Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sábado, 19 de maio de 2012

O ALGOZ QUER EQUIVALÊNCIA COM AS VÍTIMAS


Nesta terça-feira, dia 22, a Comissão da Anistia julgará um dos casos mais desconcertantes do ciclo da ditadura militar brasileira: o caso do Cabo Anselmo.  José Anselmo dos Santos, um dos  líderes da mobilização dos marinheiros nos anos 60, e depois um traidor convicto, que admite ter sido responsável pela prisão ou morte de cerca de 200 militantes políticos, inclusive a morte da própria companheira, Soledad Viedma  --que entregou ao aparato repressivo, grávida de sete meses, tendo sido executada com mais cinco militantes em Pernambuco, em janeiro de 1973-- agora quer uma reparação do Estado.  Anselmo reivindica o direito à aposentadoria militar pela Marinha. No momento em que o governo instala uma Comissão da Verdade e algumas vozes na mídia --e na própria comissão-- tentam vaporizar a história brasileira, dissolvendo-a em uma fornalha de suposta equivalência entre os dois lados do conflito que marcou a ditadura militar, esse pode ser um julgamento referencial. A Comissão de Anistia tem a responsabilidade de delimitar claramente o campo histórico e dentro dele distinguir as forças que perfilaram como algozes, daquelas que tombaram como vítimas, na resistência à opressão e à injustiça. Órgãos de imprensa que cederam viaturas à repressão nos anos de chumbo ecoam a tese da diluição em causa própria. Infelizmente, não foram os únicos a acolchoar a infra-estrutura dentro da qual gritos foram sufocados, corpos foram moídos e a democracia asfixiada. Em entrevista ao programa Roda-Viva, da TV Cultura, em outubro de 2011, Anselmo afirmou quenão se arrepende de nada. Mas reclamou da situação financeira, só mitigada, disse, pela ajuda que recebe até hoje de um grupo de empresários  --faltou perguntar se é solidariedade espontânea ou compra de silêncio.

“Assusta-me que FHC assuma a bandeira da regulação da mídia”


Em entrevista à Carta Maior, Venício Lima, pesquisador na área da Comunicação, analisa as recentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, favoráveis a regulação dos meios de comunicação. "Isso pode significar que algum tipo de costura de bastidores pode estar sendo feita para que haja alguma coisa que se apresente como regulação e que não chegue nem ao que já está na Constituição há 23 anos. Então, tenho medo disso", afirma.

Brasília - Durante o seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15 pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (FHC), o ex-presidente defendeu a regulação da mídia como condição da democracia . O evento marcou também o lançamento de uma publicação conjunta do iFHC, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática apresentando reflexões e propostas para mudanças na legislação do setor.

As declarações aparentemente inusitadas de FHC - historicamente alinhado aos setores da mídia que abortam qualquer discussão sobre o tema taxando-o como tentativa de censura e ataque a liberdade de imprensa -, entretanto, não surpreendem o professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) Venício de Lima. O pesquisador aponta indícios de mudança na estratégia dos grandes grupos de mídia e teme que eles assumam a bandeira da regulação para fazê-la entre aspas: “Ou seja, muda para não mudar.”

Confira a entrevista.

O senhor se surpreendeu com a posição de Fernando Henrique Cardoso?

Não me surpreende, mas me preocupa. Tenho a impressão de que os setores historicamente avessos até ao debate sobre a questão da regulação estão se apropriando de um certo vocabulário de regulação da mídia, o que não necessariamente significa um avanço democrático. Há várias sinalizações disto.

Quais?

Em 2003, se não me engano, quando o Conselho de Comunicação Social [órgão auxiliar do Congresso previsto no artigo 224 da Constituição] ainda funcionava - porque desde dezembro de 2006 ele não funciona mais - criou-se uma subcomissão para discutir concentração da mídia no Brasil, por iniciativa do à época conselheiro Alberto Dines. Eu fui um dos convidados e apresentei um texto tratando da concentração histórica, não só, mas sobretudo, na radiodifusão do país. A última pessoa convidada foi um filósofo gaúcho chamado Denis Rosenfield, que não é da área, mas é um expoente do pensamento liberal conservador no Brasil. Sua participação foi sugerida e apoiada pelos grandes grupos de mídia que tem representação no Conselho. Ele criticou todas as apresentações anteriores, muito particularmente a minha, reafirmando todas as posições tradicionais dos grandes grupos de mídia, por exemplo, contrário a qualquer tipo de controle da propriedade cruzada dos meios e coisas desse tipo.

