Certos desastres e rupturas históricas renovam os riscos inerentes a um tipo de cegueira gerado pelo excesso de confiança na razão, como já alertaram Adorno e Horkenheim. O comandante Francesco Schettini, do 'Costa da Concórdia', confiou cegamente em instrumentos náuticos, na 6ª feira, 13; levou um transatlântico com 4.200 passageiros rumo a rochas que, nas suas palavras, 'não deveriam estar lá', embora navegasse a 300 metros da costa. Seu companheiro de infortúnio em 1912, Edward Smith, comandante do Titanic, confiou expressamente no progresso da ciência e da tecnologia que prometia um titã à salvo da natureza: uma embarcação esfericamente racional, incapaz de afundar. A soberba levou-o a menosprezar alertas sobre icebergs na rota. O gelo rasgou o aço do colosso que afundou em duas horas e 30 minutos: 1.500 pessoas morreram. A resposta de Ângela Merkel à perda do grau de confiança de nove países do euro, rebaixados por uma agência de risco também na 6ª feira 13, é outro capítulo da blindagem da razão, neste caso, por interesses que querem manter a sociedade na rota dos 'mercados autoreguláveis'. Merkel reagiu ao solavanco da 6ª feira como uma discípula de Schettini e Edward Smith: mandou acelerar as hélices da UE rumo ao pedral ortodoxo, endurecendo a defesa do arrocho fiscal numa Europa abalroada por desemprego crescente e receitas minguantes. No Brasil expoentes conservadores mostraram-se estupefatos em agosto passado, quando o BC alterou a rota dos juros para desviar o país da recessão mundial. Em nome da razão de mercado o coro exortava o BC pela mídia: 'toca em frente; toca em frente!' Nesta 4ª feira acontece a 1ª reunião do Copom em pleno agravamento da crise européia. Mais que nunca, o governo tem legitimidade para proceder a um novo e significativo corte do juro. As pedras estavam lá. A ver.
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