de Direito e colega do Eliakim na diretoria do CACO (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), escrevi um artigo para o jornal estudantil “Crítica”, intitulado “O Imperdoável Perdão”, que tratava de um célebre escândalo que ocorreu justamente no governo Carlos Lacerda, em 1961: a redução do então ICM (atual ICMS) sobre as exportações de café e o perdão das multas cujos recursos para sustá-las haviam sido rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal. Uma vergonha, um crime contra os cofres públicos, que bem revela o tipo de moralidade que o udenismo defendia.
Portanto, essa é uma história antiga e que – como história – nos deve ensinar. É claro que nenhum brasileiro sério pode compactuar com os focos de corrupção que – de longa data - marcam o país. Nesse aspecto, minhas palavras se confundem com as do Mair Neto, cujo último artigo (“A Pergunta do El Pais”) convido todos a ler. Mas é imprescindível saber distinguir esse saudável sentimento de repúdio às fraudes e negociatas – feitas à custa do dinheiro público para enriquecer os inimigos do povo - da orquestração conduzida diuturnamente pela grande mídia interessada na permanente desestabilização do governo federal. No velho estilo César Maia (aquele, do DEM e do “Palácio da Música”...), produzem-se ou requentam-se, a partir dessa mídia, ao lado de fatos que efetivamente merecem repulsa, uma saraivada de factóides pautados com a intenção clara de estimular o descrédito no governo Dilma, legitimado em eleições livres e democráticas.
É indiscutível que a imprensa existe para informar e é mais óbvio ainda que deve desfrutar de total liberdade para isso. Mas essa liberdade implica responsabilidade. Não admite miopia, manipulação, comprometimentos, partidarismos. E qualquer cidadão atento percebe que, em nosso país, hoje, temos uma grande imprensa “de uma nota só”, sempre disposta a apostar na ingovernabilidade e a colocar suas fichas a serviço dessa aposta, misturando, a seu bel-prazer, verdades e mentiras, e construindo , a partir de uma estratégia bem nítida, um ambiente fundamentalista que vincula o Governo e suas ações ao Mal, reservando para si mesma e para as oposições o papel de cruzados pelo Bem...
Não importa aos que defendem falsamente essa bandeira que, depois da inverdade divulgada, o verdadeiro se estabeleça: o importante é plantar a semente da perfídia,em um tipo de jornalismo de quinta categoria. Foi assim com o propalado livro didático que “ensinava a falar errado”; foi assim com as “concorrências secretas”; foi assim com o “sigilo perpétuo”; foi assim com a “crise inflacionária”; foi assim e vem sendo assim, enfim, com um sem número de casos que, pautados para que se atirem pedras no Governo, deixam no ar as críticas raivosas que, em péssimo jornalismo, descontextualizam os fatos apresentados, informam com leviandade, evitam o contraditório e, com a maior sem-cerimônia, não reestabelecem a verdade, como o faria o jornalismo honesto.
Não há como alguém considerar-se bem informado por esses arautos do caos, esses profissionais da crise, essas cassandras intelectualmente terroristas, incapazes, no seu maniqueísmo ditado por objetivos políticos, de conceder qualquer crédito a um governo que, diga-se, estabelecido há pouco mais de seis meses, dá sinais de que não quer continuar refém de procedimentos políticos nefastos.
É claro que temos que reagir às ações de corrupção que infelicitam o país. Temos que repudiar esse sistema político de coalisão partidária que, juntando alhos com bugalhos, e em nome da tal “governabilidade”, cria aberrações como o PMDB (partido que não disputa o poder, mas está sempre nele), o PR (com suas negociatas explícitas), o PSD (nem direita, nem centro, nem esquerda, muito pelo contrário). Temos que repudiar “mensalões” (o do PT, mas também o do PSDB mineiro, convenientemente esquecido), compras de votos (as de hoje, se houver, mas também as de ontem, como a que motivou a alteração da Constituição para a reeleição de FHC), negociatas e improbidades em geral com dinheiro público (no Ministério dos Transportes do PR, mas também no DEM de Brasília, que parece sepultado na mídia; ou no “Palácio da Música” do Sr. César Maia; ou na farra das aposentadorias dos Governadores do Paraná; ou na vergonhosa elevação dos salários dos políticos paulistas).
Um jornalismo descomprometido sabe disso tudo, pauta-se por isso. Um jornalismo golpista atende a conveniências partidárias, patronais, ideológicas e trata os fatos com a parcialidade que traz em si o germe antidemocrático. Combatamos a corrupção, onde ela estiver, mas não deixemos que isso se confunda com a falsa bandeira da hipocrisia de plantão.
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