Na última sexta-feira, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores promoveu um “Seminário Nacional por um Novo Marco Regulatório para as Comunicações”, evento que teve como objetivo discutir a adoção pelo país de um arcabouço legal – um conjunto de regras mínimas – ao menos para a comunicação eletrônica, o que há poucos meses parecia impensável que fosse sequer discutido, mas que, agora, vai se mostrando viável discutir e até propor ao Congresso.
No alvorecer de 2011, porém, a presidente Dilma Rousseff assumiu o cargo visivelmente determinada a distender o acirrado clima político que pouco antes produzira uma das campanhas eleitorais mais sujas da história, na qual a própria presidente, então candidata, fora alvo de ataques que, entre outras táticas criminosas, chegaram até a difundir invenções sobre sua sexualidade, além de tal campanha ter levado a Folha de São Paulo, aliada de primeira hora do então candidato José Serra, a publicar em sua primeira página ficha policial falsa da principal adversária dele.
Naquele esforço para promover a distensão e convencida de que a guerra política contra o ex-presidente Lula fora produto de enfrentamento que ele teria aceitado travar, Dilma tentou agradar aos adversários na mídia e na oposição e, além de ter aceitado participar da festa de aniversário do jornal que promoveu contra si aquela que foi uma das jogadas mais sujas da política brasileira neste século, ainda passou a bajular o queridinho daqueles meios de comunicação e líder oficioso da oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dali em diante, Dilma iniciou um périplo pelos meios de comunicação que sem a menor trégua fustigaram seu antecessor e a ela mesma durante a década anterior quase inteira usando acusações de toda natureza, entre as quais uma matéria, publicada no mesmo jornal do qual a presidente prestigiara a festa de aniversário, que acusara Lula de ter tentado estuprar um adolescente quando esteve preso durante o regime militar…
[Para ler matéria do blog antigo sobre ato público que o Movimento dos Sem Mídia promoveu em 4 de dezembro de 2009 diante da Folha de São Paulo em protesto contra a acusação torpe a Lula, clique aqui]
Para mostrar que não queria briga com a mídia, Dilma engavetou o projeto do marco regulatório para a comunicação eletrônica que o ex-ministro da Comunicação Social do governo Lula Franklin Martins deixara pronto para que seu governo enviasse ao Congresso. E para anunciar tal decisão, a presidente passou a declarar, para quem quisesse ouvir, que o único controle sobre a mídia que aceitaria seria “o controle remoto” da televisão.
Não adiantou nada. A tática de Lula de reagir às investidas tucano-midiáticas criticando publicamente o partidarismo político dos grandes meios de comunicação se mostrou bem melhor do que a tática de Dilma de acariciar seus algozes, pois estes, agora tendo um adversário prostrado, acabaram se assenhorando de seu governo de forma a conseguirem demitir um ministro após o outro, além de torpedearem – ou ao menos desfigurarem – políticas públicas a seu bel prazer.
Quanto mais a presidente se encolhia, quanto mais deixava ver que não reagiria aos ataques, mais a mídia se sentia estimulada a atacar. E quando a presidente pareceu se dar conta do que estava acontecendo – quando sobreveio nova tentativa de derrubar um ministro, o do Trabalho, que seria o sexto a cair “por corrupção” – e parou de obedecer aos ditames midiáticos, virou alvo.
Dilma vinha trocando a inércia sobre o marco regulatório das comunicações por não ser incluída nos ataques midiáticos. Quando ficou claro, ao fim do processo que culminou com a demissão do ministro do Esporte, que se ela continuasse demitindo qualquer ministro que a mídia quisesse o processo desembocaria nela mesma, decidiu desobedecer aos adversários.
A “trégua”, então, chegou ao fim. Não tardou e Dilma começou a ser atacada. Só para ficar no passado imediato, durante a semana que finda, além de uma pequena horda de colunistas da mídia tucana, o ex-governador José Serra e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) acusaram a presidente de ser a grande responsável pela “corrupção” em seu governo e passaram a pregar seu impeachment.
E o que parece também ter contribuído para o despertar de Dilma para a realidade foram as marchas contra a corrupção que a mídia convocou por todo o país e que foram estabelecendo ampla conexão com uma estratégia da direita midiática de se assenhorar do governo mantendo-o desmoralizado e fragilizado até a eleição seguinte, caso o cavalo do golpe (condições para pedir impeachment) não passasse selado antes.
O seminário do PT que ocorreu na última sexta-feira, no qual os ex-ministros José Dirceu e Franklin Martins criticaram duramente a mídia e defenderam o marco regulatório das comunicações, não há dúvida de que só ocorreu sob anuência da presidente. O PT, seu presidente, Rui Falcão, e duas das figuras de maior expressão do partido não fariam as declarações que fizeram em desafio a Dilma, ainda mais garantindo que o projeto de lei da mídia chegará ao Congresso no primeiro semestre de 2012 por iniciativa de seu governo.
A esse dado, somou-se outro que mostra que Dilma finalmente entendeu que não basta não querer a guerra porque muitas vezes ela nos caça e encurrala, obrigando-nos a escolher entre lutar ou tombar. Não é nada, não é nada o novo ministro-alvo da mídia oposicionista, Carlos Lupi, vai se segurando no cargo, ou sendo segurado pela presidente, interrompendo um efeito dominó que se abateu sobre os auxiliares dela e que estava desmontando seu governo peça por peça.
Apesar do ano perdido e do prejuízo político imenso que mantém este governo com uma aprovação que pouco ultrapassa os 50% – e que, assim, pode virar desaprovação da maioria se houver qualquer perda de popularidade um pouco maior –, pelo menos Dilma tem três quartos de seu mandato pela frente e pode recuperar o tempo perdido sobretudo na árdua e premente missão de civilizar a selvagem comunicação social que infesta o país.
Tudo isso conduz à reflexão de que é impossível governar países socialmente injustos como o nosso sem contrariar os interesses dos beneficiários da injustiça social porque estes, ao longo da história deste país, fincaram raízes em suas instituições de forma a terem como gerar crises que paralisam o Estado quando este não acede aos seus menores caprichos, o que produz esses pistoleiros insolentes que a mídia paga para insultarem e difamarem seus adversários.
Em seus delírios de poder, os barões da mídia – essa meia dúzia de magnatas que erigiu impérios empresariais às expensas do Erário – talvez tenham abusado do poder que têm – ou que julgam que têm –, porque, se têm como gerar crises políticas, o outro lado tem a caneta presidencial conferida pelos votos dos brasileiros, o que, como mostram países que enfrentaram essa praga, pode pôr fim à lei da selva na comunicação, havendo coragem de usá-la.
A ver.
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