Recentemente, este ano, esse mesmo professor publicou um texto, destes que são publicados em vários jornais, defendendo a regulação do setor. Ele comete alguns erros bastante primários, mas pelo fato de ter publicado este texto e de ter defendido há menos de dez anos atrás posições totalmente opostas, passei a suspeitar de que os grandes proprietários da mídia começaram a se apropriar da necessidade de uma certa atualização da regulação, o que me preocupa porque isso pode significar que algum tipo de costura de bastidores pode estar sendo feita para que haja alguma coisa que se apresente como regulação e que não chegue nem ao que já está na Constituição há 23 anos. Então, tenho medo disso. Como acontece no Brasil, na maioria das vezes, as mudanças são para continuar onde estamos.

Há outras sinalizações?
Quando da aprovação da Lei 12.485, no final do ano passado, unificando a regulação da televisão paga, o jornal O Globo fez um editorial falando “precisamos mesmo atualizar a legislação da área e um bom exemplo do que precisa ser feito é essa lei, que foi feita sem contaminação ideológica, sem viés populista”, etc.

Além disso, o professor Bernardo Sorj, que é o representante do Centro Edelstein, que inclusive publica o livro lançado no seminário promovido pelo Instituto FHC, é o organizador de outro livro publicado há uns dois anos pela Paz e Terra, junto com a organização Plataforma Democrática. Esse livro não deixa qualquer dúvida sobre a posição desses centros de estudo sobre as questões que tem sido levantadas em relação aos marcos regulatórios que estão sendo implementados na América Latina. O próprio Bernardo Sorj, em outro texto, defende explicitamente a manutenção da propriedade cruzada dos meios, argumentado que a concentração talvez fosse uma forma de garantir a permanência dos veículos impressos, ameaçados pelas novas tecnologias. Então, fico com pé atrás, a menos que ele tenha mudado de posição.

Ou seja, a mídia tradicional prevê a regulação da comunicação como inevitável no Brasil e se movimenta para garantir uma regulação que lhe seja menos prejudicial?

Seria isso, como acontece com relação à bandeira da liberdade de expressão. Você vê setores que apoiaram o golpe de 1964, que patrocinaram a última expressão institucionalizada da censura no Brasil, assumindo indevidamente, de forma totalmente absurda, a bandeira da liberdade de expressão. Os mesmos grupos que apoiaram um governo que institucionalizou a censura e que, inclusive, afetou a eles próprios! O risco que se corre agora é que com esse movimento, certamente articulado com os próprios grandes grupos de mídia, eles assumam a bandeira da regulação e façam a regulação entre aspas. Ou seja, muda para não mudar.

Entre as propostas tiradas neste seminário, eles falam em combater a concentração da propriedade dos meios privados.

Eles precisam explicar melhor. Muita gente fala que combater a concentração é finalmente cumprir o que está naquele decreto 236, de 1967, da ditadura. Aquilo ali não tem nada a ver com propriedade cruzada. Limitam o número de concessões por região geográfica e um parágrafo poderia ser aplicado na formação de redes. Não há qualquer controle na formação de redes de rádio e televisão como a Globo. Do ponto de vista jurídico, inclusive da ação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] em relação a formação de cartéis e controle de oligopolização, esses grupos são aceitos como rede.
Mas eu ainda não vi a publicação lançada neste seminário e prefiro fazer um estudo do documento. Estou falando com base nas coisas que eu já vinha observando e sobre algumas já escrevi.

Seria importante ter um aliado como FHC nesta luta?

Ao contrário, me assusta que FHC e o grupo em torno dessa promoção assumam a bandeira da regulação, eu jamais diria que ele é aliado. Se fosse teria promovido a regulação nos anos que foi presidente da República ou, então, o PSDB estaria apoiando alguma coisa nesse sentido.

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